Dois dias antes de saber que viveria Joana, a controversa heroína da série 3%, Vaneza Oliveira ouviu da mãe um conselho preocupado. “Filha, é melhor a atuação ser só um hobby”. Aos 28 anos, mãe de uma menina de 11, a baiana radicada em São Paulo precisava de estabilidade financeira, conforto que o teatro até então não tinha viabilizado.
Foi um inesperado convite para teste de elenco o sinal que precisava para continuar investindo no sonho. “Um produtor me pediu pra mandar foto e vídeo pra um teste. Eu fui lá sem saber do que se tratava”, relembra Vaneza durante bate-papo realizado no último fim de semana no Recife Geek, prévia da Comic Con Experience Tour Nordeste 2017, sediada no Shopping Center Recife.
Estudante de teatro há quatro anos, Vaneza passou por algumas escolas de interpretação, a exemplo do Teatro Oficina, de José Celso Martinez. Mas foi o teste para participar da primeira produção brasileira original da Netflix que fez da estreia uma vitrine para espectadores de 190 países. Disponível na plataforma de streaming há dois meses, a trama roteirizada por Pedro Aguilera se passa num Brasil 100 anos à frente e dividido entre dois extremos, o Continente e o Maralto. O primeiro, um lugar miserável, sem recursos ou perspectiva de melhora. No outro, comodidade e abundância. Aos 20 anos, todo morador do Continente tem a chance de passar pelo Processo, série de provas que abre as portas do Maralto para apenas 3% dos inscritos. Joana é um dos que tentam a sorte.
O teste de elenco, com jogos parecidos com os do Processo, daria a vaga para interpretar Joana ou um outro personagem. Vaneza só soube que seria uma das protagonistas com o roteiro já em mãos. “Mas me identifiquei com Joana de primeira”, contou, com sorriso no rosto, expressão oposta ao jeito fechado da personagem. “A minha identificação com ela é a de mulher preta que tenta resistir todo dia. Eu sei fazer uma cara ‘ruim’ porque eu ando de ônibus, e se não for assim, alguém vem me ‘encoxar’”, aponta. Para encarnar Joana, ela passou por preparação de um mês, com uma semana exclusivamente dedicada a treinos para as cenas de luta, com um preparador físico. “Me considero um bebê na atuação, estar nesse lugar é muita pressão. E ao mesmo tempo tinha a empolgação de estar no projeto. Foi uma loucura entre felicidade e nervosismo extremos”.
Teoricamente a projeção de um futuro hipotético, 3% faz uma analogia com modelos de hierarquização, meritocracia e classes sociais, a respeito do que Vaneza está atenta.
“Aqui no Recife eu reparei que é tudo muito misturado, mas em São Paulo existe o Maralto e existe o lado cá. A pessoa que mora no Maralto, se quiser, jamais vê pobre durante a vida. A questão do processo seletivo tem a ver com aquele momento em que o mundo cobra o que a gente vai dar pra sociedade. Quando li o texto vi que daria muito certo fora do País também, porque apesar da meritocracia ser um discurso muito brasileiro pra justificar divisões sociais, mundialmente isso também existe”.
Consciente da posição representativa que ocupa, Vaneza se diz feliz por integrar um elenco com maior presença de atores negros, se comparado aos de produções anteriores não muito distantes. “Joana ser negra conta muito no momento em que a gente tá agora, gritando por espaço. Eu adorava quando tinha outra pessoa negra do meu lado. O Michel Gomes (intérprete de Fernando), por exemplo, era um homem negro, numa cadeira de rodas, que não pediu pena em nenhum momento. O Pedro Aguilera trata os personagens de maneira humana. E eu sei que estou ali pela minha capacidade como atriz”, pontua.
SEGUNDA TEMPORADA
A segunda temporada de 3% segue com roteiro e data de estreia em segredo. Por enquanto, a expectativa é que Vaneza e o restante do elenco façam uma nova visita aos fãs recifenses, dessa vez, durante a Comic Con Experience, que acontece entre 13 e 16 de abril, no Centro de Convenções, em Olinda.
CONFIRA TRECHO DO BATE-PAPO COM VANEZA NO RECIFE GEEK
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