Da AFP
Dezenas de milhares de pessoas foram às ruas nesta sexta-feira (2) em Buenos Aires e nas principais cidades da Argentina em repúdio a um atentado contra a vice-presidente Cristina Kirchner, que saiu ilesa, com apelos pela coexistência e o fim da aguda polarização política.
Com cartazes que diziam "Chega de ódio", os manifestantes ocuparam a Praça de Maio, em frente à Casa Rosada, sede da Presidência, em um dos maiores protestos realizados na capital argentina em muito tempo.
Cristina Kirchner, líder da corrente de centro-esquerda do peronismo e duas vezes presidente entre 2007 e 2015, foi atacada na noite de quinta-feira (1º) por um homem com uma arma de fogo que não disparou, em meio a uma crescente polarização após o pedido do Ministério Público para que ela seja condenada a 12 anos de prisão e fique inelegível por suposta corrupção.
"Estou assustadíssimo de pensar que esse tiro poderia ter saído, não quero nem imaginar", disse à AFP Emilio Costagiomi, um programador de 55 anos.
"Vim para que estejamos unidos nesse momento tão feio, para abraçar Cristina e para aplacar os ânimos de todos os lados", acrescentou.
Para o analista político Carlos Fara, os principais partidos políticos tentarão "acalmar as águas".
"Este incidente ocorre após duas semanas de alta tensão política. Não creio que haja nenhum responsável político por isso, mas gera-se um clima que provoca essas situações", afirmou à AFP.
A tentativa de magnicídio foi repudiada pelos principais dirigentes da oposição Juntos pela Mudança (centro-direita). No sábado, o Congresso realizará uma sessão especial.
Diego Reynoso, cientista político na Universidade de San Andrés, considerou que "havia um nível de violência verbal e simbólica, que agora atingiu o comportamento, se materializou".
"Este fato é um divisor de águas", disse Reynoso à AFP. Nos últimos anos, "a violência política nunca havia sido um problema. Havia um consenso cívico e democrático que está se perdendo, é lamentável".
O papa Francisco, que já foi arcebispo de Buenos Aires, expressou sua "solidariedade por este momento delicado" e disse que ora para que "prevaleçam a harmonia social e o respeito aos valores democráticos".
Os Estados Unidos condenaram "energicamente a tentativa de assassinato" e expressaram seu apoio "ao governo e ao povo argentino no repúdio à violência e ao ódio", tuitou o secretário de Estado, Antony Blinken.
A juíza María Eugenia Capuchetti e o promotor Carlos Rivolo, encarregado da investigação, tomaram os primeiros depoimentos de Kirchner e uma série de testemunhas, policiais e membros da segurança da vice-presidente.
O detido, Fernando André Sabag Montiel, de 35 anos, de nacionalidade brasileira, é filho de mãe argentina e pai chileno. Reside na Argentina desde 1993. Ele já havia sido detido em 17 de março de 2021 por porte de arma branca e tem um símbolo nazista tatuado no cotovelo.
Para atacar a vice-presidente, o homem ficou entre os militantes que toda noite desde o pedido de sua condenação a esperam na porta de sua casa para apoiá-la. Os próprios seguidores de Kirchner controlaram o agressor, que colocou uma pistola Bersa 380 a centímetros de seu rosto.
Kirchner, de 69 anos, tão amada por apoiadores do peronismo quanto detestada por opositores, continua exercendo grande influência e poder na Argentina, sete anos depois de deixar a Presidência e um antes das eleições de 2023, sobre as quais ainda não demonstrou suas intenções.
Cecilia Rossi, de 57 anos, que mora na quadra onde vive Kirchner, acredita que se trata de "uma palhaçada para acobertar tudo o que está acontecendo no país".
- Breve aceno -
Kirchner não se deu conta do ataque na hora, de acordo com seu advogado Gregorio Dalbón, que considerou que a segurança dela falhou e acrescentou que "ainda não se sabe se foi uma pessoa solitária ou se há algo mais".
Até o momento, a vice-presidente não fez nenhuma declaração. No meio da tarde desta sexta, saiu de sua residência para ir a um lugar desconhecido. Usando um suéter rosa e óculos escuros, acenou rapidamente para seus apoiadores.
Na próxima semana, terá início a etapa de argumentações da defesa no julgamento de Kirchner e outras 12 pessoas. Estima-se que sua vez será no final de setembro.
A vice-presidente já foi absolvida em vários casos, mas ainda enfrenta cinco processos judiciais.
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