Pela primeira vez, em 41 anos de existência, o Museu de Arte Sacra de Pernambuco (Maspe), localizado na Sé de Olinda, abre as portas para uma exposição de santos negros da Igreja Católica. A mostra será inaugurada às 19h30 de terça-feira, 20 de novembro, Dia da Consciência Negra. E ficará em cartaz até 13 de maio de 2019, data que remete aos 131 anos da abolição da escravatura no Brasil, com a assinatura da Lei Áurea.
Mais do que tirar o manto da invisibilidade que cobre santos negros e apresentar suas faces ao público (sim, há outros além de São Benedito), a exposição assume um sentido mais amplo de combate ao preconceito racial e à intolerância. “Sobretudo, a intolerância com religiões de matriz africana”, afirma padre Rinaldo Pereira, diretor do Maspe e curador da mostra com a arquiteta Dió Diniz.
Cerca de 20 representações de São Benedito, São Baltazar, Santo Elesbão, Santa Efigênia, Santo Antônio de Categeró, São Moisés Anacoreta, São Felipe e Nossa Senhora Aparecida compõem a exposição, que ocupará o andar térreo do prédio do museu, na Rua Bispo Coutinho, 726. As peças são provenientes do acervo do Maspe, da Arquidiocese de Olinda e Recife e de oito igrejas das duas cidades.
Apenas uma imagem de cor branca, Nossa Senhora do Rosário, foi selecionada para a mostra Santos Negros. “Ela é a principal devoção e a padroeira das Confrarias e Irmandades dos Homens Pretos”, justifica padre Rinaldo Pereira. Do Recife, cederam peças para a exposição as Igrejas do Rosário dos Homens Pretos, Rosário da Boa Vista, Matriz de Santo Antônio, São Gonçalo, Santa Cruz e Nossa Senhora da Boa Viagem. De Olinda, contribuíram as Igrejas do Rosário dos Pretos e São João dos Militares.
Raras
Serão exibidas seis peças de madeira, do século 18, da Igreja de Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos, no bairro de Santo Antônio, Centro do Recife, que deixaram de ocupar nichos no templo e fazem parte do acervo do Maspe: Elesbão (rei negro da Etiópia), Felipe, Benedito, Baltazar (Rei Mago negro), Moisés Anacoreta e Antônio de Categeró (escravo). “É uma oportunidade única para ver as mais de 20 esculturas juntas, depois é preciso peregrinar nas oito igrejas”, observa padre Rinaldo.
As imagens passaram por zeladoria (limpeza e consolidação das camadas de tinta que estavam se desprendendo) antes de serem expostas. “É uma técnica de conservação e prevenção para estabilizar o processo de degradação da peças”, explica Anazuleide Ferreira, da Unidade de Conservação e Documentação do Maspe. Ela dividiu o trabalho com Onildo Moreno, do mesmo setor, com orientação do Estúdio Sarasá, de São Paulo.
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Toda as imagens estarão identificadas e ao lado haverá um QR Code (código que pode ser escaneado pela maioria dos celulares) com a biografia dos santos. Junto da esculturas antigas de madeira e de roca (típicos de procissão, apenas com cabeça, mãos e pés, mas os corpos feitos de ripa) haverá santos negros confeccionados por artesãos de Juazeiro Norte (CE) disponíveis para compra. “Criamos uma ponte entre a arte sacra barroca e a arte religiosa popular”, diz padre Rinaldo Pereira.
Quilombos
A mostra também fará um resgate da primeira edição da Missa dos Quilombos, realizada no Pátio do Carmo, Centro do Recife, em 1981, e presidida por dom Helder Camara (1909-1999), à época arcebispo de Olinda e Recife. Milton Nascimento fez as músicas, a pedido do arcebispo. “Essa cerimônia foi proibida, um tempo depois, e passou a ser apresentada somente em teatros e não mais como rito de celebração. Vamos expor o texto da oração declamada por dom Helder, Prece a Mariama, e teremos o áudio com a voz dele”, afirma o sacerdote.
O arcebispo de Olinda e Recife, dom Fernando Saburido, e grupos de maracatus participarão da cerimônia de abertura da mostra Santos Negros, na praça da Sé, ao lado do cruzeiro. Um dos convidados é o Maracatu Nação Porto Rico, do Pina, Zona Sul do Recife. “A comunidade do Porto Rito passou por constrangimento em setembro, quando a polícia tentou impedir a Festa do Dendê, que acabou sendo realizada com apoio do Estado e da prefeitura”, relata.
Padre Rinaldo também convidou integrantes do Sítio de Pai Adão, terreiro situado em Água Fria, Zona Norte do Recife, reconhecido em setembro último como Patrimônio Cultural do Brasil. Semana passada, moradores denunciaram o incêndio numa gameleira centenária e árvore sagrada do sítio Ilê Obá Ogunté. “Precisamos promover e estimular o diálogo inter-religioso. Santas e Santos negros tiveram uma forte atuação no decorrer da história e desenvolvimento da fé cristã”, destaca.
A exposição tem patrocínio da Fiat Italiana, que colaborou com R$ 20 mil, e suporte da arquidiocese. Mas o museu está em busca de parceiros para produzir o catálogo da mostra. Com apoio da Fundação do Patrimônio Histórico e Artístico de Pernambuco (Fundarpe), o Maspe abre para visitas de terça-feira até domingo, das 10h às 17h. O ingresso custa R$ 10 (inteira) e R$ 5 (meia).