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Voto impresso é 'solução desnecessária para problema que não existe', diz presidente do TSE

Nessa terça-feira (8), Bolsonaro disse que ''não acredita nada'' na urna eletrônica

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Cássio Oliveira

Publicado em 09/06/2021 às 15:11 | Atualizado em 09/06/2021 às 16:36
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Presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), o ministro Luís Roberto Barroso defendeu a total segurança, transparência e auditabilidade da urna eletrônica em uma audiência, nesta quarta-feira (9), no Plenário da Câmara dos Deputados. “A introdução do voto impresso seria uma solução desnecessária para um problema que não existe, com um aumento relevante de riscos”.

O encontro foi realizado para debater as Propostas de Emenda à Constituição (PECs) nº 135/20 e 125/11 que tratam, respectivamente, do voto impresso e da reforma eleitoral. Na ocasião, Barroso destacou que, em 25 anos da urna eletrônica, não há qualquer indício de fraude contra o equipamento que tenha sido documentado.

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O ministro lembrou que as urnas não são conectadas à internet ou a qualquer outra rede, o que fortalece a segurança contra ataques externos de hackers. Ele salientou aos parlamentares os problemas associados ao voto impresso, como o alto custo (R$ 2 bilhões) para a adoção, o perigo de quebra do sigilo do voto e os riscos de fraude e de extrema judicialização do resultado das eleições pelos candidatos derrotados.

Barroso lembrou que na última eleição houve mais de 400 mil candidaturas e destacou, ainda, dificuldades de ordem administrativa, como o preparo de uma licitação complexa no TSE para a compra de equipamentos, caso o voto impresso seja efetivado. “Dois bilhões de reais faz muita diferença. Eu só gostaria de lembrar que nós não realizamos o censo demográfico por falta de dinheiro, e que as Forças Armadas não puderam ajudar em uma operação que eu mesmo determinei para proteger comunidades indígenas e garimpeiros em um conflito porque disseram que não tinha recursos. Portanto, essa talvez não seja a melhor alocação de recursos no momento”, disse ele.

O ministro lembrou que, nas eleições gerais de 2002, o voto impresso foi implantado em determinado percentual de urnas, com resultados nada animadores. De acordo com o relatório produzido pelo TSE na época, a experiência ocasionou diversos problemas durante a votação. “A conclusão foi a de que não agregou qualquer componente de segurança e trouxe riscos variados”, informou.

No entanto, Barroso assinalou que o Congresso é o local apropriado para fazer esse debate, que envolve o voto, um dos fundamentos da cidadania. “Essa é uma decisão política. Se o Congresso Nacional decidir que tem que ter voto impresso, e o STF validar, vai ter voto impresso. Mas vai piorar. A vida vai ficar bem pior. Aliás, a vida vai ficar parecida com o que era antes. Creiam em mim”, advertiu.

A comissão especial da Câmara dos Deputados que analisa a PEC nº 135/2019, de autoria da deputada federal Bia Kicis (PSL-DF), foi instalada em 13 de maio. Cabe destacar que a proposta em análise na Câmara não estabelece que o voto seja feito em cédulas de papel, mas propõe que uma cédula seja impressa após a votação eletrônica, de modo que o eleitor possa conferir o voto antes que ele seja depositado, de forma automática e sem contato manual, numa urna trancada para auditoria. Portanto, a proposta não visa a eliminação da urna eletrônica por completo. No texto, Kicis diz que essa "materialização do voto eletrônico" seria a "solução internacionalmente recomendada para que as votações eletrônicas possam ser auditadas de forma independente".

Ela diz ainda que o voto permaneceria sigiloso, já que haveria uma exigência de que nenhuma informação que identifique o cidadão seja incluída no documento que grava o voto, tanto na urna eletrônica quanto na cédula impressa. Para a parlamentar, o voto puramente eletrônico não daria a segurança jurídica necessária ao eleitor e fere os princípios de publicidade e transparência.

"A urna eletrônica de votação, embora tenha representado modernização do processo eleitoral, no sentido de garantir celeridade tanto na votação quanto na apuração das eleições, tem sido alvo de críticas constantes e bem fundamentadas no que se refere à confiabilidade dos resultados apurados, além de outros riscos discutidos exaustivamente, em diversos cenários", escreveu.

Bolsonaro

O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) criticou as urnas eletrônicas durante conversa com apoiadores que o aguardavam em frente ao Palácio da Alvorada nessa terça-feira (8). Bolsonaro disse que "não acredita nada" no sistema de contabilização de votos. "Perguntam: 'como você ganhou e reclama?' Eu tive muito voto", justificou o presidente, que defende um sistema que permita a impressão dos votos auditáveis.

Intervenção humana

Durante a audiência, Barroso afirmou que as urnas eletrônicas encerraram um passado de fraudes eleitorais, pois retiraram a manipulação humana das etapas do processo eleitoral. Ele lembrou que no tempo do Império e na República Velha, com os votos em papel, as fraudes ocorriam por meio da eleição a bico de pena, dos votos de cabresto, do “voto formiguinha” e com a alteração dos mapas de votação.

“As urnas eletrônicas eliminaram a intervenção humana no momento da votação e da apuração da eleição. Isso porque essa intervenção humana sempre foi a principal causa de fraudes eleitorais no Brasil”, disse o ministro, ao lembrar que “a todo e qualquer momento, desde o início do TPS no segundo semestre, os partidos podem comparecer pelos seus parlamentares ou indicando os seus técnicos para acompanhar cada passo do desenvolvimento desse sistema”.

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Ao acentuar a transparência do processo eleitoral, Barroso informou que todas as etapas são fiscalizadas por entidades como o Supremo Tribunal Federal (STF), Conselho Nacional de Justiça (CNJ), universidades, partidos políticos, Procuradoria-Geral da República (PGR), Controladoria-Geral da União (CGU), Tribunal de Contas da União (TCU), Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Polícia Federal, Forças Armadas, Sociedade Brasileira de Computação, Conselho Federal de Engenharia e Agronomia (Confea) e pelo próprio Congresso Nacional. “Portanto, o sistema é transparente para quem quiser”, disse o ministro.

Como reforço ainda maior, o ministro anunciou aos parlamentares que a Corte constituirá uma comissão interna de observação, o que ampliará o universo das entidades que irão acompanhar cada fase de desenvolvimento do processo eleitoral. A comissão terá a participação de representantes de instituições públicas, de universidades, entidades de Tecnologia da Informação, organizações da sociedade e do Congresso Nacional. A meta é que ela esteja formada já para as Eleições Gerais de 2022. “Portanto, não há nenhuma opacidade na maneira como o TSE trabalha”, afirmou.

“Cada passo do processo eleitoral, do desenvolvimento do programa à divulgação dos resultados, está sujeito à fiscalização de todos os partidos. Na verdade, é que, na prática, os partidos não comparecem pela razão que confiam e nós ficamos muito felizes que seja assim”, declarou.

Auditoria

O presidente do TSE mencionou, pelo menos, dez momentos do processo eleitoral em que os componentes das urnas são auditados: na abertura dos programas e do código-fonte; durante o Teste Público de Segurança do Sistema Eletrônico de Votação (TPS); na assinatura digital dos sistemas; na cerimônia de lacração e inseminação das urnas; na extração da chama “zerézima” do equipamento; na emissão do boletim de urna (BU); durante o Teste de Integridade; e no Registro Digital do Voto (RDV), entre outros. “Portanto, temos cerca de dez itens de auditoria, todos abertos à fiscalização dos partidos. Há uma percepção de que as urnas não são auditáveis. Elas são auditáveis muitas vezes”, disse o ministro.

Barroso citou três paradoxos que depõem contra a adoção do voto impresso e revelam a robustez da urna eletrônica. O primeiro, é que para confiar no voto impresso é preciso confiar na urna eletrônica, “porque o voto impresso vai ser produto da urna eletrônica”. “Esse é um paradoxo difícil de superar”. O segundo é que a impressão do voto vai diminuir a segurança da votação, pois “vai se criar um mecanismo de auditoria, que é o voto impresso, que é menos seguro do que o objeto da auditoria, que é o voto eletrônico”. O terceiro paradoxo citado por Barroso ocorreria em uma eventual divergência na contagem do voto eletrônico e do impresso. “Como é que se faz essa reconciliação?”.

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