Fazer humor é uma arte delicada. Exige inteligência e sensibilidade. Caso contrário, cai-se no velho recurso de fazer piadas com grupos socialmente já estigmatizados, reforçando preconceitos antigos e desnecessários. Infelizmente, é por esse caminho que Miguel Falabella opta seguir em God, espetáculo que ele apresenta neste fim de semana, no Teatro RioMar.
Em God, Falabella adapta o texto de David Javerbaum, que foi sucesso na Broadway. Na versão brasileira, o ator e diretor carioca, que interpreta Deus no espetáculo, busca aproximar as piadas da realidade brasileira, mas escolhe recursos "fáceis" para isso.
Na peça, Deus resolve descer à terra para corrigir alguns erros que acredita que os seres humanos estejam cometendo. O maior deles talvez seja a deturpação dos Dez Mandamentos e, por isso, ao lado dos anjos Miguel (Magno Bandarz) e Gabriel (Elder Gattely), resolve apresentar as novas diretrizes comportamentais para os homens.
Entre as propostas estão “Honrarás teus filhos”, “Separar-me-ás do Estado” e “Não me dirás o que devo fazer”. Para cada uma delas, ele busca dar explicações. O problema é que a maioria soa como uma afronta ao bom senso. O Deus de Falabella parece uma versão celestial de Caco Antibes, com seus muitos preconceitos.
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ESTEREÓTIPOS
Tome-se como exemplo a decisão dele de se aproximar do público ao utilizar nomes de bairros do Recife em uma das piadas. Muribeca e Nova Descoberta são os escolhidos e a plateia ri das tiradas. Ao escolher bairros cujo poder aquisitivo é bem menor do que os daquele que podem pagar o alto preço do ingresso para vê-los, Falabella endossa uma característica forte de Caco Antibes: o preconceito contra os mais pobres (em vários momentos da peça isso se repete).
Piadas gordofóbicas também são recorrentes. Outro momento desagradável é o que Deus fala com entusiasmo de desastres naturais, como se fossem brincadeiras de um menino sádico. O que já seria desagradável em qualquer momento, fica ainda mais intragável diante da calamidade pública vivida por Pernambuco devido às chuvas que castigam o estado.
Apesar de apresentar Deus também como um ser falho, cuja "imagem e semelhança" o homem apropria, inclusive nos seus defeitos, ele parece também querer justificar o motivo de seus preconceitos. Ao mesmo tempo, vem com uma contraditória mensagem de aceitação, que dentro do contexto geral da peça, não cola.
Além disso, a montagem peca na falta de ritmo e não engata. A interação de Falabella com os anjos também não convence e há algo de engessado na encenação. Infelizmente, uma oportunidade desperdiçada de tratar de tolerância religiosa e quebra de padrões machistas, misóginos, homofóbicos, gordofóbicos e classicistas.