Por Weslley Galzo, da Estadão Conteúdo
Sob pressão de integrantes do União Brasil, partido de Juscelino Filho, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) decidiu dar sobrevida ao político maranhense no Ministério das Comunicações.
Juscelino Filho foi mantido no cargo, apesar da série de acusações de uso indevido de recursos públicos. O ministro segue sendo um incômodo para o governo. A Comissão de Ética Pública informou nesta segunda-feira (6) que vai analisar a situação do ministro e pode abrir um processo. O colegiado pode indicar ao presidente da demissão de Juscelino.
A manutenção do ministro no cargo quebra uma promessa de Lula de não manter no governo integrantes do primeiro escalão envolvidos em irregularidades.
Como mostrou o Estadão, ele recebeu diárias e usou um jato da FAB para ir assistir leilões de cavalo em São Paulo no final em janeiro deste ano. Como deputado, destinou verbas do orçamento para asfaltar uma estrada que passa em fazendas de sua família no interior do Maranhão e sonegou informações sobre seu patrimônio à Justiça Eleitoral.
O ministro foi recebido por Lula no Palácio do Planalto nesta segunda-feira (6), após uma viagem de dez dias para um congresso mundial de telecomunicações na Espanha. Foi a primeira vez que o presidente recebeu na sede do governo o ministro, da cota do União Brasil. Os ministros da Casa Civil, Rui Costa, e das Relações Instituicionais, Alexandre Padilha, também participaram da conversa.
O presidente Lula orientou Juscelino a se expor publicamente e explicar as denúncias de irregularidades reveladas pelo Estadão. Interlocutores dos ministros que participaram da reunião disseram, sob reserva, que a orientação de Lula foi de que o titular das Comunicações "vá para a rua e se explique".
Na quinta-feira (2), o presidente havia declarado em entrevista o ministro seria demitido caso não conseguisse se explicar. "Se ele não conseguir provar a inocência, ele não pode ficar no governo", afirmou Lula.
Os fiadores da indicação de Juscelino Filho se opuseram à troca e deixaram claro ao governo que a demissão do ministro poderia trazer prejuízos à governabilidade. Também disseram que o PT teve vários de seus quadros envolvidos em escândalos. Embora o apoio a Lula não seja integral na bancada do União Brasil, a cúpula partidária considera a legenda decisiva para aprovação de matérias de interesse do Palácio.
"A conta é simples. Sem os votos do União o governo não teria nem aprovado a PEC da Transição, que é a que garante o fôlego necessário para iniciar o governo", diz um aliado do ministro que atuou nos bastidores para manter o ministro.
Desde que Lula convocou Juscelino a se explicar, aliados dele iniciaram uma articulação para dissuadir o presidente. O primeiro movimento foi feito na quinta-feira (2), quando o ministro rompeu o silêncio sobre o tema e, em nota oficial, admitiu ter recebido diárias para agendas privadas nos eventos de cavalos e anunciou a devolução do dinheiro aos cofres públicos.
A versão do ministro, porém, não esclareceu as denúncias e ignorou fatos apresentados em uma série de reportagens publicadas pelo Estadão. Ele disse, por exemplo que, "diferentemente do que reiteradas vezes o jornal afirma, o ministro cumpriu agenda oficial nos dias 26 e 27 de janeiro".
A reportagem não apenas mostrou que ele teve agendas públicas nesses dias como também revelou que elas duraram apenas duas horas e meia, ao todo. A maior parte do tempo, no entanto, ele dedicou a compromissos privados sobre cavalos, uma predileção pessoal. Um dos eventos aos quais ele compareceu estava marcado desde novembro.
Além disso, ele também alegou que seria "de total desconhecimento do ministério o suposto 'caráter de urgência' destacado pelo jornal" para receber diárias do governo. A informação está no Portal da Transparência, abastecido com informações da pasta.
A manutenção de Juscelino Filho no governo representa uma derrota para a presidente do PT, deputada Gleisi Hoffmann (PR). Em entrevista ao site Metrópoles, na sexta-feira (3), Gleisi afirmou: "Olha, em situações como essa, eu acho que o ministro devia pedir um afastamento para poder explicar, justificar, se for justificável o que ele fez. Isso impede o constrangimento de parte a parte."
Em outro movimento da articulação para salvar Juscelino Filho, o União Brasil soltou uma nota, neste domingo, 5. "Será que a presidente Gleisi fará a mesma declaração caso um integrante do seu partido seja alvo de ataques?", afirma.
O que pesa contra o ministro Juscelino Filho
- Asfalto para fazenda - Juscelino Filho destinou R$ 5 milhões do orçamento secreto para asfaltar uma estrada de terra que passa em frente à sua fazenda, em Vitorino Freire (MA).
A obra é feita por uma empresa investigada pela Polícia Federal por supostamente pagar propina a servidores federais para obter obras no estado.
O engenheiro da Codevasf que assinou o parecer autorizando o valor orçado para a pavimentação foi indicado pelo grupo político do ministro das Comunicações e está afastado pela Justiça acusado de receber propina. Juscelino Filho admitiu o uso do orçamento secreto para a obra.
- Contratos com amigos - A Prefeitura de Vitorino Freire tem mais de R$ 36 milhões em contratos com pelo menos quatro empresas de amigos, ex-assessoras e uma cunhada do ministro das Comunicações.
O Estadão apurou que o município, que é governado pela irmã de Juscelino, contratou as firmas com verbas do orçamento secreto e de emendas parlamentares destinadas por ele.
Todas as companhias intensificaram os negócios a partir de 2015, quando Juscelino assumiu pela primeira vez uma cadeira de deputado - três foram abertas no início do mandato. Em duas semanas no cargo de ministro, Juscelino abriu seu gabinete ao sócio oculto de uma das empresas.
- Mentiras para o TSE - O ministro de Lula também apresentou informações falsas à Justiça Eleitoral para pagar com dinheiro público 23 viagens de helicóptero feitas durante sua campanha a deputado federal, no ano passado. Ao prestar contas, Juscelino informou que todos os voos foram feitos por "três cabos eleitorais".
O Estadão identificou, porém, que os nomes apresentados por ele são de um casal e de uma filha de dez anos, que moram em São Paulo. A família disse não conhecer o político
- Nas asas da FAB - Já como ministro das Comunicações, Juscelino Filho usou um voo da FAB para ir a São Paulo e participar de leilões de cavalos de raça. Ele viajou no dia 26 de janeiro, uma quinta-feira. Teve apenas três compromissos oficiais e, ao meio-dia de sexta-feira, passou a cuidar de seus interesses privados.
O ministro assessorou compradores de cavalos; expôs um de seus equinos, que deve ser lançado em breve; e, ainda, recebeu um "Oscar" dos vaqueiros, quando prometeu trabalhar a favor dos cavalos da raça Quarto de Milha e do esporte equestre. Por tudo isso, ainda recebeu R$ 3 mil em diárias.
- Chip para Yanomami - Também no governo, o ministro enviou mil chips de celular para serem utilizados nas operações humanitárias que acontecem na terra indígena Yanomami, em Roraima, mas que não funcionam dentro da área demarcada.
A limitação tecnológica deve-se a um fato simples: não há cobertura da operadora celular na terra indígena, localizada a 230 quilômetros de distância da capital Boa Vista.
- Amigo de Flávio e bolsonaristas - Juscelino escolheu para cuidar do setor de rádio e TV privadas no ministério um sócio do empresário Willer Tomaz.
Parceiro e amigo do senador Flávio Bolsonaro, filho mais velho do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), Tomaz é dono de quatro rádios e uma televisão no Maranhão, reduto eleitoral do ministro, e agora terá seu sócio comandando a área de interesse direto dos seus negócios. Ele também recontratou bolsonaristas para cargos de chefia na pasta.
- Sócio fantasma - O emplacou o sócio do haras onde cria seus cavalos como funcionário fantasma na liderança do PDT no Senado.
No local onde deveria trabalhar, ninguém conhece Gustavo Gaspar e a chefia do gabinete confirmou que o suposto funcionário não trabalha.
- Aliado nos Correios - Juscelino deu uma diretoria dos Correios a um apadrinhado do senador Weverton Rocha, um dos avalizadores da indicação do ministro para o governo Lula.
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