“Posso viver cem anos e nunca vou esquecer aquele 1º de setembro.” A data que permanece na lembrança de Joselma Bispo dos Santos, de 49 anos, não traz uma boa recordação. Neste dia, há uma década, ela foi estrangulada e teve a cabeça batida inúmeras vezes na parede pelo então marido. A rotina de agressões já vinha de 26 anos. Pobre, negra, com dois filhos de um casamento abusivo. Joselma traduz bem o perfil das mulheres que mais morreram em decorrência de violência doméstica no Brasil nos últimos anos. As agressões fazem parte do dia a dia de muitas, mas só recebem os holofotes quando casos de grande repercussão como o da fisioterapeuta Tássia Mirella Sena de Araújo e da figurinista Susllem Tonani ganham a mídia.
>>>> Artigo do Coletivo Deixa Ela Em Paz: "Feminicídio: Desculpem se perdemos o tom..."
Leia Também
- 'Não mexam na lei', pede Maria da Penha durante fórum de segurança pública
- Senado homenageia dez anos da Lei Maria da Penha
- Maria da Penha: falta de delegacias 24 horas prejudica aplicação da lei
- Congresso tenta mudar Lei Maria da Penha
- Maria da Penha: "A vigilância para evitar o retrocesso da lei tem que ser constante e de todos"
- Dez anos da Lei Maria da Penha: a luta para barrar a violência contra a mulher
- TJPE realiza atividades sobre violência contra mulher em comemoração ao aniversário da Lei Maria da Penha
Na última semana, as duas histórias causaram revolta. Figurinista da Rede Globo, Susllem revelou ao Brasil meses de abuso por parte do renomado ator José Mayer. À fisioterapeuta Mirella não restou nem a chance de falar. Teve sua luta por liberdade silenciada por um corte na garganta. O algoz era o próprio vizinho, visto por todos com um “homem de bem”. O que Joselma, Susllem e Mirella, em realidades tão diferentes, têm em comum? As três são mulheres. E apenas por isso tiveram dignidade e vida ceifadas por homens. “Mulheres morrem apenas por serem mulheres, por não atingirem as expectativas dos homens. A morte é puramente questão de gênero, é feminicídio”, explica o sociólogo Julio Jacobo Waiselfisz, autor do Mapa da Violência 2015.
Abaixo, entrevista com vítima que criou coragem e denunciou
A pesquisa realizada por ele, que lança luz sobre o número alarmante de homicídios de mulheres no Brasil, mostra o perfil das vítimas. A maioria é negra, com idade entre 18 e 30 anos e baixo grau de escolaridade. “Homens morrem mais nas ruas, vítimas de arma de fogo, e geralmente não conhecem o agressor. Mulheres morrem mais em casa e sabem quem é o agressor. Além disso, são mais vítimas de arma branca, o que demonstra falta de premeditação. A morte delas é fruto da ira”, defende o especialista.
ESPECIAL RAÍZES DA INTOLERÂNCIA
>>> Misoginia: desprezo às mulheres
Para Cida Pedrosa, titular da Secretaria da Mulher do Recife, a redução de casos de violência contra a mulher só será possível com conscientização e quando, de fato, os agressores forem punidos. “Não é o tamanho da pena o que importa, mas que ela seja efetiva. Se em cada 100 casos de feminicídio, 80% deles terminarem com a prisão do réu, a sociedade de machos passará a pensar duas vezes antes de cometer um crime dessa natureza”, cravou. “Nós passamos 30 anos fazendo campanhas anti-tabagismo para conseguirmos, hoje, reduzir em 30% o número de fumantes no Brasil. Temos que fazer o mesmo em relação à violência contra a mulher”, completou a secretária.
CAMPANHA
Com o objetivo de dar voz às mulheres vítimas de violência no Recife, o Por Aqui, plataforma colaborativa de notícias de bairro, laçou, anteontem, a campanha O Machismo Mora ao Lado. Segundo Raíssa Ebrahim, editora de conteúdo do site, a iniciativa quer incentivar mulheres vítimas de agressão a não se calarem.
“A ideia, da jornalista do Por Aqui Gabriela Belém, surgiu depois da morte de Mirella, quando pensávamos em uma forma de tratar do tema, mas de uma maneira diferente, sem ficarmos restritos a noticiar o crime pelo crime. Queremos dialogar com os moradores dos bairros em que atuamos”, afirmou.
Para participar da campanha basta usar a hashtag #omachismomoraaolado nas redes sociais ou enviar sua história via e-mail (colabore@poraqui.news), Whatsapp (98173-9108) ou Facebook (facebook.com/poraquinews).