Falta o básico: fazer o dever de casa. A decisão do Plano de Mobilidade Urbana do Recife de desestimular o uso do automóvel em detrimento do transporte público coletivo (ônibus e metrô) e do transporte ativo (bicicleta e deslocamento a pé) enfrenta obstáculos que estão longe de serem vencidos. Pelo contrário. Para onde se olha, as ações de melhoria no saturado trânsito do Recife continuam efetivamente na contramão da mobilidade. Seja pela ausência de medidas concretas ou pela demora na implantação delas. Pelo menos dois planos - o cicloviário e o de requalificação das calçadas - estão a passos lentos. Isso para citar apenas as iniciativas que dizem respeito à competência exclusiva da prefeitura.
O desafio de convencer o motorista a deixar o carro em casa esbarra na realidade. A ausência de uma infraestrutura viária e de um transporte público de qualidade há muito prometidos, mas pouco executados, é o maior desafio para fazer do plano um documento que vá além de uma carta de intenções.
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“O plano tem que começar hoje, com ações de curtíssimo prazo. O motorista não vai esperar por 2020. A lógica está correta, mas só terá legitimidade se deixar claro como e quando as ações serão executadas”, afirma o especialista em engenharia de tráfego e presidente da Associação Brasileira de Engenheiros Civis (Abenc), Stênio Cuentro. Ele cita medidas como a modernização semafórica e a criação de novas linhas de ônibus, com rotas estratégicas que atendessem diretamente às demandas de deslocamentos feitos hoje pelos motoristas de automóvel.
Questionamento semelhante é defendido pelo professor de Transporte do Departamento de Engenharia Civil da Universidade Federal de Pernambuco Fernando Jordão: “Como será a operacionalização de um plano que envolve três matrizes de responsabilidade (as esferas municipal, estadual e federal), se a Prefeitura do Recife não consegue sequer melhorar a qualidade das calçadas da cidade?”
O professor da UFPE coloca em questão, por exemplo, a falta de protagonismo da PCR junto ao Grande Recife Consórcio de Transporte, para exigir melhorias no transporte público de passageiros. “O Consórcio não faz a parte dele e a prefeitura também não cobra. A melhoria para o usuário de ônibus vai além da implantação das faixas azuis”, defende. Ele cita o fato de que, apesar da redução no tempo de viagem (ganho já comprovado do corredor exclusivo), não houve avanço significativo na quantidade nem na qualidade da frota. “Continua tão ruim quanto antes. Os ônibus permanecem lotados, principalmente nos horários de pico, e sem nenhum tipo de conforto.”
Este mês, a degradação do Corredor Norte-Sul, o mais extenso da Região Metropolitana do Recife, foi além da revolta diária de passageiros e operadores do sistema. Terminou virando alvo do Tribunal de Contas do Estado (TCE), tamanha a destruição do pavimento da PE-15, eixo principal do corredor que liga o município de Igarassu ao Centro do Recife. “O BRT chegou atrasado 30 anos e não é mais a solução”, sentencia Stênio Cuentro.
PROMESSA LONGE DA REALIDADE
Um dos mais emblemáticos exemplos do quanto a promessa se distancia da realidade é a atual situação da malha cicloviária do Recife. Ela é pequena (cerca de 50 quilômetros), pouco conectada e sem fiscalização. Bem diferente do cenário projetado em 2014 pelo Plano Diretor Cicloviário (PDC), que previa a construção de 590 quilômetros de infraestrutura cicloviária em toda a Região Metropolitana do Recife.
Ciente de todas as dificuldades para efetivação do novo Plano de Mobilidade Urbana, o secretário de Planejamento do Recife, Antônio Alexandre, diz que a cobrança da sociedade é legítima, mas defende que a transformação da proposta em lei garantirá uma priorização dos recursos destinados à implantação de ações concretas. “Não será uma carta de intenções porque terá a força de lei. A legislação não vai mais permitir investimentos que contrariem as diretrizes estabelecidas no plano. Isso é fundamental na hora de definir as prioridades do orçamento e dos projetos a serem executados”, afirma o secretário.