Entrevista

Coronel defende ''muralha'' que separe as Forças Armadas da política e de governos

Na visão do coronel da reserva, a participação de militares no Governo Bolsonaro compromete a imagem das Forças Armadas

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Cássio Oliveira

Publicado em 09/08/2022 às 15:06 | Atualizado em 09/08/2022 às 15:13
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Pesquisa Confiabilidade Global, realizada pelo Instituto Ipsos, apontou que o Brasil está entre os países que menos confiam nas suas Forças Armadas.

O levantamento apontou que apenas 30% dos brasileiros dizem acreditar nas Forças Armadas. A pesquisa aferiu a relação de confiança da população de 28 países com os militares. A taxa no Brasil está 11 pontos abaixo da média global que foi de 41%.

Em comparação a 2021, houve redução no sentimento de credibilidade. Levantamento semelhante do Instituto Ipsos divulgado em 2021 indicou que 35% dos brasileiros mantinham confiança nos militares.

Na visão do coronel Marcelo Pimentel Jorge de Souza, mestre em Ciências Militares e oficial da reserva do Exército, o alinhamento de membros da cúpula das Forças com o Governo do presidente Jair Bolsonaro (PL) pode ser vista como uma das causas dessa desconfiança.

Em entrevista à Rádio Jornal, Marcelo analisou a participação de militares no Executivo Federal e o papel das Forças Armadas na política brasileira.

Confira a entrevista com Marcelo Pimentel:

Confiança nas Forças Armadas diminui

MARCOS CORREA/PR
O presidente Jair Bolsonaro (PL) fala diante de militares - MARCOS CORREA/PR

Rádio Jornal - Como o senhor enxerga a pesquisa que apontou queda na confiança nas Forças Armadas brasileiras?

Coronel Marcelo - Todo fenômeno tem uma causa, nada surge do acaso, e todos os eventos têm consequência. O capitão Bolsonaro é militar, é presidente da República há três anos e meio e seu governo está repleto de generais e coronéis das Forças Armadas, especialmente do Exercito, ocupando cabeça tronco, membros, entranhas e alma da máquina governamental. Então, é natural, compreensível, que a sociedade - percebendo a associação das Forças Armadas, por intermédio de suas cúpulas hierárquicas a um determinado governo -, a parcela que se opõe ao governo, que é legítima, vai evidentemente transferir essa oposição às instituições às quais pertencem essas cúpulas, que comandam politicamente o país. Este fenômeno que se vê não somente agora, mas desde que o capitão Bolsonaro lançou a própria candidatura presidencial em 2014 em plena Academia Militar das Agulhas Negras (Aman) e foi aplaudido por aspirantes na ocasião que hoje são capitães. Essa associação do Exército com a imagem do presidente, do general Hamilton Mourão, vice-presidente, causa essa percepção da sociedade vinculando às Forças com o governo, embora saibamos evidentemente que não são as Forças Armadas que estão no governo, mas as suas cúpulas hierárquicas em peso que compõem a direção política do governo.

Hamilton Mourão

VALTER CAMPANATO/AGÊNCIA BRASIL
General Hamilton Mourão, vice presidente do Brasil, e Jair Bolsonaro - VALTER CAMPANATO/AGÊNCIA BRASIL

Rádio Jornal - Como o senhor avalia o aumento em 176% do patrimônio do general Mourão nos quase quatro anos como vice-presidente de Bolsonaro?

Coronel Marcelo - Trata-se agora de um candidato ao Senado pelo Rio Grande do Sul, que utiliza esses excelentes índices de confiança da sociedade brasileira nas Forças Armadas, pelo menos até 2018, como espécie de muleta eleitoral para projetos políticos pessoais. O general Mourão sabia muito bem em 2018 quem ele estava dizendo ao eleitor brasileiro que era mito, que era líder, que tinha capacidade de ser presidente e quando ele, nos 100 dias de comemoração do governo, diz que a conta, se o governo for mal, vai para as Forças Armadas está cometendo uma desonestidade intelectual. A conta se for mal ou bem é dos militares que agiram politicamente em prol do governo, todos os generais inclusive esses que se vendem como dissidentes anti-bolsonaro, não anti-protagonismo político das cúpulas hierárquicas, que é o que eu critico, eles conheciam bem o capitão Bolsonaro que é militar, mas jamais deixou a carreira.

Coronel afastado

Rádio Jornal - O TSE (Tribunal Superior Eleitoral) excluiu da fiscalização de urnas o coronel Ricardo Sant’Anna que espalhou fake news sobre o sistema eleitoral. Qual recado isso passa à população?

Coronel Marcelo - As cúpulas hierárquicas são referência, dão exemplo, porque o exemplo é a principal ferramenta pedagógica de formação do militar. Então, é vergonhoso (para mim) ter de criticar o posicionamento de um companheiro e não é caso isolado do coronel afastado da comissão de transparência que demonstra cabalmente esta vinculação. Há generais na ativa, até outro dia se via generais na ativa fazendo parte do governo, exercendo cargos de natureza política. Nosso conterrâneo general Otávio Rêgo Barros, com autorização do comando do Exército, virou porta-voz do presidente Bolsonaro, que pauta sua carreira política por polêmicas em relação à veracidade do que diz. O general (Luiz Eduardo) Ramos foi ministro da Segov por dois anos, sendo um ano e meio na ativa, Braga Netto foi na ativa exercer cargo na Casa Civil. Além disso, o general Eduardo Pazuello foi ministro e não recebeu sanção em 2020 quando, na ativa, teve manifestação claramente político-partidária ao subir em um palanque de presidente e fez menções ao presidente. Como ele não foi punido, qualquer militar na ativa pode fazer o mesmo, tanto em relação ao apoio ao presidente quanto em desapoio. O problema não é de um capitão, não é do Bolsonaro, é problema geracional, a geração formada na Aman nos anos 70, que é a de Bolsonaro chegou no alto comando na última década e acelerou essa vinculação da imagem da instituição à imagem política de governo.

Forças Armadas

MARCELO CAMARGO/AGÊNCIA BRASIL
Pesquisa mostrou queda na confiança nas Forças Armadas - MARCELO CAMARGO/AGÊNCIA BRASIL

Rádio Jornal - Como o senhor vê as novas gerações das Forças Armadas? Há uma perspectiva de mudança nessa vinculação com a política?

Coronel Marcelo - Uma geração forma a seguinte e valores vão passando de geração a outra. A geração que atualmente está no Exército é praticamente a mesma de 80, a minha turma de Aman, de 87, chegará ao alto comando daqui a dois anos, a geração que estava no comando quando autorizou generais na ativa a participarem do governo. Além da visão sobre 1964, sobre a ditadura, sobre o golpe, é (uma visão) idêntica, isso é passado de geração a outra. Basta ver as ordens do dia que se sucedem anualmente celebrando ou rememorando eventos de natureza política, o que não ocorre no Chile, na Argentina, na Colômbia. Isso não ocorre em Forças Armadas de países latino-americanas que viveram situações de exceção democrática como o Brasil viveu. Então, a sociedade precisa entender que somente agindo politicamente sobre as cúpulas consegue mudar, se a sociedade assim desejar, não adianta chamar sargentos, capitães, majores, se a cabeça das cúpulas não se adaptar plenamente ao ordenamento jurídico constitucional. A geração dos anos 80 não apresenta qualquer risco de rompimento institucional porque a narrativa do golpe a ser dado por Bolsonaro, suas tentativas de rompimento democrático, que são vendidas em suas expressões orais, elas fazem parte, na minha visão particular, de um enredo para que na 'hora H do dia D' o atual alto comando possa surgir como especie de garantia da lei e d ordem e dê posse do presidente.

Disputa política

Rádio Jornal - Como ter uma discussão saudável entre direita e esquerda sem bravatas golpistas?

Coronel Marcelo - A luta política polarizada, ou não, é saudável à democracia desde que ocorra dentro dos limites do ordenamento constitucional. Mas quem deve fazer a luta política sobre o palco da política são as forças sociais, as forças políticas. Quem deve garantir os poderes constitucionais de acordo com o artigo 142 são as Forças Armadas. Não faz sentido algum cúpulas hierárquicas das Forças Armadas subirem ao palco da política e associarem-se a a um dos polos e participarem da luta política. Participar de um governo aceitando ser vice-presidente de colega de Aman é ato político, continuar neste governo é ato político. As Forças, por intermédio de suas cúpulas, devem estar sob, embaixo do palco da política, sustentando, pois as divisões que acontecem sobre o palco podem passar para de baixo e comprometer aquilo que é fundamental em qualquer Força Armada, que é a coesão. Quando o alto comando autoriza, por exemplo, que o brado oficial da brigada paraquedista 'Brasil acima de tudo' vire jogo eleitoral registrado no TSE mostra essa associação, dá a entender que esse grupo atua como partido, que planeja conquistar o poder, ocupar espaços de poder, distribuir o poder a seus aliados e recentemente para os políticos do denominado centrão e planeja se manter no poder, seja com Bolsonaro, seja sem Bolsonaro. Assim que vejo essa questão de forma mais teórica. Temos o desafio de no próximo governo, seja lá qual for, refazer a muralha institucional que deve segregar Forças Armadas da política e de governos.

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