'Inescapável': A inteligência artificial será tão essencial quanto a eletricidade, diz Silvio Meira

O criador do Porto Digital afirma não ser mais possível evitar a tecnologia, que vive uma "explosão cambriana" com chegada da chinesa DeepSeek

Publicado em 04/02/2025 às 12:47 | Atualizado em 04/02/2025 às 15:23
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A chegada do DeepSeek, chatbot chinês comparado ao já conhecido ChatGPT, causou uma reviravolta no cenário da inteligência artificial dos Estados Unidos e do mundo. A IA chinesa surpreendeu por ser tão boa quanto as concorrentes ocidentais e incomparavelmente mais barata.

Em entrevista ao programa "Passando a Limpo" desta terça-feira (4), na Rádio Jornal, o criador do Porto Digital, Sílvio Meira, analisou o impacto provocado pelo DeepSeek e falou sobre as perspectivas para o futuro da humanidade, cada vez mais envolvida pela inteligência artificial.

Meira, que também é professor emérito do Centro de Informática (CIn) da UFPE, um dos líderes em pesquisa em inteligência artificial na América Latina, explica que a IA chinesa causou uma revolução por mostrar que é possível fazer um sistema de ponta por um custo dezenas de vezes menor do que o que se vinha praticando pelos concorrentes.

Segundo pesquisadores da startup chinesa, o treinamento do chatbot teve um investimento de US$ 6 milhões (cerca de R$ 35 milhões), enquanto grandes empresas norte-americanas, como a OpenAI, dona do ChatGPT, teria investido US$ 100 milhões, e o Google, quase o dobro.

Além disso, enquanto as gigantes usam supercomputadores com 16 mil chips de última geração, a startup diz ter usado apenas 2 mil chips - e de versões mais antigas.

Outro fator decisivo para o impacto do DeepSeek é que ele possui código aberto, um diferencial em relação às big techs do Vale do Silício. Ou seja, qualquer pessoa pode ter acesso ao código que comanda a IA, o que permite que mais pessoas entendam como o sistema funciona.

Meira compara essa disseminação de conhecimento motivada pelo DeepSeek a uma “explosão cambriana de inteligência artificial”.

“Você pode baixar o código e rodar no seu computador. Centenas de milhares de pessoas no mundo inteiro fizeram isso. E quem baixou foram pessoas que entendem do que fazer com aquilo”, afirmou o cientista.

Mladen ANTONOV / AFP
DeepSeek é IA chinesa - Mladen ANTONOV / AFP

Tipos de inteligência

Para esclarecer os impactos dessas mudanças na sociedade, o professor explica que a inteligência artificial deve não ser compreendida como uma plataforma ou ferramenta, mas sim como uma nova dimensão de inteligência.

Ele ilustra a situação da seguinte forma: existe a inteligência individual e a inteligência social, resultante da interação entre as inteligências de cada indivíduo, quando estão em conjunto tentando discutir ou resolver algo.

“E você tem uma outra dimensão que é perpendicular a essas duas, que é a inteligência artificial. Sistemas de informação que processam sinais de uma maneira que parece inteligente”, explica Meira.

Ele destaca que “parece inteligente” porque a inteligência artificial não é uma inteligência como compreendemos no sentido humano, que cria novas informações.

O que a IA faz é processar dados já existentes de forma sofisticada, comparável à resolução de “problemas matemáticos extremamente complexos, no nível de um PhD em matemática”.

“Quando você conversa com esses sistemas, parece que eles têm inteligência. E nesse caso, todos nós, em boa parte, ignoramos a tecnologia que está por trás, é como se o sistema fosse inteligente. Não é relevante se ele é inteligente ou não, ele se comporta como se fosse”, afirma.

Quem não se mantiver como um ser humano cognitivamente ativo e sofisticado, de repente vai olhar para o mundo ao seu redor e não vai saber o que fazer

Perspectivas para o futuro

Meira revela que usa muitas inteligências artificiais em sua rotina: “para escrever, para ler, para me fazer entender o mundo”. Mas ele afirma que isso não é exclusividade sua, porque as IAs estão presentes no dia a dia da maioria das pessoas, mesmo que não se perceba.

É inescapável, não tem mais como você evitar usar inteligência artificial, mesmo sem você saber, você não precisa estar apertando botão nenhum”, pontua o professor.

Ele conta que as IAs estão presentes desde redes sociais e em buscadores online, como Instagram e Google, até em exames de saúde.

“Se você está no trânsito dirigindo e está usando algum mapa autônomo, é, em parte, um conjunto de algoritmos de inteligência artificial que vai descobrir as melhores rotas para você e indicar essas rotas no trânsito. Se você foi para um consultório médico e fez um exame de imagem, indiretamente você foi usado por uma inteligência artificial para fazer uma imagem de alguma condição de saúde sua”, explica.

Meira prevê que a inteligência artificial vai fazer cada vez mais parte da vida das pessoas e da forma como a sociedade funciona, entremeando-se em todos os aspectos do cotidiano, a ponto de ironicamente só ser percebida na sua falta, como ocorre com a eletricidade.

“A inteligência artificial que vai virar alguma coisa como eletricidade. (...) A eletricidade está atrás, a gente sabe que ela existe quando ela deixa de funcionar. Você tem um apagão e é um escândalo”, compara.

Por fim, o professor chama atenção para como a dependência da inteligência artificial poderá afetar a capacidade de realizar atividades básicas, como ler e escrever, e que isso será sentido em momentos de instabilidade dos sistemas de IA, como quando ocorre um apagão e não se sabe o que fazer no escuro.

“Quem não estiver prestando atenção e mantendo sua capacidade de captura, interpretação, processamento e raciocínio, armazenamento, recuperação e expressão de informação [...] Quem não se mantiver como um ser humano cognitivamente ativo e sofisticado, de repente vai olhar para o mundo ao seu redor e não vai saber o que fazer”, alerta Meira.

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