A posse de Raquel Lyra (PSDB) neste domingo (1º) será marcada por simbolismos. Primeira mulher na história a governar Pernambuco, ela entrará no Palácio do Campo das Princesas carregando a expectativa não só de seus mais de 3 milhões de eleitores, mas também de todos os pernambucanos. Junto com a vice-governadora Priscila Krause (Cidadania), inaugura uma dobradinha feminina no comando do Estado.
Nas eleições, Raquel protagonizou uma reviravolta inédita ao vencer, de virada, a candidata líder nas pesquisas, Marília Arraes (SD), e, ainda, quebrar a hegemonia de 16 anos do PSB à frente de Pernambuco.
No segundo turno da disputa, decidiu manter uma posição de neutralidade, sem armar palanque no Estado nem pra Lula nem pra Bolsonaro. Com isso, driblou a polarização nacional mais acirrada na história das eleições, e conseguiu o feito de se eleger com votos de eleitores de todas as colorações e sem apoio de nenhum candidato à Presidência.
Na vida pessoal, Raquel precisou sufocar a dor da perda do marido, Fernando Lucena, e seguir com a campanha. Ele sofreu um infarto fulminante em pleno dia do primeiro turno das eleições (02/10).
Repetindo frequentemente a expressão "construir pontes", a ex-prefeita de Caruaru vai precisar angariar muito apoio para "colocar Pernambuco de pé", como gosta de dizer. O população do Estado se depara com um cenário de baixo crescimento econômico; alta taxa de desemprego (apesar de ter diminuído); mais de 2 milhões de pessoas passando fome; uma lista imensa de obras inacabadas; avanço do tráfico de drogas e insegurança nas ruas; mobilidade urbana precária e via crúcis para conseguir atendimento na sucateada rede pública de saúde.
A governadora concedeu entrevista exclusiva ao JC na última quarta-feira (27), em um hotel em Boa Viagem. Enquanto conversava conosco, o caminhão trazendo sua mudança de Caruaru chegava no Recife, onde passa a morar com os filhos Fernando e João. Nesta conversa, ela comenta sobre suas prioridades ao assumir o cargo, alianças e desafios da gestão.
Jornal do Commercio - Existe uma expectativa muito grande do povo pernambucano em relação à gestão da senhora, mas sabemos que as mudanças não acontecem de uma hora para outra. Como lidar com isso?
Raquel Lyra - A gente vai precisar de ter muita transparência com a população, com os prefeitos e com os representantes políticos, mas sobretudo com a população, para escolher as prioridades. Pernambuco vai mal em geração de emprego, somos campeões em miséria no Recife, temos 50% da população abaixo da linha da pobreza, temos um déficit habitacional extraordinário, tem muita gente passando fome, não existe política pública para geração de renda. O Estado ficou para trás, cresceu menos do que o Nordeste e menos do que o Brasil. Nós vamos precisar arrmar a casa.
JC - Diante deste cenário, quais serão as prioridades da senhora na sua chegada ao Palácio do Campo das Princesas?
Raquel - Começaremos com o trabalho de cuidar de gente. Vamos iniciar com o Mães de Pernambuco, que é um programa de transferência de renda para mulheres e crianças na primeira infância (de 0 a 6 anos), que estão abaixo da linha da pobreza e cadastradas no Bolsa Família (o programa prevê o pagamento mensal de R$ 300). Vamos cruzar os cadastros do Bolsa Família, dos municípios e do Estado para que o programa comece o mais rápido possível. Isso vai ajudar a saciar a fome das pessoas. O governo Lula conseguiu garantir e aumentar o Bolsa Família no Congresso Nacional e, ao lado disso, nós vamos ajudar essas mães com mais dinheiro para colocar comida no prato das crianças pequenas.
JC - Que outras ações serão prioridades no início de governo da senhora?
Raquel - Vamos trabalhar já no primeiro mês de governo no Juntos pela segurança, que é a construção de uma política pública de segurança. Eu vou construir uma nova política, junto com os órgãos operacionais de polícia, com o Tribunal de Justiça, com o Ministério Público e com a Defensoria Pública. A gente precisa olhar para o momento do efetivo policial para dar condições de trabalho a eles. Temos delegacias com o teto caindo, como o Hospital da Restauração, sem cadeira para sentar, sem material de expediente, fechada à noite e nos finais de semana, como acontece com as delegacia da mulher. Temos uma tropa desmotivada, porque não tem equipamento, porque falta combustível, porque o carro quebra e não tem reposição.
JC - O crime organizado também avançou em Pernambuco...
Raquel - Sim. O Cabo de Santo Agostinho tem indicador de guerra civil. O último número que eu olhei indicava 94 mortes por 100 mil habitantes. Tive recentemente com o Ministro da Defesa Civil, José Múcio, e também falei por telefone com o Secretário Nacional de Segurança Pública, Tadeu Alencar, tratando da necessidade do fortalecimento da Segurança Pública no Estado. A segurança pública em Pernambuco terá uma governadora à frente dela para fazer os enfrentamentos necessários no combate ao crime organizado, no fortalecimento das polícias e na prevenção social.
JC - O relatório sobre as contas públicas do Estado, apresentado pela vice-governadora Priscila Krause no balanço da transição, provocou polêmica. O governo Paulo Câmara tentou rebater com uma nota e depois com uma coletiva do então secretário da Fazenda, Décio Padilha. Qual é a real situação?
Raquel - O relatório faz um mergulho nas contas públicas estaduais e essa é a nossa maior preocupação neste momento. Além de um Estado que está desarrumado na violência, na geração de emprego, na falta de oportunidade, na população que está no desalento; também é um governo que não tem as contas públicas arrumadas, diferentemente do alardeado. As contas não estão regulares e no azul, não existe o céu de brigadeiro como se diz. A apresentação de Priscila não é uma conclusão. É uma primeira etapa porque a segunda etapa com outros números só teremos acesso quando estivermos no governo. Nossa preocupação é que a cada dia são publicados novos convênios no Diário Oficial sem lastro para pagar.
JC - Dados do Tribunal de Contas do Estado (TCE) trazidos pelo balanço da transição também apontam uma atualização das obras paralisadas...
Raquel - Enquanto o gasto do governo aumenta nesses últimos meses e dias, existe uma relação de obras inacabadas muito grande, com recurso utilizado sem ser concluída. Pernambuco é campeão em obras não acabasas. São 400 obras, com investimento de R$ 5 bilhões que não virou realidade na vida do povo. Ao mesmo tempo está se gerando uma série de novas obras, que não têm recursos para serem concluídas.
JC - Na nota criticando o balanço da transição, o governo Paulo Câmara alfinetou a gestão eleita dizendo que ainda não teriam "descido do palanque". Também surgiram críticas no mundo político de que a gestão da senhora estaria aproveitando os dados negativos das contas públicas para chegar fazendo uma reforma administrativa, com cortes e dizendo que não dará aumento porque Paulo Câmara deixou as contas no vermelho.
Raquel - Mas isso é um fato. Quando falam em desarmar palanques, nós não estamos em palanque. Serei a governadora de todos os pernambucanos. A gente já esteve com toda classe política de Pernambuco e nós vamos continuar assim e não é para tirar foto é para trabalhar juntos. E Pernambuco vai mal. Não sou eu quem digo isso, são todos os indicadores do nosso Estado. A revelação feita é que as contas públicas também não vão bem, aliás, tem um déficit projetado importante para frente. Vamos preisar desarmar as bombas que esse governo deixou. A gente não pode esconder a realidade. Não estamos fazemos um jogo de números, estamos escancarando uma realidade que está posta. Não podemos dizer que isso aqui está um mar de rosas. Não podemos dizer que tem dinheiro sobrando, aliás, tem dinheiro faltando.
JC - Em meio à guerra de números, o governo Paulo Câmara argumenta que vai deixar para a senhora a capacidade de captar R$ 3,4 bilhões em empréstimos com aval da União em 2023 e outros R$ 4 bilhões em 2024. Mas empréstimo não é dinheiro em caixa. A senhora já chegou a procurar os bancos?
Raquel - O problema é que esses R$ 3,4 bilhões, que se coloca como caixa do governo, não existe para o governo. Existe um teto de busca de empréstimo, que pode ser dado aos Estados, mas isso precisa ser negociado com a STN (Secretaria Nacional do Tesouro), com o Fiex (Fundo de Investimento no Exterior). Não é assim: eu tenho a possibilidade de ter o rating B (boa avaliação de risco para captar empréstimo) e isso poderia me gerar R$ 3,4 bilhões de empréstimo e ser caixa. Mas o que precisa ficar claro para a população é que esse dinheiro não existe. Isso quer dizer que o governo pode buscar empréstimo, mas não quer dizer que esse recurso virá para cá, porque não depende só de nós.
JC - A população de Pernambuco tem um regime severo de racionamento. Várias obras de abastecimento de água ficaram pelo caminho. Como a senhora pretende resolver o problema?
Raquel - É preciso investir em água e saneamento, mas se você olhar o balanço da Compesa é bastante preocupante. Não tem dinheiro para fazer face aos encargos que existem. O Estado está precisando aportar dinheiro lá mensalmente. Ao mesmo tempo, não se tem entrega de água na torneira da casa das pessoas, nem tem saneamento colocado. Se tivesse tudo pronto não seria eu quem estaria aqui. Nenhum governo deixa tudo pronto, mas esse governo foi mal e deixa um um Estado desequilibrado também fiscalmente.
JC - A senhora vai tentar concluir a entrega de obras como a Adutora do Agreste, que teve um trecho inaugurado na semana passada por Paulo Câmara, mas sem levar água porque não tinha estação de energia?
Raquel - Vamos fazer um investimento sério na entrega de obras. Trabalhar para concluir a Adutora do Agreste que ainda está na primeira etapa. Das 68 cidades previstas no projeto geral, essa etapa leva água para 25 municípios e ainda não chegou em Caruaru. A segunda etapa ainda não sequer projeto e tem estimativa de custar R$ 2 bilhões.
JC - Ao longo de suas duas gestões, Paulo Câmara recebeu uma quantidade muito pequena de recursos federais. A senhora não apoiou o presidente Lula duarante a campanha, como pretende buscar seu apoio?
Raquel - Pernambuco sofreu com ausência de investimentos do governo federal. Por isso eu tenho sempre dito é que é preciso construir pontes com os municípios, com as organizações financeiras internacionais e nacionais e com o governo federal. Eu tive na semana passada como Ministro da Defesa José Múcio se colocando à disposição de Pernambuco, além da própria vice-governadora Luciana Santos fez e a senadora Teresa Leitão. Nós não estamos aqui buscando quem votou com quem. Nós estamos aqui discutindo o futuro do povo de Pernambuco. E eu vou atrás de recursos com projetos em mãos e tenho certeza que vou conseguir, porque não faço isso só. Você comentava sobre o quanto a população de Pernambuco espera de mim, mas eu mudo um pouco isso, dizendo o quanto eu terei a força da população de Pernambuco para fazer o Estado precisa fazer.
JC - Apesar do pouco investimento público, muitas obras poderiam ter sido feitas com caixa próprio...
Rafael - Sim. A construção de creches, por exemplo, não dependia de recursos federais. Pernambuco tem a menor cobertura de creches do Nordeste brasileiro. Quantas mães poderiam estar trabalhando se tivessem creches. O Ceará fez isso há 30 anos e está fazendo novamente com a construção de pelo menos uma creche em cada um dos municípios. Alagoas está com um projeto de 200 creches em construção. Então nós estamos atrasados, mas o recurso existe para isso, o que faltou foi determinação política e a decisão de que isso era prioridade. No nosso governo será. Como será a água, como será a saneamento, como será segurança pública. Muita coisa carece de dinheiro, tantas outras depende de decisão política. E o dinheiro vem se você tiver projetos bons.
JC - De que maneira a senhora vai se relacionar com o prefeito do Recife, João Campos, que é do PSB partido que deverá ser seu maior opositor?
Raquel - De maneira republicana. A Região Metropolitana do Recife (RMR) precisa ter um olhar global. O Recife não é o Recife sozinho. É Jaboatão, é Camaragibe, Igarassu, Itapissuma, Paulista, Olinda. Se a gente não conseguir enxergar essa grande cidade que é a RMR que tem 42% da população de Pernambuco nós não conseguiremos resolver os problemas de mobilidade, de habitação, de drenagem. Tudo isso precisa de uma consertação metropolitana com a colaboração o governo de Pernambuco na liderança desse processo junto com os prefeitos. O prefeito do Recife, desde o primeiro momento, já nos ligou e se colocou à disposição para trabalhar junto, assim como os demais prefeitos. Nós queremos fazer um planejamento territorial regional para a Região Metropolitana do Recife que não seja um documento para engavetar.
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