Covid-19

Pandemia deixa explícita para o Brasil a importância de lideranças políticas eficientes

Após um ano da confirmação dos primeiros casos de covid-19 no Brasil, pessoas ligadas às áreas de saúde e economia apontam falhas de gestão que poderiam ter evitado que o País estivesse na liderança das contaminações no mundo

Renata Monteiro
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Renata Monteiro
Publicado em 21/03/2021 às 9:30
BOBBY FABISAK/JC IMAGEM
País enfrenta segunda onda da covid-19 - FOTO: BOBBY FABISAK/JC IMAGEM
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No início do segundo semestre de 2020, quando o Brasil tinha acabado de alcançar o pico de infecções e óbitos por covid-19 até aquele momento, Lawrence O. Gostin, professor de direito da saúde pública na Universidade Georgetown, publicou um artigo no Journal of the American Medical Association (JAMA) em que afirmava que a liderança e a confiança pública estavam entre as principais coisas que deveriam ser perseguidas por governos de todo o mundo para responder satisfatoriamente à crise sanitária provocada pelo coronavírus. No Brasil, desde que o primeiro caso da doença foi confirmado, em 26 de fevereiro do ano passado, não foram raras as vezes em que gestores federais, estaduais e municipais foram criticados por minimizar a gravidade da enfermidade, não usar máscara, disseminar fake news, não valorizar o trabalho científico, não manter o distanciamento social ou sequer coordenar de maneira satisfatória as ações de enfrentamento ao vírus. O exato contrário do que Gostin apontou no seu artigo.

E a conta dessas ações chegou. Apesar de ter sido um dos últimos locais a confirmar contaminações pelo coronavírus, segundo balanço divulgado pela Organização Mundial de Saúde (OMS), o Brasil registrou 21% das mortes por covid-19 entre todos os países na semana de 7 a 14 deste mês, e agora é líder de novas infecções. A Fiocruz, por sua vez, revelou um estudo que conclui que o País enfrenta, atualmente, "o maior colapso sanitário e hospitalar" da sua história. Em Pernambuco, devido ao aumento significativo no número de casos e à indisponibilidade de leitos de terapia intensiva, na última quinta-feira (18) foi iniciado mais um período de quarentena rígida, que seguirá até o dia 28 de março, em que só poderão funcionar serviços essenciais no Estado.

Pesquisadora do Departamento de Saúde Coletiva da Fiocruz Pernambuco, Sydia Araújo diz que é possível, sim, apontar acertos dos governos brasileiros durante a pandemia, como quando, ainda em janeiro de 2020, o País criou o Comitê de Operações de Emergência (COE), que estabeleceu a situação de emergência internacional no Brasil e passou emitir boletins epidemiológicos sobre a doença, por exemplo. A estudiosa ressalta, porém, que muitos erros foram cometidos após esse primeiro momento da enfermidade no Brasil, erros de gestão que contribuíram de maneira decisiva para o quadro atual que estamos enfrentando.

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“Do ponto de vista da governança do sistema nós fomos desastrosos. A coordenação governamental falhou de forma incisiva. Não é possível olhar para o último ano e não perceber que não houve o estabelecimento de uma estratégia nacional consistente de combate à doença, que não houve articulação entre os governos locais e o governo nacional e que o próprio presidente da República desacreditou de várias evidências que estavam sendo postas diuturnamente pela comunidade científica, como as que dizem respeito ao uso de máscara e à não recomendação de medicamentos preventivos”, observa a pesquisadora.

Sydia Araújo lamentou, ainda, a falta de planejamento dos nossos gestores com relação à vacinação, que atualmente anda em passos lentos no País. Até a última quinta-feira, de acordo com dados do consórcio de imprensa que reúne informações sobre a covid-19 no Brasil, apenas 5,19% da população havia recebido o imunizante. “A gente teve, lá em agosto de 2020, a possibilidade de comprar 70 milhões de doses de vacinas que seriam entregues pela Pfizer em dezembro, nós poderíamos estar sendo uma referência de vacinação para o mundo. Nós conseguiríamos fazer algo que boa parte do mundo não consegue, que é ter um sistema de logística já instalado, por conta do Programa Nacional de Vacinação, poderíamos imunizar 1 milhão de pessoas por dia, como já fazemos durante as campanhas de vacinação”, pontua.

A saúde, contudo, não foi a única área do País afetada por problemas de gestão durante a pandemia. No setor econômico, é praticamente um consenso que ações adotadas ao longo de 2020, como a liberação do auxílio emergencial - que injetou mais de R$ 300 bilhões na economia brasileira - e o 13º do Bolsa Família, em nível estadual, ajudaram a minorar os impactos da proliferação do coronavírus no setor produtivo. Mesmo assim, no último ano o Brasil bateu recorde de desemprego e atinge, atualmente, 13,4 milhões de pessoas; os gastos federais previstos para combater os efeitos da pandemia somaram mais de R$ 600 bilhões em 2020, segundo o Tesouro Nacional, e os investimentos estão praticamente paralisados.

“Em um primeiro momento, as medidas adotadas tanto pelo governo federal quanto pelo governo estadual foram até satisfatórias, dado o ineditismo da situação. Houve ações para preservar o emprego formal, o auxílio emergencial, a prorrogação de impostos para empresas, crédito. E nesse contexto os setores foram afetados de forma diferente. Por exemplo, indústria e agronegócio sofreram muito menos, mas setores ligados ao serviço e ao comércio foram bem mais prejudicados. Com essa segunda onda, porém, é fundamental que o setor produtivo seja ouvido, não dá mais para tratar o problema com bala de canhão, é preciso usar bala de revólver, ser cirúrgico, até porque nós não temos mais gordura para queimar, como há um ano”, afirma Avelar Loureiro Filho, presidente do Movimento Pró-Pernambuco (MPP), grupo empresarial que reúne dezenas de entidades como a Fiepe, Fecomércio-PE, Abrasel e Urbana-PE.

Na última semana, após criticarem a falta de diálogo e transparência do governo de Pernambuco na elaboração de medidas mais restritivas no Estado, o MPP e o Executivo abriram um canal de comunicação através da Secretaria de Desenvolvimento Econômico, comandada pelo ex-prefeito do Recife, Geraldo Julio (PSB). Na quarta-feira (17), Geraldo reuniu-se virtualmente com representantes de diversas entidades, como a Fecomércio-PE e a Apesce, para tratar de questões relativas ao enfrentamento da pandemia.

Para o cientista político Antônio Lucena, da Universidade Católica de Pernambuco (Unicap), exemplos ao redor do mundo comprovam que Lawrence O. Gostin está correto nas colocações que fez em seu artigo, na medida em que países que tiveram lideranças fortes e eficientes possuem, hoje, números muito mais favoráveis do que os brasileiros quanto o tema é a pandemia. “Lideranças, de fato, importam. Os países que se saíram melhor na pandemia tiveram bons líderes, como a Nova Zelândia, comandado pela primeira-ministra Jacinda Ardern. Comunicação eficiente, boa oralidade, comunicados diários, tratamentos, entre uma série de outras coisas, foram extremamente importantes para que houvesse realmente uma aceitação da população de lá com relação às medidas de combate ao vírus. A população presta atenção e segue o que dizem os líderes de uma nação”, detalha.

Não há como ignorar, também, que em muitos momentos, no Brasil, questões estritamente sanitárias foram politizadas por atores que, temendo perder popularidade, cederam a setores que não tinham interesse que esta ou aquela ação fosse implementada na pandemia. Foi assim quando, por diversas vezes, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) deu declarações contra quarentenas mais rígidas ou lockdowns, ou ainda quando o governador de São Paulo, João Doria (PSDB), assinou um decreto reconhecendo as igrejas do Estado como serviço essencial, por exemplo.

“No Brasil, muitas vezes alguns grupos têm influência desproporcional na sociedade, mas os governantes têm que entender que, às vezes, é necessário tomar medidas impopulares, mas importantes para o bem coletivo. Os gregos, como Aristóteles, já falavam sobre isso há muito tempo, sobre a diferença entre um governante prudente e um demagogo. O prudente às vezes dá um remédio que sabe que é amargo, mas que vai ser bom lá na frente. Já o demagogo só está preocupado com as paixões, com as emoções das pessoas”, crava Lucena.

GABRIELA BILO/ESTADÃO
Atitudes do presidente Jair Bolsonaro (sem partido), como defender o uso de medicamentos supostamente preventivos, colaboraram para que a covid-19 saísse do controle no País - FOTO:GABRIELA BILO/ESTADÃO

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