Adalgisa Marques de Almeida morava no bairro de Santo Amaro, área central do Recife, quando o interventor Agamenon Magalhães construiu um conjunto de casas populares em Areias, Zona Oeste da cidade, para as mulheres que lavavam roupa de ganho. Em 1940, instalada na Vila das Lavadeiras, ela percebeu que o lugar era um tanto desanimado e resolveu criar uma brincadeira de São João para alegrar a comunidade. O Acorda Povo de Adalgisa, fundado em 1941, completa 77 anos de atividade este mês e é homenageado pela prefeitura nos festejos juninos 2018.
Quem quiser prestigiar a procissão religiosa, marcada pelo ritmo do bombo e do caracaxá (instrumento de percussão parecido com o ganzá), precisa acordar cedo no próximo sábado. O cortejo tem início por volta das 3h30 do dia 23 de junho e percorre as ruas da Vila das Lavadeiras com uma estrela iluminada à luz de vela, um retrato do homenageado e o som de ladainhas de São João. Um andor levando a imagem do santo (a Bandeira de São João) completa o ritual folclórico, mantido com as mesmas características da época da fundação.
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Hoje, o Acorda Povo da Vila das Lavadeiras é organizado por Aurelina Marques de Almeida, 85 anos, filha de Adalgisa. Da mãe, falecida, ela herdou a profissão e o folguedo, que mantém com ajuda da família. Os preparativos da festa começam às 22h da sexta-feira (22/06), mas só na madrugada do sábado a girândola de fogos de artifício anuncia a saída do cortejo da frente da casa de Aurelina. “O bombo dá o sinal”, diz ela. E a caminhada começa com música: Acorda povo que o galo cantou/São João que nos acordou.
A procissão segue o roteiro pela vila, acompanhada por crianças, mulheres e homens, com paradas na porta de residências de moradores que fizeram promessa para São João do Acorda Povo e alcançaram graças. “Em cada casa levantamos num mastro a bandeira com a imagem de São João, foram 16 no ano passado, sempre cantando: Que bandeira é essa que vai levantar? São João para festejar”, informa Aurelina Marques, lavadeira aposentada. Quando era criança, ela carregava a estrela no cortejo.
Promessa
Há 23 anos a pensionista Maria Clarice Santos de Lima, 71, recorreu ao santo em favor de uma neta, alcançou a graça e desde então paga a promessa. A bandeira é levantada no lugar onde ela mora, na Vila das Lavadeiras, na madrugada do dia 23 e retirada dia 24 à noite, também com uma ladainha: Que bandeira é essa que vai arriar? São João para se guardar. “Enquanto vida tiver levantarei a bandeira na minha casa”, declara Maria Clarice.
Atual juíza da festa, Maria Clarice recebeu o andor em 2017 para guardar a Bandeira de São João por um ano. No sábado à noite ela é convidada por Aurelina a devolver a peça, que seguirá para a casa da próxima juíza. Assim, a brincadeira continua, rendendo homenagens a São João Batista, primo de Jesus e que corresponde ao orixá Xangô no sincretismo religioso, com as cores vermelha e branca.
“Minha mãe não tinha Acorda Povo em Santo Amaro, ela fundou esse depois de se mudar para Areias. A Vila das Lavadeiras foi construída no tempo da Liga Social contra os Mocambos. As pessoas não tinham como se recusar a fazer a mudança, um caminhão estacionava na frente das casas e botavam os móveis da gente dentro. Depois amarravam a casa, puxavam e botavam abaixo. Cheguei aqui com oito anos incompletos, agora só restam na vila duas filhas das antigas lavadeiras, eu sou uma delas”, relata Aurelina Marques de Almeida.