ENTREVISTA

Teresa Leitão avalia que pautas progressistas não devem avançar diante de Congresso conservador: "a luta será contra o retrocesso"

Eleita senadora pelo PT com 46,12% dos votos válidos, Teresa Leitão falou sobre o que espera do Congresso em 2023

Augusto Tenório
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Augusto Tenório
Publicado em 21/10/2022 às 20:33 | Atualizado em 22/10/2022 às 8:01
ROBERTO SOARES/ALEPE
CONSOLIDAÇÃO.PT oficializou a indicação de Teresa Leitão para a disputa pelo Senado na Frente Popular - FOTO: ROBERTO SOARES/ALEPE
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Numa tarde de quarta-feira, o vento sopra forte na residência de Teresa Leitão. Na janela, a tremulação da bandeira ostentada durante toda a campanha da senadora eleita pelo PT no último dois de outubro chama atenção: mostra sua imagem sorridente ao lado de Lula, candidato à Presidência pelo seu partido e apontado como um dos principais responsáveis pela sua indicação à Câmara Alta, ainda na pré-campanha.

A senadora eleita, acidentada e em recuperação desde a véspera da eleição, recebeu o Jornal do Commercio para entrevista. Pela sala, ainda observa-se a presença de alguns materiais da campanha, como um 'pirulito' com o recorte do seu rosto. Teresa Leitão foi eleita com 2.061.276 votos, o que representa 46,12% dos votos válidos.

Ela foi candidata pela Frente Popular, aliança liderada pelo PSB com outros onze partidos. Seu candidato ao Governo de Pernambuco foi o governista Danilo Cabral, que foi derrotado no primeiro turno com 18,06% dos votos válidos. Para o segundo turno, o PT apoia Marília Arraes (SD), que concorre ao Palácio Campo das Princesas contra Raquel Lyra (PSDB).

Ricardo Stuckert/Divulgação
Teresa Leitão é aliada de Danilo Cabral (PSB) em Pernambuco. Teresa e Danilo se encontraram com Lula em São Paulo - Ricardo Stuckert/Divulgação

Professora e deputada estadual eleita cinco vezes, Teresa Leitão tem trajetória política ligada à educação e pretende fazer dessa pauta uma das suas principais bandeiras, mas tem pressa para organizar a bancada para oferecer base a um eventual Governo Lula diante de um Senado hostil. Legendas de esquerda, como PT, PDT, Rede e PSB, formam apenas 17% da Câmara Alta.

JC: A esquerda denuncia muitos “retrocessos” desde o Governo Temer. Diante de um congresso mais hostil que o imaginado, a base aliada de um eventual Governo Lula terá espaço para promover mudanças?

Se a gente chegar muito na defensiva, tomam a gente de assalto. Precisamos sentir o clima, analisar o nosso programa de governo, ter cuidado com as medidas que serão mandadas e fazer uma grande diálogo. Não podemos estar a vida inteira em cabo de guerra, não é bom em casa legislativa. O ideal de uma casa legislativa é sempre o diálogo, respeito às divergências. Quem achar que, porque tem maioria pode passar o trator, um dia marcha quebra.

A capacidade de de negociação do presidente Lula é invejável nesse aspecto. E quando forem reveladas todas as situações que infelizmente vamos encontrar - e eu advogo que Lula faça isso - sobre o orçamento secreto, a situação de cada ministério, os cortes que foram feitos… Essa radiografia que a gente faz de fora só vai poder ser feita depois de eleito. Isso tem que ser revelado pra o povo pra poder saber o que faremos a partir da eleição, afinal de contas o nosso plano é de reconstrução do Brasil.

JC: Como você imagina uma eventual transição?

Não sei se eles vão entregar uma transição transparente, como manda a lei. Então, muita coisa a gente só vai saber quando estiver lá. Ao que tudo indica nós vamos pegar uma terra arrasada em alguns ministérios. A população tem que saber, precisa ser informada.

Vamos derrubar os sigilos. O legislativo pode e deve derrubar e espero que isso seja feito.

JC: Temos o orçamento secreto… Mas Lula precisará negociar com o “centrão”. Sem o orçamento secreto, será possível?

Negociação precisa de parâmetros, não podemos cair numa negociação de olhos vendados. As partes precisam ceder, mas com referenciais. Não pode ser, simplesmente, um toma-lá-dá-cá. O referencial é o Brasil sair dessa situação, pela volta do emprego, da da comida no prato, do salário mínimo. Isso precisa virar pauta nacional, mas por enquanto é pauta de Lula. Com a capacidade comunicação dele, acho que a gente vai avançar nela.

JC: Com essa composição da Câmara e numa eventual reeleição de Bolsonaro, a tendência é Arthur Lira continuar na presidência da casa. No Senado a continuidade do Pacheco é uma dúvida. Como é que você analisa esse cenário?

Eu voto com a minha bancada. só existirá voto meu fora do PT se for algo que fira meus princípios, o que é difícil de acontecer. Eu nunca votei diferente do que o PT determinou. O PT vai ter posição, é uma bancada muito orgânica. Quando vota fora, vai pra comissão de ética. Tem reclamação, claro. Eu estou muito confiante na experiência dos senadores do PT, seremos nove, mas já temos cinco na casa. Dentre eles, um é Humberto Costa. É a primeira vez que Pernambuco vai ter dois senadores do PT. Eu estou muito confiante na experiência de quem está lá e em quem vai chegar. Então, eu tenho um espaço de aprendizagem, de troca de experiência, que certamente vai me ajudar bastante.

JC: Com o congresso mais conservador, há espaço para avançar pautas de costume?

Dificilmente. Nosso espaço de luta será para não retroceder. Temos, por exemplo, a proposta da diminuição da maioridade penal. É um retrocesso, que vem com discurso de violência. Temos uma discussão avançada do uso medicinal da cannabis no congresso, mas não chegou no Senado. Tem gente que quer zerar tudo, porque diz que isso é drogar. Sou a favor do uso medicinal.

A luta vai ser obscurantismo contra a ciência. O direito da população LGBTQIA... Temos muita homofobia neste governo, cujos resquícios vão querer levar ao congresso. Ainda há a questão do armamento e das três permissões para um aborto legal, que eles querem acabar.

A pauta dos costumes é espalhada de forma distorcida na campanha.

JC: Você construiu sua vida política com base nas pautas da educação. Continuará assim no Senado?

Temos dois projetos de educação parados. Um deles é o Plano Nacional de Educação, que Bolsonaro ignorou após ser aprovado no governo Dilma. Dentro do plano há o debate da construção do Sistema Nacional de Educação, que facilitará muito a oferta e vai além do regime de colaboração.

Marcus Mendes
Danilo Cabral (PSB) ao lado de Luciana Santos (PCdoB), Teresa Leitão (PT), Humberto Costa (PT), João Campos (PSB) e mais aliados - Marcus Mendes

Me dedicarei muito à pauta de educação, de analisar os cortes e retomar os orçamentos. (...) Primeiro, vou honrar aquilo que eu disse que ia fazer na campanha: espero que o PT me indique pra Comissão de Educação, vou reivindicar isso. 

JC: Esse projeto tem relação com o "municipalismo"?

A questão orçamentária que Lula vai mandar é muito importante e eu quero uma nova relação com os municípios. Quando eu me autodeterminei de ser uma 'senadora municipalista' foi para isto. Para fazer o debate do pacto federativo, da reforma tributária... Mas, além dessas prioridades, vou ficar muito atenta às prioridades de Lula.

JC: Quando você começou a crescer nas pesquisas, não parou. Isso não ocorreu com Danilo Cabral. O que aconteceu?

As pesquisas erraram muito com Danilo, o máximo que deram a ele foi 14%. Comigo as pesquisas não erraram.

Acho que que meu guia pegou, meu jingle pegou. Apesar de não ser uma jovem candidata, eu fui a novidade. Eu nunca tinha disputado um cargo majoritário. os candidatos que foram candidatos comigo: um deputado federal tido como o candidato mais competente, um que colou no Presidente da República, um ex-prefeito e um candidato a Prefeito que foi Carlos. Eu fui eleita e reeleita cinco vezes à Alepe, mas sem caminhão de voto. Mas o fato de ser a "Senadora de Lula" me ajudou, a fala de que eu era senadora do coração dele pegou. Acho que isso ajudou muito, foi uma identificação mais fácil do que a de Danilo.

JC: Um dos temores do PSB era a campanha solo...

Graças a Deus eles reconhecem isto: eu não me aproveitei para sair fazendo campanha solo. A minha campanha foi casada com a dele, acho que é acordo é acordo, que a aliança é a aliança. Também tive muito apoio da Frente Popular.

Me ajudaram os prefeitos de onde eu não tinha uma inserção muito grande. Eu fiz a minha parte, minha base orgânica toda votou em Danilo, meus vereadores, minhas lideranças. Mas eu acho que a identidade minha com Lula foi mais facilmente conquistada que a dele, apesar da torcida.

JC: Como você viu a saída de Marília Arraes do PT e o apoio a ela no segundo turno?

Após não conseguir a candidatura ao Governo, ela chegou a cogitar o Senado, mas apareceu uma oportunidade e ela tem muita vontade de ser governadora. Abraçou essa oportunidade e saiu do PT já com tudo pronto pra ser candidata ao Governo.

Tiago Calazans/Divulgação
PT foi com Marília na casa de Teresa Leitão. Na campanha, trocaram farpas - Tiago Calazans/Divulgação

Ela conseguiu conseguiu montar um palanque, com a saída de André de Paula e de Sebastião Oliveira. Hoje, eu vejo o apoio a ela com muita naturalidade, pois nosso foco estratégico é a eleição de Lula.

Aqui no estado, o palanque de Marília é o palanque de Lula, inclusive no primeiro turno, quando disputou conosco. Lula teve três palanques no primeiro turno: o nosso, o de Marília e o do PSOL. Hoje estão todos apoiando Marília, eu acho que é natural.

JC: Você enxerga espaço para um retorno de Marília ao PT?

Eu acho uma possibilidade remota, mas nunca pensei sobre isso.

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