Com 63,3 mil habitantes, Moreno é a 10ª maior cidade da Região Metropolitana do Recife. Seu orçamento destinado às despesas com educação, saúde e demais áreas é de R$ 154,8 milhões em 2020. O montante é menor do que o orçamento da Câmara Municipal do Recife (CMR), que neste ano deve ter à disposição, pelo menos, R$ 170,2 milhões para gastar com sua estrutura e equipe de 1.268 servidores, dentre os 39 vereadores, seus assessores, além de servidores concursados e terceirizados.
Este é o valor previsto para o ano de 2020 no orçamento da capital pernambucana para a função legislativa. Levando em conta o custo proporcional por habitante, o legislativo recifense deve gerar, até o fim do ano, uma despesa de R$ 102,92 para o bolso de cada cidadão.
O orçamento da Câmara do Recife, assim como o de todas as outras cidades, é repassado pelo Poder Executivo, por determinação legal. Esse repasse é chamado de duodécimo e tem um limite que varia entre 4% e 7% da arrecadação, de acordo com a população da cidade.
Na atual legislatura, a despeito do cenário econômico turbulento com impacto nas finanças das cidades, no Recife houve aumento nos gastos em patamar acima da inflação entre 2016 e 2019. Na Câmara, a despesa saiu de R$ 137,2 milhões em 2016 para R$ 159,5 milhões em 2019. Segundo o programa Calculadora do Cidadão, do Banco Central do Brasil, de dezembro de 2016 a dezembro de 2019, a inflação oficial ficou acumulada em 11,73%. Com isso, o orçamento da Casa de José Mariano estaria em R$ 153,3 milhões ao final do último ano.
Procurado pelo JC, o presidente da Câmara, o vereador Eduardo Marques (PSB), por meio de nota, limitou-se a responder que “os recursos citados na pergunta correspondem ao somatório de todas as disponibilidades que estão nas contas da CMR” e que o Poder Legislativo municipal “tem feito todos os esforços para administrar os recursos com zelo e transparência. Todos os dados financeiros são publicados, conforme determina o regimento interno, no portal da transparência municipal e em Diário Oficial.”
ECONOMIA PARA NOVA SEDE
Com um orçamento volumoso, no mês de setembro, a Casa fechou o mês com saldo de R$ 47 milhões. O valor “sobrou” no caixa dos vereadores, mesmo após os parlamentares efetuarem despesas de R$ 12 milhões no período. Em meio à mais grave crise sanitária da história, a expectativa era que a Câmara pudesse usar o dinheiro em ações de combate ao novo coronavírus, o que não aconteceu. Sob reservas, parlamentares têm dito que a Casa tem economizado para adquirir uma nova sede. O presidente da Câmara recifense, porém, nega tal afirmação.
“Desse montante [o orçamento da Casa], R$ 25.927.497,28 estão no fundo especial criado em 2012 (Lei n. 17.853/2012) para a aquisição de nova sede para o Poder Legislativo municipal. Porém, no momento a transferência da sede não está em debate na Casa”, diz trecho da nota de Eduardo Marques.
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O parlamentar diz ainda que os vereadores destinaram mais de R$ 8 milhões para o combate à pandemia. “Vale destacar, que a Câmara Municipal, por conta da pandemia, promoveu redução de despesas. Todos os parlamentares abriram mão de suas próprias emendas, para destinar mais de R$ 8 milhões para ações de combate à doença”, afirma ele no texto. “Por fim, cabe dizer que não compete ao poder legislativo realizar ações que, por sua natureza, são pertinentes apenas ao executivo”, completa.
MAIOR GASTO COM COMISSIONADOS
O gasto com pessoal consome cerca de 70% do orçamento do legislativo da capital. Somente em 2019, de acordo com o relatório de gestão fiscal, foram R$ 125 milhões gastos com pessoal. A maior parte dos recursos vai para o pagamento de assessores parlamentares, funcionários de contrato temporário e terceirizados. Isso porque a Casa possui um quadro diminuto de funcionários concursados.
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Segundo o Portal da Transparência, dos servidores que trabalham na Casa, quase 70% do quadro é composto por cargos comissionados. Outros 19% por servidores à disposição. Isto é, cedidos por outros órgãos. De efetivos, apenas cerca de 8% do total. Os 3% restantes, referem-se aos 39 parlamentares.
“O ideal seria que, com todo esse orçamento, a Câmara tivesse um corpo técnico de concursados mais robusto. Seria um salto na qualidade do trabalho legislativo, melhorando assim o serviço da Casa para a população recifense”, pontua o economista, cientista político e professor da Unicap, José Alexandre. Para ele, a Câmara do Recife deveria replicar os modelos adotados pelo Congresso Nacional, que têm um quadro de concursados com assessores de diferentes áreas, incluindo assessores que dominam o regimento e o processo. “É um dos concursos mais respeitados e difíceis do país”, afirma.
Para aumentar o tamanho do quadro fixo, contudo, seria necessário reduzir número de assessores parlamentares e cargos de confiança, medida que em geral conta com a resistência dos vereadores. Atualmente, cada vereador pode contratar até 18 assessores para lotar em seu gabinete, gastando até R$ 58.800,00 mensalmente por parlamentar. “Infelizmente, os parlamentares não demonstram ter vontade política para mudar essa realidade”, diz o especialista.
A partir do ano que vem, os gastos devem subir ainda mais. Isso porque, no final de 2019, os vereadores recifenses aprovaram um aumento de 29,07% nos próprios salários. A partir de janeiro de 2021, a remuneração mensal dos membros do Poder Legislativo da capital pernambucana chegará a R$ 18.980,00. Com isso, cada vereador receberá, sem contar os chamados “penduricalhos”, R$ 246.740,00, em média, por ano.
Quando somamos os auxílios-alimentação, gasolina, verba para correios e telefonia, verba indenizatória e de gabinete, o custo médio por vereador sobe para R$ 1.097.490,32 no ano. Além desses “penduricalhos”, no primeiro e no último mês do mandato, janeiro de 2021 e dezembro de 2024, respectivamente, cada parlamentar receberá R$ 18.980,00 como auxílio-paletó.
Considerando o pacote completo, que inclui todos os parlamentares ao longo dos quatro anos do mandato (salários mais "penduricalhos"), a despesa chega a R$ 172.688.929,92. Com este dinheiro, seria possível arcar com os custos de quatros reformas do Geraldão, cujas obras foram orçadas em R$ 43 milhões.
“RECIFE SEM MORDOMIAS”
Para combater o alto custo do legislativo municipal, em outubro de 2019, a ONG Seja a Mudança lançou uma campanha batizada de “Recife sem mordomias”, para pedir o fim de todos os “penduricalhos” da Câmara do Recife. Todas as informações estão reunidas no site da campanha (www.recifesemmordomias.com.br). Lá, os recifenses têm acesso ao texto na íntegra de um projeto de lei de iniciativa popular que propõe reduzir em 50% o valor dos benefícios recebidos pelos parlamentares. Além disso, é possível ver vídeos e receber orientação de como assinar o documento.
“ É um descalabro essa situação, porque inverte completamente as prioridades que deveriam nortear o uso dos recursos públicos. Estamos gastando mais dinheiro para manter uma estrutura cara e dispendiosa na Câmara do que em secretarias importantes e com forte demanda social”, critica Igor Sacha., integrante da ONG.
“Sabemos que vai ter uma reação gigantesca, porque eles sempre se mobilizam contra qualquer iniciativa que venha a cortar privilégios. Por isso que o nosso caminho é formar uma rede de apoio e fazer com que as pessoas tenham interesse de acompanhar esse debate”, explica Sacha. O foco é conseguir 55 mil assinaturas. Com isso, a iniciativa atinge 5% do eleitorado e coloca o assunto na pauta da Câmara, sem precisar de um vereador para apresentar o projeto de lei. Caso a lei seja aprovada, estima-se que a economia anual seja de R$ 21,4 milhões.
O ativista, porém, faz questão de ressaltar que, em nenhum momento, a mobilização tem o propósito de negar a política. “Muito pelo contrário, queremos trazer a população para o exercício da cidadania, com a fiscalização e o controle social da atividade dos parlamentares. Até porque as pessoas não têm a consciência de que são elas que bancam esses gastos”, reforça
O líder do governo na Câmara, Eriberto Rafael (PP), foi procurado pelo JC, mas se limitou a afirmar que seu papel envolve apenas a interlocução da Câmara com a Prefeitura e disse ainda que assuntos relativos ao orçamento do Legislativo são pautas das primeira secretaria e presidência da Casa. O JC também tentou contato com os vereadores Romerinho Jatobá (PSB), primeiro-secretário da CMR, e Renato Antunes (PSC), líder da oposição, mas não obteve retorno até o fechamento desta edição.
Na eleição deste ano, cerca de 877 candidatos disputam as 39 vagas na Câmara Municipal. Os eleitos serão os responsáveis por eleger a mesa diretora que vai gerir o orçamento milionário de janeiro de 2021 a dezembro de 2024. Por isso, vale a pena pesquisar bem na hora de escolher seu candidato. É o que defende Igor Sacha, da ONG Seja a Mudança. “O eleitor precisa observar a trajetória do seu candidato e ver se ele tem um histórico de dedicação à coisa pública com zelo e espírito republicano, pensando sempre na coletividade”, argumenta.
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