Todo ano, a história se repete: beijo forçado, puxões de cabelo, toques indesejados pelo corpo, estupro. Para as mulheres que brincam Carnaval no Estado de Pernambuco, o assédio se tornou rotina. Mais difícil que lidar com a violência é ter a certeza da impunidade e, por isso, muitas não procuram ajuda das autoridades. Outras vezes, não existe sequer atendimento especializado. Para tentar frear os abusos, coletivos e poder público investirão em centrais de acolhimento e campanhas de conscientização que devem começar este mês.
Em 2016, a jornalista Thalita Silva, 21 anos, brincava em Olinda com amigos, quando um homem segurou seu braço. “Minha reação foi puxar, para tentar me soltar, mas ele ficou segurando forte e puxando de volta. Meu amigo voltou para me pegar e o homem pediu mil desculpas a ele. A mim, nenhuma. Não me sinto segura para brincar Carnaval.” Para ela, procurar a polícia não ajuda. “Primeiro, porque são muitos casos, eles teriam que parar o Carnaval para dar conta de todas as denúncias. Segundo, porque sei que vou ser questionada pelo ambiente e pelas roupas que estiver usando. É um problema cultural.”
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Para quantificar o assédio e abrir os olhos das autoridades para o problema, os coletivos Meu Recife e Mete a Colher lançaram, em 2017, a plataforma Aconteceu no Carnaval. Em um site, as vítimas relataram casos de abuso. “Também fizemos ações de rua, distribuindo materiais”, conta a advogada e mobilizadora do Meu Recife, Madalena Rodrigues. Em 2018, a iniciativa terá uma novidade: um canal via WhatsApp para o registro de denúncias. “Além de contarem suas histórias, as mulheres receberão orientações sobre o aparato jurídico e sobre onde procurar ajuda, como hospitais de referência”, explicou. A campanha será lançada dia 15.
O bloco Nem com Uma Flor, cujo objetivo é conscientizar e combater a violência de gênero, marca o início do Carnaval da Secretaria da Mulher do Recife, dia 8 de fevereiro. Durante a folia, haverá uma central, onde serão distribuídos materiais informativos e oferecido atendimento pela equipe do Centro de Referência Clarice Lispector.
OLINDA
Em Olinda, campanhas educativas serão lançadas no fim do mês. O Centro de Referência da Mulher do município vai funcionar para oferecer apoio às vítimas. Na cidade, a situação é ainda mais preocupante, porque não existe sequer uma delegacia especializada em crimes contra a mulher, mesmo que a maior parte da população seja feminina, segundo o último Censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). A prefeitura informou que os trâmites para a criação de uma Delegacia da Mulher já foram iniciados.
A cobrança também é feita no Legislativo pela vereadora Denise Almeida (PRB). “Não podemos deixar Olinda entre as cidades mais violentas para as mulheres nem no período do Carnaval nem durante o ano. É preciso que o governo tenha uma atuação mais efetiva para punir os agressores”, cobrou.
Por meio de nota, a Polícia Civil de Pernambuco informa que as mulheres vítimas de assédio, abuso sexual ou violência doméstica podem procurar qualquer ponto de atendimento da instituição, em Olinda, durante as prévias e nos dias de Carnaval. Avisa, também, que a partir desse sábado (06/01), e em todos os fins de semana até a chegada dos dias oficiais da folia, haverá reforço no atendimento da Delegacia do Varadouro, que funciona 24h, além de uma Delegacia Móvel estacionada em frente à sede da prefeitura, na Praça Monsehor Fabrício, na Cidade Alta.
Nos dias de Carnaval, haverá mais uma delegacia, disponível 24h, na Escola Sigismundo Gonçalves, localizada no bairro do Carmo. As Delegacias da Mulher do Bairro do Recife e de Santo Amaro também terão reforço de policiais nos dias de folia, tanto nas prévias quanto no Carnaval.