O novo presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), afirmou, em seu pronunciamento à Nação no Palácio do Planalto, no domingo (1º), que a eleição presidencial de 2022 foi a mais importante desde a redemocratização e que agora é preciso olhar para frente e reconstruir o País, que está diante de "um quadro de destruição", conforme o relatório do governo de transição.
"O pesadelo chegou ao fim pelo voto soberano", disse. "Eleição foi vitória da democracia e nos obriga a olhar para frente. Nossas diferenças são menores do que nos une, o amor pelo Brasil", afirmou no Parlatório.
Segundo o presidente, o momento atual é de resolver os diversos problemas sociais e econômicos do País. "Agora é hora de voltar a cuidar do Brasil. Gerar empregos, reajustar o salário mínimo acima da inflação, baratear o preço dos alimentos. Criar mais vagas nas universidades, investir na saúde, na educação, ciência e cultura É hora de trazer investimentos e reindustrializar o Brasil."
Ao discursar no parlatório do Palácio do Planalto para o povo, o presidente recém-empossado reassumiu o compromisso de cuidar dos brasileiros. Após ser empossado no Congresso horas antes, Lula disse que todas a formas de desigualdade serão combatidas durante o seu terceiro mandato.
"Reassumo o compromisso de cuidar de todos, sobretudo daqueles que mais necessitam. De acabar outra vez com a fome. Temos um imenso legado, ainda vivo na memória de cada brasileiro e brasileira", afirmou.
Ao se dirigir aos apoiadores que o aguardavam na Praça dos Três Poderes, o presidente agradeceu o voto de seus eleitores, mas afirmou que vai governar para todos os brasileiros.
"Vou governar para os 215 milhões de brasileiros e brasileiras, e não apenas para quem votou em mim. Vou governar para todas e todos, olhando para o nosso luminoso futuro em comum, e não pelo retrovisor de um passado", disse.
Lula se emocionou ao pedir ajuda da população para combater a fome no país. Ele citou casos de pessoas que passaram a procurar ossadas em açougues para comer e considerou "inadmissível que os 5% mais ricos detenham a mesma fatia de renda que os demais 95%".
"Há muito tempo não víamos tamanho abandono e desalento nas ruas. Mães garimpando lixo, em busca do alimento para seus filhos. Famílias inteiras dormindo ao relento, enfrentando o frio, a chuva e o medo. Fila na porta dos açougues, em busca de ossos para aliviar a fome. E, ao mesmo tempo, filas de espera para a compra de jatinhos particulares", questionou.
Posse
Lula foi empossado presidente do Brasil pela terceira vez, no domingo (1º), durante cerimônia no Congresso Nacional, em Brasília, marcada pela ausência de seu antecessor, Jair Bolsonaro.
Exatamente 20 anos após chegar ao poder pela primeira vez, Lula, de 77 anos, foi proclamado presidente juntamente com seu vice, Geraldo Alckmin, ao pronunciar seu "compromisso constitucional".
A cerimônia começou com um minuto de silêncio em memória a Pelé, o rei do futebol, e o papa emérito Bento XVI, falecidos esta semana, respectivamente aos 82 e 95 anos.
Vestindo terno e gravata azuis, Lula prometeu em seu seu discurso inaugural "reconstruir" o país sobre as "ruínas" deixadas por Bolsonaro.
"Esvaziaram os recursos da saúde, desmontaram a educação, a cultura, a ciência e tecnologia, destruíram a proteção do meio ambiente", disse Lula, que também reafirmou seu compromisso de reduzir a zero o desmatamento na Amazônia.
"Não é preciso derrubar nenhuma árvore", disse o presidente, assegurando que isto não impedirá o desenvolvimento do poderoso setor agrícola brasileiro. "A gente vai poder viver sem derrubar madeira, sem fazer queimada e sem precisar invadir os nossos biomas", reforçou.
Lula chegou ao Congresso no tradicional Rolls Royce preto conversível, ao lado da primeira-dama, Janja, sob os vivas da multidão de apoiadores que o saudaram, alguns com lágrimas nos olhos, constatou a AFP.
Contrariando a tradição, seu antecessor se ausentou. Bolsonaro viajou na sexta-feira para os Estados Unidos, dois dias antes do fim de seu mandato.
Pela primeira vez desde 1985, um presidente sainte não passará a faixa presidencial ao sucessor, ato que ocorrerá mais tarde no Palácio do Planalto.
Lula foi cumprimentado por cerca de 20 chefes de Estado - um número recorde para uma cerimônia de posse no país.
Entre eles estavam os presidentes de Argentina, Chile, Colômbia, Equador, Paraguai, Honduras e Uruguai, além do rei da Espanha, Felipe VI.
Washington enviou sua secretária do Interior, Deb Haaland, a primeira indígena a integrar um gabinete nos Estados Unidos e dura crítica de Bolsonaro, enquanto o vice-presidente Wang Qishan representou a China.
Faixa presidencial e discurso
Com a ausência do ex-presidente Jair Bolsonaro, que viajou para os Estados Unidos na sexta-feira, 30, o presidente Lula a faixa presidencial de uma mulher negra catadora. Aline Sousa faz parte da secretaria Nacional da Mulher e Juventude da Unicatadores e tem 33 anos.
Além dela, outros representantes da sociedade civil acompanharam o petista durante a cerimônia - entre eles, estava o cacique Raoni Metuktire, de 90 anos, líder do povo Kayapó, o menino Francisco Carlos do Nascimento e Silva, o professor Murilo de Quadros Jesus, Jucimara Fausto dos Santos, que participou da vigília em defesa de Lula, o influenciador da inclusão Ivan Vitor Dantas Pereira e o metalúrgico Weslley Viesba Rodrigues Rocha.
Ao lado da esposa Janja da Silva, o petista subiu a rampa com a cadela Resistência, que foi adotada por militantes durante a vigília petista em frente à sede da Polícia Federal no Paraná.
Em seguida, discursou para cerca de 30.000 pessoas, a maioria vestindo roupas vermelhas, a cor do Partido dos Trabalhadores (PT).
Sapuia Kalapalo, um indígena mato-grossense de de 32 anos não quis perder a cerimônia e foi a Brasília acompanhado da esposa e seus dois filhos.
"Os quatro anos desse governo que se foi (Bolsonaro) foram muito ruins para nós", explicou Sapuia, que vive há três meses na capital federal. Lula "é uma esperança para nós. Tanto para nossos direitos, a demarcação das terras indígenas", acrescentou.
Segurança
A cerimônia de posse contou com um dispositivo de segurança inédito, com até 8.000 agentes mobilizados. A Polícia deteve um homem que tentava entrar na Esplanada com uma faca e fogos de artifício, detectados na revista de segurança. O suspeito, vindo do Rio de Janeiro, foi preso.
Os preparativos para a posse foram sacudidos depois da detenção de um bolsonarista, que instalou um explosivo perto do aeroporto de Brasília para "causar o caos", provocar a declaração de um estado de sítio e, assim, evitar a posse de Lula, segundo sua própria confissão.
Desde o segundo turno, milhares de apoiadores de Bolsonaro se mobilizaram em várias cidades para rechaçar o resultado das urnas e pedir uma intervenção militar.
Desafios imediatos
Lula terá desafios imediatos na Presidência maiores dos que enfrentou em seus dois mandatos anteriores, que deixou com uma popularidade incomum de 87%.
Cerca de 30 milhões dos 215 milhões de brasileiros passam fome e a economia se recupera a duras penas do impacto da pandemia.
"Os primeiros 100 dias serão para sinalizar que rumo terá [o governo] Lula 3. A vitória nas eleições foi apertada e [Lula] vai enfrentar um país dividido, com uma oposição aguerrida. Precisa sinalizar uma pacificação ao país, um governo de união nacional", explicou Leandro Consentino, cientista político do instituto Insper de São Paulo.
Lula venceu Bolsonaro no segundo turno, em 30 de outubro, por 50,9% dos votos contra 49,1%, um resultado que evidenciou a profunda polarização da sociedade brasileira.
O ex-líder sindical terá que conquistar "credibilidade" sobre a gestão das contas públicas frente a uma situação fiscal delicada, apesar de suas promessas de campanha exigirem um aumento dos gastos para financiar programas sociais, segundo Consentino.
Segundo uma pesquisa do instituto Datafolha, apenas 51% dos brasileiros acreditam que Lula fará um governo melhor do que o de Bolsonaro, divulgou o jornal Folha de S. Paulo na noite de sábado (31).
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