CRÍTICA

Eduardo Coutinho nas suas conversas finais

Documentário 'Últimas conversas', concluindo após a morte do cineasta, revela não só sua visão da juventude, mas também a beleza do seu modo de olhar as pessoas

Diogo Guedes
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Diogo Guedes
Publicado em 14/05/2015 às 5:43
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Documentário 'Últimas conversas', concluindo após a morte do cineasta, revela não só sua visão da juventude, mas também a beleza do seu modo de olhar as pessoas - FOTO: Divulgação
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O primeiro entrevistado do documentário Últimas conversas é, estranhamente, o seu próprio diretor, Eduardo Coutinho, que faleceu em 2014, antes da conclusão da película. Ele parece incomodado com a posição na frente das câmeras, enquanto confessa a dificuldade de continuar a gravar aquele filme. Na obra, que estreia nesta quinta (14/5) no Recife, no Cinema da Fundação, ele tentava falar com jovens que estudam no terceiro ano (do ensino médio) de colégios do Rio de Janeiro. Já vinha conversando com alguns deles fazia quatro dias, mas não estava satisfeito com o resultado e cogitava desistir do projeto.

Coutinho começa sendo provocado a explicar porque as entrevistas não vão bem. “Jovem vive, mas não tem lembrança”, reclama o diretor. Depois, ele mesmo sugere que talvez tenha dificuldade de amá-los, naquela forma de amor que só um documentarista como ele era capaz de exercer: com a curiosidade pela fala, pelas singularidades e pelos gestos de cada um. Cogita até mudar o rumo do projeto, pensando em falar com crianças - elas, sim, dizem a verdade sem receios.

O desafio de Coutinho, então, parece ser desconstruir a sua expectativa negativa nas entrevistas que ainda ia fazer. Em uma sala azul, com uma porta, o espectador vê jovens entrarem para falar das suas vidas. São figuras mais fechadas do que outros personagens de filmes do diretor: eles precisam ser provocados e, por isso, este é um dos filmes em que Coutinho mais intervém com sua fala. Deixar isso explícito foi, possivelmente, uma decisão acertada do processo de montagem – feito por Jordana Berg e com versão final de João Moreira Salles – da obra.

Com as conversas, que dolorosamente o título lembra que são as últimas do cineasta, o filme busca algo que é sempre uma das forças das obras de Coutinho: rejeitar as ideias gerais (as dele mesmo sobre os jovens) e os tipos prontos, preferindo explorar como são as pessoas, “mergulhadas na contingência da vida”, como ele descreveu na carta-depoimento O olhar no documentário. Uma das belezas do longa é mostrar Coutinho tentando descobrir os sonhos, o passado e as posturas desses estudantes, sempre um pouco retraídos e desconfiados do que fazem ali naquela sala.

Ao mesmo tempo que tem essa força, Últimas conversas é um filme imaginado, é um Coutinho como ele seria visto por dois de seus amigos – e, assim, será sempre um pouco incompleto. Apesar disso, a montagem aproveita as possibilidades de transformar o filme também em uma homenagem ao diretor, mas sem estabelecer um testamento quase oficial, algo que ele odiaria. Há de se admirar a sutileza disso, que deixa o filme acontecer e, em paralelo, nos dá pedaços do cineasta.

Coutinho sempre buscou, como ele mesmo disse (novamente em O olhar no documentário), filmar “sempre o acontecimento único, que nunca houve antes e nunca haverá depois. Mesmo que seja provocado pela câmera. Mesmo que não seja verdade”. O final da película expõe justamente esse enigma tenso entre verdade, ficção e olhar, composto de alegria, assombro e uma triste despedida, em uma dessas cenas avassaladoras que Coutinho soube tanto encontrar – e criar.

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