Conversamos com Raquel Lyra dois dias após ela se consagrar nas urnas de Caruaru. Foi a única mulher eleita no 2º turno no Brasil. Conseguir uma agenda não foi fácil. Ela estava, literalmente, cumprindo maratona de entrevistas. O jeito foi uma horinha no almoço, no La Douane, no Paço Alfândega, entre duas outras participações em rádio. O celular não parou de tocar. Educada, não atendeu. Pediu saladinha com salmão. Falou que não conseguia dormir direito e foi interrompida apenas para receber um ramalhete de girassol do presidente da ONG Novo Jeito, Fábio Silva. "Ele é um exemplo. Vamos criar o Transforma Caruaru", contou. Procuradora do Estado licenciada, deputada estadual, casada há 12 anos e mãe de dois meninos, Raquel falou sobre sua saída do PSB, violência, preconceitos, culpas e seus fillos, o único assunto que a fez ficar sem palavras.... Abaixo, a entrevista na íntegra.
A política é machista?
É. Os partidos são compostos por homens. É quem basicamente tem a estrutura de poder dentro dos partidos; quem define para onde serão encaminhados os recursos. Quando você tinha financiamento privado, ia-se atrás dos financiadores de empresas privadas, na maioria, homens. Quando existia financiadores pessoas físicas, a maioria também era homens. Não temos, no Brasil, tradição de doações de PF. Depende muito do que vem de recursos de partidos políticos e os partidos são comandados por homens. Não existe nenhum regramento ou legislação que trate de regulamentar partidos políticos na redemocratização de recursos, então quando você vai disputar e não tem pé de igualdade na distribuição desses recursos você já parte em desvantagem.
Qual o lado bom e o lado ruim de ser mulher numa disputa?
A maioria do eleitorado em Caruaru, assim como no Brasil, é feminino – cerca de 55%. Nós fomos em cima de políticas sociais importantes para a cidade. Muitas delas atingem fortemente as mulheres. A gente bateu muito forte na construção de creches. É onde se cuida das crianças para permitir que elas possam trabalhar. Esse é um dos fatores que a mulher não consegue participar da vida política e do mercado de trabalho de maneira formal. Não se tem onde deixar seu filho. Não existe também política pública que cuide de um ente, do idoso, das pessoas com deficiências. Cabe culturalmente as mulheres a cuidar de todas essas pessoas, mas não tem políticas sociais para elas saírem de casa para disputar vaga na politica. No máximo, isso acontece em Associações Comunitárias. É onde surgem lideranças, sejam religiosas ou de comunidades. Muitas se tornam presidentes, mas não conseguem ir além do seu bairro e da sua comunidade, por falta desse aparato. Ao mesmo lado, existem partidos políticos que são estruturalmente machista e comandados por homens. E você não tem nenhum regramento, além da lei de cotas para mulheres. Sem condições de igualdade, as cotas são cumpridas com pessoas que estão lá apenas para cumprir essa determinação literalmente, mas que não estão concorrendo uma real disputa.
Você sofreu preconceito na sua trajetória política?
Eu me filiei a um partido politico em 2007, mas faço política não sei dizer há quanto tempo. Quando eu era delegada, era impedida, mas ali já sofri – talvez não diretamente – mas indiretamente preconceito por ser mulher. Como é que você (mulher) comanda uma delegacia? Muitas vezes, o preconceito não é falado. É subliminarmente colocado. Sou a 1ª mulher presidente da Comissão Constituição, Legislação e Justiça da Assembleia Legislativa de Pernambuco – isso é uma quebra de paradigma, ainda mais por ser jovem e mulher. Será que tem o jogo de cintura necessário para conduzir a comissão que é tida como a mais importante da casa? Agora sou a 1ª mulher prefeita de Caruaru. Às vezes, no próprio discurso de candidaturas adversárias tentam lhe limar ou imputar adjetivos que não são colocados para homens. Eu nunca me baixei para isso porque eu vim de uma família que nunca me foi dado limite. Vim de uma família de três mulheres. Minha mãe é um exemplo em casa; exemplo de ir à luta e assim que eu segui minha vida.
Ser filho de político e no seu caso, um ex-governador, atrapalha ou ajuda?
Ajuda nas referências políticas que eu tenho sempre. Tenho em casa um cara com vida politica que honra qual quer família como meu tio Fernando e meu avô João Lyra. São pessoas que fizeram trajetória na política, sempre honrando os mandatos, entregando serviços à população, honrando o dinheiro público. Eu sou muito grata e tenho muita sorte de tê-lo [refere-se ao pai, o ex-governador, João Lyra] em casa como conselheiro político e que me ajuda nas decisões políticas. É claro que não concordamos em tudo, sobretudo, por conta de um fator geracional. Somos de gerações diferentes. Sempre travamos um bom debate. Sempre o ouço para tomar decisões. É bom ouvir quem tem mais experiências.<EM>
<EM>
Qual o papel mais difícil que você desempenha: mãe, mulher, filha, deputada ou agora futura prefeita?
(Pausa) A grande missão de minha vida é poder fazer dos meus filhos o que meus pais tiveram oportunidade de fazer comigo. Dar-los independência, autonomia, ao mesmo tempo, a proteção necessária para que eles consigam viver bem, seguros e se tornem adultos felizes. E a minha missão política, eles começam a compreender. Claro que sentem minha ausência, mas a principal função é ser mãe. As outras funções que exerço são missões que exerço com muita felicidade e espero que eles possam reconhecer o tempo que lhes é roubado por algo que me deixa feliz: ajudar outras pessoas.
<EM>
A mulher contemporânea vive numa eterna culpa. Você também sente culpada?
Nasce um filho. Nasce uma culpa. Eu poderia estar em casa ou ter decidido ficar em casa, mas talvez eu não fosse uma mãe melhor. Realizo-me plenamente sendo mãe, mas exerço uma função fora de casa que me deixa também plenamente realizada de poder ajudar as pessoas a terem uma vida melhor. É isso que me realiza sendo política e sendo servidora pública. A diferença para quem exerce um mandato eletivo é que a gente tem um alcance maior com nossas ações. Agora é claro fazendo terapia para me ajudar a conviver com a culpa.<EM>
<EM>
Você é uma pessoa de fé? Como trabalha sua religiosidade?
Muito. Sou católica. Não frequento religiosamente a igreja, mas agradeço a Deus todos os dias ao acordar por ter conseguido alguma coisa de bom e ao dormir também. <EM>
<EM>
Você e seu pai se filiaram ao PSDB, depois de muita polêmica, faltando três dias para o fim da janela partidária. Vocês ganharam do candidato do governo. Dormiu aliviada após o resultado?
A felicidade e gratidão foi pelo povo ter entendido a nossa mensagem. E a mensagem não muda com a mudança do partido. A mensagem era de união de Caruaru, de fé no futuro e que a gente pode sim construir uma cidade que diminua as desigualdades entre o centro, a periferia e a zona rural. Quero levar Caruaru a um novo patamar - século 21 - que possa oferecer mais serviços à população, que possa gerar emprego e renda, que continue despertando interesse regional, que continue sua vocação natural, mas que precise exercer de fato e de direito o protagonismo regional para que a gente possa desenvolver a região como um todo.<EM>
<EM>
Qual sua primeira ação assim que assumir a prefeitura?
Cuidar da segurança. É emergencial. As pessoas estão com medo de sair de casa. É claro que a solução não vem do dia para a noite, mas as decisões de reunir todo o aparato de segurança pública, incluir a prefeitura e liderar esse processo. Vamos criar o Juntos pela Segurança, inspirado no início do Pacto pela Vida. Juntar todas as forças operativas que cuidam do combate à criminalidade, trazer a PF, PRF, Civil, Militar, MP e Judiciário à mesa para discutir e trazer a guarda municipal, trabalhar a questão de câmaras de monitoramento, melhorar a iluminação pública, qualificar guardar para trabalhar a zona rural e a patrulha escolar para desenvolver a tranquilidade às pessoas. Ao lado disso, estrategicamente, trabalhar políticas sociais que permitam que a gente possa prevenir a violência - porque qualquer solução que trabalhe a diminuição de violência de modo estruturado no mundo trabalha ações de combate à criminalidade de modo planejado, integrado. Sem falar na prevenção com políticas sociais efetivas nas áreas de maior vulnerabilidade. Foi assim que eu vi em Bogotá e Medellín. E é assim que nos vamos fazer.<EM>
<EM>
Quando a gente fala em Caruaru pensa logo em São João. Como vai ser o São João de Raquel Lyra
Uma linda festa como sempre foi. Vai ser um São João que expresse a riqueza da nossa cultura. Descentralizado. Queremos chegar aos bairros, as vilas da zona rural. Temos inúmeros bairros superpopulosos que podem receber a festa, resgatando a festa de rua, permitindo que as pessoas que moram no Salgado com 90 mil pessoas ou rendeiras com 60 mil, assim como a zona rural, possam ficar perto de suas casas, além de garantir ao turista uma belíssima festa, que vá fortalecer a nossa cultura popular, garantir o respeito a todos que façam a nossa cultura e trazer atrações nacionais que chamem o público e fazem alegria da juventude e os turistas.