'Inescapável': A inteligência artificial será tão essencial quanto a eletricidade, diz Silvio Meira
O criador do Porto Digital afirma não ser mais possível evitar a tecnologia, que vive uma "explosão cambriana" com chegada da chinesa DeepSeek

A chegada do DeepSeek, chatbot chinês comparado ao já conhecido ChatGPT, causou uma reviravolta no cenário da inteligência artificial dos Estados Unidos e do mundo. A IA chinesa surpreendeu por ser tão boa quanto as concorrentes ocidentais e incomparavelmente mais barata.
Em entrevista ao programa "Passando a Limpo" desta terça-feira (4), na Rádio Jornal, o criador do Porto Digital, Sílvio Meira, analisou o impacto provocado pelo DeepSeek e falou sobre as perspectivas para o futuro da humanidade, cada vez mais envolvida pela inteligência artificial.
Meira, que também é professor emérito do Centro de Informática (CIn) da UFPE, um dos líderes em pesquisa em inteligência artificial na América Latina, explica que a IA chinesa causou uma revolução por mostrar que é possível fazer um sistema de ponta por um custo dezenas de vezes menor do que o que se vinha praticando pelos concorrentes.
Segundo pesquisadores da startup chinesa, o treinamento do chatbot teve um investimento de US$ 6 milhões (cerca de R$ 35 milhões), enquanto grandes empresas norte-americanas, como a OpenAI, dona do ChatGPT, teria investido US$ 100 milhões, e o Google, quase o dobro.
Além disso, enquanto as gigantes usam supercomputadores com 16 mil chips de última geração, a startup diz ter usado apenas 2 mil chips - e de versões mais antigas.
Outro fator decisivo para o impacto do DeepSeek é que ele possui código aberto, um diferencial em relação às big techs do Vale do Silício. Ou seja, qualquer pessoa pode ter acesso ao código que comanda a IA, o que permite que mais pessoas entendam como o sistema funciona.
Meira compara essa disseminação de conhecimento motivada pelo DeepSeek a uma “explosão cambriana de inteligência artificial”.
“Você pode baixar o código e rodar no seu computador. Centenas de milhares de pessoas no mundo inteiro fizeram isso. E quem baixou foram pessoas que entendem do que fazer com aquilo”, afirmou o cientista.
Tipos de inteligência
Para esclarecer os impactos dessas mudanças na sociedade, o professor explica que a inteligência artificial deve não ser compreendida como uma plataforma ou ferramenta, mas sim como uma nova dimensão de inteligência.
Ele ilustra a situação da seguinte forma: existe a inteligência individual e a inteligência social, resultante da interação entre as inteligências de cada indivíduo, quando estão em conjunto tentando discutir ou resolver algo.
“E você tem uma outra dimensão que é perpendicular a essas duas, que é a inteligência artificial. Sistemas de informação que processam sinais de uma maneira que parece inteligente”, explica Meira.
Ele destaca que “parece inteligente” porque a inteligência artificial não é uma inteligência como compreendemos no sentido humano, que cria novas informações.
O que a IA faz é processar dados já existentes de forma sofisticada, comparável à resolução de “problemas matemáticos extremamente complexos, no nível de um PhD em matemática”.
“Quando você conversa com esses sistemas, parece que eles têm inteligência. E nesse caso, todos nós, em boa parte, ignoramos a tecnologia que está por trás, é como se o sistema fosse inteligente. Não é relevante se ele é inteligente ou não, ele se comporta como se fosse”, afirma.
Quem não se mantiver como um ser humano cognitivamente ativo e sofisticado, de repente vai olhar para o mundo ao seu redor e não vai saber o que fazer
Perspectivas para o futuro
Meira revela que usa muitas inteligências artificiais em sua rotina: “para escrever, para ler, para me fazer entender o mundo”. Mas ele afirma que isso não é exclusividade sua, porque as IAs estão presentes no dia a dia da maioria das pessoas, mesmo que não se perceba.
“É inescapável, não tem mais como você evitar usar inteligência artificial, mesmo sem você saber, você não precisa estar apertando botão nenhum”, pontua o professor.
Ele conta que as IAs estão presentes desde redes sociais e em buscadores online, como Instagram e Google, até em exames de saúde.
“Se você está no trânsito dirigindo e está usando algum mapa autônomo, é, em parte, um conjunto de algoritmos de inteligência artificial que vai descobrir as melhores rotas para você e indicar essas rotas no trânsito. Se você foi para um consultório médico e fez um exame de imagem, indiretamente você foi usado por uma inteligência artificial para fazer uma imagem de alguma condição de saúde sua”, explica.
Meira prevê que a inteligência artificial vai fazer cada vez mais parte da vida das pessoas e da forma como a sociedade funciona, entremeando-se em todos os aspectos do cotidiano, a ponto de ironicamente só ser percebida na sua falta, como ocorre com a eletricidade.
“A inteligência artificial que vai virar alguma coisa como eletricidade. (...) A eletricidade está atrás, a gente sabe que ela existe quando ela deixa de funcionar. Você tem um apagão e é um escândalo”, compara.
Por fim, o professor chama atenção para como a dependência da inteligência artificial poderá afetar a capacidade de realizar atividades básicas, como ler e escrever, e que isso será sentido em momentos de instabilidade dos sistemas de IA, como quando ocorre um apagão e não se sabe o que fazer no escuro.
“Quem não estiver prestando atenção e mantendo sua capacidade de captura, interpretação, processamento e raciocínio, armazenamento, recuperação e expressão de informação [...] Quem não se mantiver como um ser humano cognitivamente ativo e sofisticado, de repente vai olhar para o mundo ao seu redor e não vai saber o que fazer”, alerta Meira.