Diário Oficial

INDULTO DE NATAL: ato de BOLSONARO favorece PMs no caso do MASSACRE DO CARANDIRU e é alvo de críticas

Nos bastidores, comenta-se que um dos artigos realmente parece ter sido feito para o caso dos policiais

Renata Monteiro
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Renata Monteiro
Publicado em 23/12/2022 às 21:31 | Atualizado em 23/12/2022 às 21:33
Sérgio Andrade/ Prefeitura São Paulo
Em outubro de 1992, o Carandiru foi palco de um dos maiores massacres ocorridos no país - FOTO: Sérgio Andrade/ Prefeitura São Paulo
Do Estadão Conteúdo
 
O último indulto natalino do presidente Jair Bolsonaro pode beneficiar os policiais militares condenados pelo massacre do Carandiru - quando 111 presos do Pavilhão 9 da Casa de Detenção, em São Paulo, foram mortos, após uma rebelião no dia 2 de outubro de 1992. Para o advogado dos PMs, Eliezer Pereira Martins, os condenados se enquadram "perfeitamente" em um dos artigos do texto publicado no Diário Oficial da União na última quinta-feira (22).
 
A defesa diz que deve entrar no plantão do Tribunal de Justiça de São Paulo, com um pedido de declaração de extinção de punibilidade dos réus. Ou seja, para que os PMs não possam ser punidos pelas condutas ligadas ao massacre.
 
No Ministério Público de São Paulo, a avaliação também é a de que o indulto de Bolsonaro, nos termos em que foi publicado, beneficia os 74 PMs condenados pelo Tribunal do Júri a penas que vão de 48 anos a 624 anos de prisão pelo assassinato dos presos. Nos bastidores, comenta-se que um dos artigos realmente parece ter sido feito para o caso dos policiais.
 
Por outro lado, também entre os promotores, discute-se que o texto pode ser questionado do ponto de vista constitucional. O Supremo Tribunal Federal já discutiu no passado a validade de um indulto natalino presidencial do ex-presidente Michel Temer, em 2017.
 
O trecho a ser usado pela defesa prevê que "será concedido indulto natalino também aos agentes públicos que integram os órgãos de segurança pública e que, no exercício da sua função ou em decorrência dela, tenham sido condenados, ainda que provisoriamente, por fato praticado há mais de 30 anos, contados da data de publicação deste Decreto, e não considerado hediondo no momento de sua prática".
 
Ainda de acordo com o decreto, o indulto se aplica "às pessoas que, no momento do fato, integravam os órgãos de segurança pública, na qualidade de agentes públicos". O crime de homicídio só entrou no rol de crimes hediondos em 1994 - ou seja, dentro dos parâmetros do documento.
 
A possibilidade de Bolsonaro indultar os PMs envolvidos no massacre do Carandiru já era um ponto de atenção dentro da Promotoria desde o dia 17 de novembro, quando o ministro Luís Roberto Barroso, do STF, reconheceu o trânsito em julgado de decisões do Superior Tribunal de Justiça que restabeleceram as condenações dos PMs. O certificado expedido por Barroso significa que as condenações são definitivas.
 
Só está pendente de discussão no TJ-SP um pedido para reduzir as penas. O julgamento sobre a dosimetria foi suspenso no fim de novembro, após pedido de vista do desembargador Edson Aparecido Brandão, da 4ª Câmara Criminal da Corte.
 
 
REAÇÃO
 
Embora não estejam na mesma página quanto à constitucionalidade do ato e considerem indultos uma prática essencial, juristas criticaram ao Estadão a especificidade do perdão e também a possibilidade de abarcar um evento de importante dimensão humanitária.
 
"A gente tem historicamente nesse caso do Carandiru um problema de falta de responsabilização estatal grave. É muito problemático. É um escárnio o que faz o presidente Bolsonaro", avalia Luisa Ferreira, professora da FGV e Pesquisadora do Núcleo de Estudos sobre o Crime e a Pena.
 
 
"Na perspectiva de um sistema carcerário humano, que realmente consiga devolver pessoas melhores do que aquelas que entraram porta adentro, a gente tem um episódio muito lamentável que teve e parece que vai ter seu destino selado sem que os responsáveis pelos excessos cometidos sejam de fato punidos ou absolvidos", acrescenta Rômulo Luis Veloso de Carvalho, professor de Direito Penal e defensor público do Estado de Minas.
 
Já Thiago Bottino, professor da FGV Rio, avalia que esse tipo de decreto não deve ser "particularizado", pois assim o indulto perde seus efeitos esperados, de desafogar o sistema carcerário e também dar um bônus ao bom comportamento. "E, por um segundo ponto de vista, acho que você não deve indultar casos que não chegaram ainda ao início concreto da pena."
 
Luisa lembra que só recentemente, em novembro, os agentes foram efetivamente considerados condenados. E reforça que, por mais que haja a extinção da pena com o indulto, isso não muda o fato de que o sistema de Justiça "entendeu definitivamente que houve o massacre e esses policiais militares cometeram o crime de homicídio qualificado".
 
 
CONSTITUCIONAL OU NÃO?
 
Apesar de apontar ser atípico indultos serem tão específicos, Bottino acredita que não cabe discussão judicial, pois o decreto é constitucional. "O presidente tem a prerrogativa de estabelecer essa regra, não é uma lei votada pelo Congresso. A única forma que o Judiciário poderia modificar é se identificasse um vício formal, mas o Judiciário não pode modificar a escolha do presidente."
 
Luisa e Carvalho, por outro lado, destacam que há possibilidade, por diferentes motivos, de o decreto ser questionado judicialmente, embora sejam reticentes em cravar se o decreto é ou não constitucional. Luisa acredita que a especificidade pode ser um ponto de questionamento e deve causar debate. "Tem uma discussão de que o indulto tem de ser coletivo, ou seja, ele não pode ser individualizado. Ele não é como a anistia ou a graça (concedida) ao Daniel Silveira."
 
Por outro lado, Carvalho avalia que a convencionalidade do decreto pode ser questionada. "Quer dizer, esse decreto de indulto está em harmonia com as convenções internacionais que o Brasil se obrigou a cumprir?", indaga o defensor público.
 

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