RELIGIÃO E SEXUALIDADE

Igreja inclusiva acolhe população evangélica LGBT no Recife

Um pastor que antes pregava contra os homossexuais; hoje ensina que a sexualidade não impede a prática da fé

Lucas Moraes
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Lucas Moraes
Publicado em 22/11/2016 às 20:00
Foto: Lucas Moraes/Especial para o JC
Um pastor que antes pregava contra os homossexuais; hoje ensina que a sexualidade não impede a prática da fé - FOTO: Foto: Lucas Moraes/Especial para o JC
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Um abraço apertado e o desejo de boas-vindas é o cartão de visita para quem chega à Comunidade Cristã Nova Esperança (CCNE), no bairro da Madalena, Zona Oeste do Recife. O gesto, que a princípio pode passar despercebido pelas pessoas no dia a dia, é bastante simbólico para os frequentadores da igreja evangélica pentecostal inclusiva, que acolhe a população LGBT (lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transexuais e transgêneros). Lá, muitos chegam após tentativas de suicídio, “pensando que irão para o inferno’’ por não serem aceitos em “igrejas convencionais” e na própria sociedade.

Reginaldo Filho, 30, é diácono da comunidade. Frequenta a igreja LGBT desde 2012 e garante que enfim encontrou um lugar onde se sente ‘super bem’. “Eu sempre frequentei igrejas. Desde criança, ainda que você não tenha religião, a família indica a você o caminho.  Antes de chegar a CCNE, passei por ‘igrejas convencionais’, como a Assembleia de Deus, Igreja do Evangelho Quadrangular e a Congregação Cristã do Brasil. Aos 21 anos tomei consciência de que era homossexual. Mesmo sabendo que eu era gay, vivia um conflito dentro de mim. Eu queria louvar ao senhor, mas acreditava que não poderia servir a Deus. Tudo me fazia crer que o meu pecado era ser o que eu sou porque muitos estudiosos, pessoas que pregam a palavra de Deus, afirmam que você está condenado (por ser homossexual)”.

Fundada no estado de São Paulo, no ano de 1996, a CCNE é uma igreja brasileira que já possui células, grupos que se espelham na instituição, em pelo menos mais 5 países ao redor do mundo.  Em Pernambuco, uma sede pequena está instalada no Recife e outra célula começa a ser desenvolvida no município de Caruaru, no Agreste do Estado. No principal culto, por volta das 18h do domingo, cadeiras de plástico são enfileiradas para receber em média 40 fiéis, e bíblias são distribuídas para os frequentadores, que em sua maioria são gays, lésbicas ou bissexuais.

 

dupla

Fernanda Chagas, 30, e Gleyce Firme, 23, estão juntas há 4 anos. Conheceram a comunidade cristã inclusiva através de amigos e tomaram a iniciativa de frequentar o local após serem surpreendidas com uma distribuição de panfletos na Parada da Diversidade do Recife.  “Aqui nós somos nós mesmas", dispara Fernanda. A companheira logo acompanha: “Não tem discriminação. Já frequentamos outras igrejas como a católica, mas é diferente. Lá eu já era lésbica, mas as pessoas não sabiam”. De acordo com as jovens, que se conheceram numa boate da capital, apesar dos esforços para explicar à família o porquê de uma igreja inclusiva para as pessoas que não se ‘encaixam’ nos padrões normativos de gênero e sexualidade, a família ainda custa a aceitar. “Eles não levam muito a sério, muito pelo fato de o pastor e as pessoas que também frequentam aqui,  mesmo buscando a Deus, serem homossexuais”, desabafam.

Antes de chegar à CCNE, pastor pregava contra os homossexuais

A CCNE chegou a Pernambuco no final de 2005, com ela também veio o pastor Wandeberg Torres, 34, mais conhecido como pastor Berg. Há nove anos desempenhando a função, ele relata que, assim como a maioria de integrantes da igreja, vivenciou experiências negativas em outras instituições. “Eu pregava contra os homossexuais na Assembleia de Deus e era casado com uma mulher. Na igreja, era comum ouvir dos pastores que ‘homossexual não iria para o céu’, ‘que era uma aberração’. Entrei num processo de divórcio e comecei a estudar teologia, queria encontrar onde e por que na bíblia estava escrito que homossexuais eram aberrações”. Após ter ido estudar em São Paulo, o pastor chegou à conclusão que tudo que era repassado nas igrejas era uma questão de interpretação do livro sagrado.

 

 

 

 

“Mostre-me na bíblia onde está escrito que é proibido ser homossexual. Tudo que as pessoas fazem é pegar uma passagem do livro de Levíticos ( que fala sobre o relacionamento sexual dos homens) e a interpretarem.  As pessoas precisam fazer um estudo ‘histórico-crítico’ da palavra e não se contentar com o literal. Num estudo para entender o que realmente a bíblia quer nos dizer, utilizamos, por exemplo, a versão original (grega) do livro, a hebraica, a versão brasileira atualizada de João Almeida de Ferreira e a bíblia americana de Jon Peterson. Entre elas, há mudança de termos. Também existem passagens que não aconselham o homem a manter relações sexuais com a mulher no período menstrual, quem o faz também é considerado pecador, mas as pessoas isolam isso. Pecado é tudo aquilo que prejudica a ti e ao teu próximo. Se você usa um versículo contra uma pessoa, deve estar de acordo com todos os outros”, explica. 

 

pastor

Foto: Bobby Fabisak/JC Imagem

Ainda segundo o pastor, não há proibições para os membros da CCNE, apenas orientações. “Não os proibimos de beber ou fazer sexo. Aconselhamos para que eles não tornem o corpo algo promíscuo. A bíblia condena a embriaguez, mas não proíbe ninguém de beber. É comum ainda relacionar a homossexualidade à prostituição, mas não é pelo fato  de você ser gay que você não pode ser uma pessoa que segue os ensinamentos de Deus”.

 O pastor Berg finaliza, “Ele (Deus) criou Adão e Eva, mas não quis dizer que seria assim para sempre (...) se uma pessoa quer buscar a Deus, por que eu a mandaria embora? As pessoas que vêm aqui estão a ponto de morrer, muitas vezes desesperadas por não encontrarem um espaço para serem elas mesmas”.

A CCNE realiza cultos e encontros da quinta ao domingo, sempre no início da noite, no número 124 da Avenida Caxangá, no bairro da Madalena. Além das leituras bíblicas, músicas e discussões sobre militância LGBT são pautas frequentes na igreja.

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