Verônica dormia no sofá de casa, quando foi morta a marteladas pelo próprio marido. Marcela foi encontrada com sinais de abuso sexual e 30 perfurações pelo corpo. Remís acabou asfixiada pelo ex-namorado, após denunciá-lo por agressão. Somente na última semana, cinco casos de feminicídio ganharam o noticiário do Estado. Cinco vítimas de uma cultura que mata mulheres apenas por serem mulheres. As que ficam, são obrigadas a reviver o abuso e enfrentar a violência também nas instituições que deveriam servir de refúgio, como as delegacias.
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Há três meses, a estudante Laura Tristão, 19 anos, foi vítima de assédio em um BRT na capital. A irmã postou o relato nas redes sociais e elas descobriram que o idoso já havia praticado o mesmo crime. Então, resolveram ir até a Delegacia da Mulher. “Foi horrível. O depoimento foi colhido por homens, que fizeram perguntas desnecessárias. Enquanto narrava o que o idoso me disse, eles faziam comentários sobre a minha beleza. Era a mesma coisa que eu estava denunciando. Me senti violentada novamente.”
A negligência não é novidade. Em 2014, a mercadóloga Mariana Senhorinho, 33, foi estuprada no Centro do Recife. “Levei três dias para procurar a delegacia, porque tinha nojo do acontecido. Quando cheguei lá, só havia homens. O tempo todo, ouvi que minha denúncia não daria em nada, que era perda de tempo. Fui aconselhada a ir para casa e procurar um psicólogo. Persisti e fiz o boletim de ocorrência. Não me pediram nem o corpo de delito. Após o depoimento, disseram para voltar com testemunhas. Não voltei. Não quero passar por aquela humilhação nunca mais.” Para vítimas, serem atendidas por homens colabora para a falta de acolhimento. “Eu fui denunciar um crime motivado por machismo e fui recebida com mais machismo. Isso desestimula a denúncia. Com mulheres, haveria mais empatia”, diz Mariana.
Integrante do coletivo Deixa Ela Em Paz, Joana Pires acredita que o machismo está institucionalizado. “Além da violência com que as mulheres lidam no dia a dia, elas ainda têm que enfrentar o problema nas instituições, que não conseguem responder de forma adequada, com atenção à denúncia e crença no relato da vítima.”
Quando a ajuda não chega a tempo, a agressão pode virar feminicídio. Em novembro, a estudante Remís Carla Costa, 24, procurou a Delegacia da Mulher para denunciar a agressão do namorado. Um mês depois, foi encontrada morta. “A polícia foi omissa já na denúncia. Vimos o despreparo dos agentes, que mandavam embora mulheres apoiadas pela lei. A delegacia deveria ser um local de acolhimento, mas é hostil”, criticou a amiga Jéssika Alves.
Para as vítimas que conhecem o agressor, a situação é pior. “Não há acompanhamento das medidas protetivas. Minha amiga nem foi avisada da decisão. A polícia só foi procurar saber a resposta do Judiciário quando Remís estava morta. As mulheres que criam coragem para denunciar precisam saber que estão seguras ao deixar a delegacia”, argumentou Jéssika.
ACOLHIMENTO
No Estado, o acolhimento é feito pela Secretaria da Mulher. “Temos 36 centros especializados, que possuem equipes multidisciplinares para acompanhamento. Em 2018, devem ser criados outros quatro”, garantiu Bianca Rocha, diretora de Enfrentamento da Violência de Gênero. O órgão tem parceria com as Secretarias de Defesa Social e de Justiça e Direitos Humanos e oferece monitoramento eletrônico de agressores, além da Patrulha Maria da Penha.
Em nota, a Polícia Civil afirmou que as Delegacias da Mulher são instrumentos essenciais no combate à violência doméstica e familiar. De janeiro a novembro, 30.182 mulheres prestaram queixas. No mesmo período, foram solicitadas pelas 11 delegacias 5.176 medidas protetivas. A Polícia Civil disse ainda que o “atendimento de excelência, humano e sem julgamento, nas Delegacias da Mulher – e também nas demais delegacias – é uma constante preocupação” e que os servidores são capacitados para lidar com as vítimas.