Covid-19

TCE-PE julga regular compra de respiradores testados em porcos pela Prefeitura do Recife

Caso também está sendo investigado pela Polícia Federal

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JC

Publicado em 27/04/2021 às 14:22 | Atualizado em 03/05/2021 às 15:36
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Atualizada às 17h

A Primeira Câmara do Tribunal de Contas do Estado de Pernambuco (TCE-PE) julgou regular, com ressalvas, o processo de auditoria especial que apurou a compra de 500 ventiladores pulmonares pela Secretaria de Saúde do Recife (Sesau) a microempresária Juvanete Barreto Freire. O caso ganhou grande notoriedade em 2020 por que a Polícia Federal também está investigando a negociação e porque os equipamentos adquiridos pela gestão municipal haviam sido testados apenas em porcos. O processo foi relatado pelo conselheiro Carlos Neves.

A decisão do TCE foi tomada por três votos a zero nesta terça-feira (27). Segundo a corte, estiveram sob análise as dispensas de licitação nº 108/2020, de 04/04/2020, através da qual a Sesau comprou "200 ventiladores pulmonares adulto e pediátrico, com adição de mais 100, por termo aditivo, somando R$ 6.450.000,00", e a nº 129 /2020, de 14/04/2020, em que "foram adquiridos outros 200 equipamentos, pelo valor total de R$ 5.100.000,00". O tribunal explica, contudo, que apenas 50 dos 500 respiradores foram efetivamente pagos, o que corresponde a 10% da execução contratual.

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Para chegar ao resultado do julgamento, os conselheiros analisaram relatórios de fiscalizações feitos pelo próprio TCE e uma Representação Interna do Ministério Público de Contas (MPCO), que teria identificado falhas no processo de aquisição dos equipamentos. "O relatório da equipe técnica apontou alguns indícios de irregularidades na contratação da empresa fornecedora dos equipamentos, Juvanete Barreto Freire, entre eles, falta de habilitação jurídica, qualificação técnica e econômico-financeira, inaptidão da empresa para o desempenho da atividade pertinente e compatível em características, quantidades e prazos com o objeto da licitação, bem como a inadequação e a indisponibilidade de pessoal técnico para a realização do referido objeto", afirma o TCE, através de nota.

De acordo com os técnicos, “a Secretaria de Saúde do Recife teria assumido o risco de contratar fornecedor sem capacidade operacional para executar o objeto dos contratos, levando-a a rescindi-los, em 23/05/2020”.

No comunicado do tribunal, está especificado que o ex-secretário de Saúde do Recife, Jailson de Barros Correia; a ex-gerente de Monitoramento de Infraestrutura da Sesau, Mariah Simões da Mota Loureiro Amorim Bravo; e a ex-gerente de Finanças da pasta, Fernanda Emanuele Arantes Castro da Silva, todos citados nos relatórios, argumentaram que "as ações adotadas estavam em conformidade com a Lei Federal nº 13.379/2020, em especial com seu art.4º, que trata da dispensa de licitação para contratações emergenciais visando ao enfrentamento da pandemia".

A defesa deles teria afirmado, ainda, que não houve tratamento diferenciado à empresa contratada, "a qual estava regular em todos os sistemas cadastrais e, à época da contratação, apta a contrair obrigações com terceiros, pois existia juridicamente e estava em funcionamento e que a contratação ocorreu no momento crítico de aumento de casos versus disponibilidade de leitos".

A Sesau, por sua vez, informou "que o processo de certificação dos equipamentos estava em tramitação na Agência Nacional de Vigilância sanitária (ANVISA), que firmou compromisso público de concluí-lo em 15 dias úteis e que a empresa detinha o certificado de boas práticas emitido por essa agência reguladora. E que a não finalização do registro na ANVISA foi apenas mais um dos fundamentos para caracterizar o interesse público da prefeitura na rescisão contratual, o que aconteceu em maio de 2020".

Além de julgar regular com ressalvas a auditoria especial, o conselheiro determinou pagamento de multa no valor R$ 8.803,50 a Mariah Simões da Mota Loureiro Amorim Bravo, por ter atestado o recebimento de 15 respiradores não entregues à Secretaria.

VOTO

Em seu voto, Carlos Neves elogia o trabalho de auditoria feito pelo técnicos do TCE, mas reforça que, os fatos precisam ser analisados dentro de um contexto excepcional, diferente daquele em que normalmente trabalham os agentes públicos e órgãos de controle, que no caso é a legislação que flexibilizou as regras ligadas ao enfrentamento à covid-19.

“O somatório de circunstâncias como emergência pública, escassez dos bens imprescindíveis ao salvamento de vidas e urgência das medidas administrativas demandam mais que a aplicação mecânica da legislação que rege ordinariamente a matéria. Deveras, impõe-se ao julgador aplicar o regramento excepcionalmente editado para o momento da pandemia do covid-19, visitar meta-normas e equilibrar valores jurídicos”, declarou Neves.

O conselheiro destacou, também, que o ordenamento jurídico de todo o País sofreu adequações, muitas delas voltadas a dar maior celeridade às ações administrativas de combate à pandemia e socorrer a economia de estados e municípios. "Por óbvio, as alterações legislativas havidas não amparam a ação arbitrária, ilícita, lesiva ao erário ou dissociada da urgência sanitária. Destarte, inexistindo nestes autos qualquer apontamento de danos ao erário ou de efetivo prejuízo ao interesse público e amparando-me na legislação extraordinária editada para as contratações relacionadas à Covid-19; no art.22 da LINDB e no sopesamento entre as falhas administrativas e os bens jurídicos envolvidos, reputo aquelas como inaptas a conduzir a apreciação dos fatos à conclusão pela irregularidade do objeto da presente auditoria especial", observou.

O relator entendeu que não havia nas dispensas "falhas que não possam ser ilididas, justificadas ou mitigadas à luz das circunstâncias extraordinárias vivenciadas quando, no âmbito dos presentes autos, não foram comprovados fraude, ilicitude ou danos ao erário, uma vez que durante a execução contratual houve um único desembolso, no valor de R$ 1.075.000,00 à contratada, o qual foi integralmente restituído aos cofres municipais após a rescisão do contrato", diz o voto.

O conselheiro Valdecir Pascoal, por sua vez, ao proferir seu voto fez algumas ponderações acerca do desafio de julgar contas públicas em um momento como o que estamos atravessando. "Em estados de emergência pública, contexto que se assemelha ao de uma verdadeira guerra, como vem acontecendo nesta pandemia, e de maneira muito intensa, nos primeiros meses de 2020, em que tudo era novo e muito mais incerto, um possível 'apagão da caneta', traduzido na omissão de fazer, teria como consequência o apagão de vidas, de histórias, de destinos, de famílias. Em estados de necessidade, em que a prioridade deve ser a legítima defesa da vida, a omissão (o não tentar), quase sempre, será mais danoso socialmente do que o agir, o ousar, assumindo riscos gerenciais que não seriam adequados e nem proporcionais em contextos ordinários, de normalidade", pontuou.

Ranilson Ramos, o terceiro conselheiro da Primeira Câmara, elogiou o voto de Carlos Neves. "De forma pedagógica e simples o voto não deixou um só ponto sem ser fundamentado, na lei, e principalmente no ambiente excepcional em que vivemos", comentou. Representando o MPCO, a procuradora Maria Nilda ressaltou o "trabalho fundamental, proficiente e zeloso do MPCO em sua representação".

Procurada pela reportagem, a procuradora-geral do MPCO, Germana Laureano, afirmou que o órgão pode recorrer da decisão do TCE e que o procurador responsável pelo caso, dr. Cristiano Pimentel, avaliará se vai realizar o procedimento no prazo legal para recurso.

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