Aos 18 anos, a pernambucana Lucielle Laurentino foi a primeira pessoa da família a entrar para a universidade. Fez até mestrado fora do país. Décima filha de um total de 14 irmãos, ela trabalhava colhendo café, em Serra Negra, no município de Bezerros, no Agreste do estado, quando entrou na segunda escola em tempo integral implantada em Pernambuco, em 2004. Hoje, aos 28, é consultora pedagógica do Instituto pela Corresponsabilidade pela Educação (ICE) e trabalha implantando escolas em tempo integral em vários estados no País.
No ano passado, Lu, como é conhecida, deu o testemunho da sua experiência, no evento de lançamento do novo ensino médio e da política de indução das escolas em tempo integral, no Palácio do Planalto. Falou da guinada que sua vida teve quando chegou ao ensino médio e passou a frequentar uma escola de tempo integral.
Formada em Geografia pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), ela defende o modelo e diz que, lá, aprendeu a superar a defasagem causada pelo ensino precário que teve durante toda a vida. “Cheguei sem saber ler direito e sem saber fazer contas... A educação transformou minha vida. Foi a escola integral que me ajudou a me conhecer, saber quem eu era, ver meus defeitos e saber administrar meus monstrinhos”, relata.
A implantação das escolas em tempo integral começou em Pernambuco, em 2004, com o Ginásio Pernambuco. Doze anos depois, o Ministério da Educação decidiu nacionalizar a experiência pernambucana, lançando em 2016 uma política de indução com o Programa de Fomento à Implementação de Escolas de Ensino Médio em Tempo Integral. O objetivo é mais que dobrar a oferta de vagas nessa modalidade no ensino médio em todo o país e induzir o alcance das metas do Plano Nacional de Educação, que é de 50% das escolas públicas de 25% dos estudantes em tempo integral até 2024. O MEC vai investir R$ 1,5 bilhão até 2019 no programa com custo de R$ 2 mil por aluno, por ano.
O Programa está sendo implementado de forma gradual nos 26 estados e no Distrito Federal. A estimativa é que, em 2020, mais de mil escolas ofereçam esta modalidade de ensino em todo o país. Pernambuco ocupa hoje uma posição de destaque nacional e vai ganhar 36 novas escolas em tempo integral com recursos do MEC. Na experiência pernambucana, os índices de abandono nas escolas em tempo integral são baixíssimos: apenas 0,7%, de acordo com a Secretaria de Educação do estado. “O aumento de escolaridade no Brasil impacta em 15% na renda de uma pessoa. Já é um fator muito importante se a gente conseguir fazer com que o aluno permaneça na escola”, diz o diretor de articulação e inovação do Instituto Ayrton Senna, Mozart Neves Ramos.
Mozart era secretário de educação de Pernambuco quando o Ginásio Pernambucano começou a funcionar nesses moldes. “Tempo integral não quer dizer somente mais tempo na escola. No modelo que implantamos em 2004, havia um currículo absolutamente integrado, tanto ao desenvolvimento das habilidades cognitivas, como também atividades complementares que dão formação cidadão, formação e habilitação para a vida com protagonismo juvenil, socioativismo... Todo um currículo desenhado pensando na formação de fato cidadão”, comenta Mozart.
O modelo de escola integral tem carga horária semanal 80% superior às escolas regulares, com aulas adicionais para atividades inovadoras. O objetivo é desenvolver todas as capacidades do estudante, incentivar o jovem a conhecer seu potencial e ter autonomia, ao mesmo tempo em que se ensinam disciplinas da base comum.
O Ginásio Pernambucano funciona neste modelo desde 2004. Antes disso, no entanto, o prédio não estava funcionando até que um ex-aluno se comoveu e decidiu agir. “Estava de férias no Recife quando passei em frente ao Ginásio, que tinha sido minha escola. Estava abandonada, com problemas estruturais sérios”, conta Marcos Magalhães. “Reuni empresas interessadas, com responsabilidade social, e fizemos a restauração física. Mas concluímos que deveríamos empregar não só um prédio, mas uma escola”, continua. Foi quando nasceu o ICE, instituição privada e sem fins lucrativos que até hoje ajuda a implantar escolas de tempo integral em Pernambuco e em outros 17 estados do Brasil.“O currículo da escola de tempo integral tem duas vertentes: a cognitiva, que diz respeito às matérias como português, matemática, física, química; e a parte socioemocional, que é desenvolver o jovem como pessoa autônoma, responsável por seu futuro, solidário, que saiba seu papel na sociedade e tenha pensamento crítico”, pontua Marcos Magalhães, atual presidente do ICE e ex-aluno do Ginásio Pernambucano, primeira escola integral de Pernambuco e idealizador desse modelo.
Desde a primeira turma de ensino integral do Ginásio Pernambucano, em 2004, o modelo vem dando certo em Pernambuco. De lá para cá, o estado saiu da 22ª colocação no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb), em 2007, para o 1º lugar, em 2016. Hoje existem 369 escolas nessa modalidade no estado, entre Escolas de Referência em Ensino Médio (EREM) e Escolas Técnicas Estaduais (ETE). É a maior rede de escolas em tempo integral do ensino médio do Brasil.
De acordo com o Ministério da Educação, as Escolas de Tempo Integral apresentam melhor desempenho no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), menores taxas de evasão e reprovação, além de menores distorções de idade-série.
“Entender essa juventude, qual é a demanda dessa juventude, o que a vida precisa desses estudantes, e dizer pra eles que a escola pode ajudar no projeto de vida é o principal resultado dessas escolas. Por isso está sendo modelo para o Brasil inteiro”, afirma Lucielle.