Uma verdadeira maratona. Assim é a rotina da maior parte das famílias no mundo moderno. A correria se estende também aos pequenos, que têm o dia cada vez mais preenchido por diversas tarefas. O problema, apontam especialistas, é que as crianças têm deixado de lado um hábito essencial para o crescimento: o brincar. Muito mais do que apenas divertir, as brincadeiras desempenham papel fundamental no desenvolvimento social, emocional, cognitivo e motor de meninos e meninas.
Leia Também
“A atividade lúdica deve começar muito cedo, porque é uma forma de estimulação sensorial e motora. Nos primeiros anos de vida, todas as brincadeiras são importantes: esconde-esconde, pintura, estímulos de ir ao chão, uso de triciclo, entre outros. O maior período de desenvolvimento do cérebro é aquele que vai até os três anos de idade. Todas as informações recebidas nessa fase serão levadas pelo resto da vida”, explica o pediatra Homero Rabelo.
Além de problemas motores, a falta de estímulos pode trazer prejuízos cognitivos. “Isso porque, enquanto brinca, a criança está exercitando o cérebro, estimulando o raciocínio, através de milhões de sinapses”, completa.
A maior preocupação está no uso excessivo de aparelhos eletrônicos. “Estudos demonstram que há influência da tecnologia no comportamento das crianças, que pode ser nociva à saúde. Podem ocorrer dificuldades na socialização, dificuldades escolares, aumento da ansiedade, violência, transtorno de sono e alimentação, sedentarismo, problemas auditivos, visuais posturais. Questões graves como jogos que incitam violência, autoagressão e suicídio tem sido cada vez noticiadas”, defende o também pediatra Eduardo Jorge Fonseca.
Mãe de Felipe e José, de 3 e um ano de idade, a auxiliar de escritório Simone Barros, 37, limita o acesso dos meninos aos equipamentos eletrônicos. “O mundo virtual é muito mais atrativo para eles. Na correria do dia a dia, acaba sendo mais prático também para os pais. É mais fácil dar o celular para brincar do que ir até um parque.”
A Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) recomenda que crianças com menos de dois anos de idade não tenham acesso a telas (celular, tablet). De três a cinco anos, o tempo máximo deve ser de duas horas. Na idade escolar, a recomendação é de manter o máximo de duas horas de acesso, sem contar o tempo destinado a realização de tarefas da escola.
Para a psicóloga Patrícia Guimarães, as cobranças da sociedade também colocam a criança em situação de privação. “Existe uma preocupação grande com a performance. Isso está fazendo com que as crianças esqueçam o que é ser criança. Elas precisam dar conta da escola e de várias atividades, como esportes e cursinhos de idiomas. A brincadeira fica de lado, como se esse fosse um tempo ocioso, perdido, quando na verdade é um momento de aprendizado como os outros”, pontua.
No Brasil, seis em cada dez meninos e meninas tem pelo menos um de seus direitos básicos violados. “Entre eles, está o direito de brincar. A criança precisa viver sua condição de criança”, defende Verônica Bezerra, oficial de educação do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef).
INTERAGIR COM O MUNDO REAL
Estimular as brincadeiras vai muito além de limitar o tempo de exposição dos pequenos aos tablets, celulares e videogames. É preciso voltar no tempo e resgatar hábitos que, aos poucos, estão se perdendo. Andar descalço, brincar na areia, na grama, brincar ao ar livre, com brinquedos e objetos que exercitam a criatividade e não venham prontos em uma caixa.
Mãe de Laís, 7 anos, e Lara, 3, Leide Daiana dos Santos, 30, costuma levar as meninas ao parque nos fins de semana. “Elas gostam muito de estar na rua, em contato com outras crianças. É importante para o desenvolvimento.” Em casa, as meninas são estimuladas a criar os próprios brinquedos, utilizando massinha de modelar e blocos de montar.
“Hoje em dia tudo vem pronto, cheio de regras. Isso não permite que a criança faça suas próprias escolhas. É cada vez mais comum ver os espaços de lazer em escolas, prédios e restaurantes sendo fabricados em plástico e grama sintética. As crianças precisam interagir com o mundo real”, argumenta a pedagoga Camila Domingues. Foi esse pensamento que motivou ela e a sócia Tetê Brandão a criarem a Casa das Asas, na Zona Norte da capital. “O objetivo do espaço é fazer com que as crianças brinquem com tintas, areia, barro. Muitas delas chegam com medo de se sujar, de experimentar coisas diferentes”, conta.
O pediatra Homero Rabelo destaca que a demanda por terapia ocupacional na infância tem crescido devido a transtornos sensoriais provocados pela falta de contato de meninos e meninas com o mundo exterior. “Muitos sentem uma irritabilidade extrema quando se pega nos pés ou mãos. Isso acontece porque os estímulos não foram dados. A pele não reconhece aquela textura”, explica.
Entre os problemas estão ainda o desenvolvimento de quadros alérgicos, como rinite, asma e eczema na pele.s