Literatura

Casa do Sol foi refúgio criativo de Hilda Hilst

Localizada em Campinas (SP), residência abriga o Instituto Hilda Hilst

Adriana Guarda
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Adriana Guarda
Publicado em 29/03/2015 às 8:18
Frame do documentário/Divulgação
FOTO: Frame do documentário/Divulgação
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Quando chegamos à Casa do Sol, em Campinas (SP), estranho o portão de entrada. Não era aquele que costumava ver nas fotos, com o sol de cerâmica no alto do portal e as iniciais HH desenhadas em ferro. Ouço a explicação de que a histórica entrada foi isolada por conta da nova vizinhança. Na frente do portão vai passar um muro, separando a casa onde a escritora Hilda Hilst viveu por quase 40 anos, de um condomínio de luxo, já em construção.


Ao meu sinal de lamento de que a invasão imobiliária tenha chegado ali, o presidente do Instituto Hilda Hilst (IHH), Daniel Fuentes, responde pragmaticamente: “Fomos nós mesmos que vendemos o terreno à construtora. Era isso ou ver a casa ser leiloada. Um dia após a morte de Hilda (em fevereiro de 2004), já tinha Oficial de Justiça batendo na porta. A dívida de IPTU estava em R$ 3 milhões e os herdeiros queriam se desfazer do espaço”, conta. 

Distante 11 km de Campinas, a Casa do Sol foi uma espécie de “clausura voluntária” para Hilda. Em 1966, a escritora se mudou para lá, deixando para trás o brilho dos salões e as festas da “juventude transviada” na capital paulista. Considerada uma das mulheres mais bonitas da sua época, Hilst despertou muitas paixões. Teve um caso com Vinicius de Moraes e chegou a flertar com Marlon Brandon. Depois de ler o livro Cartas a El Greco, do escritor grego Nikos Kazantzakis, entendeu que era preciso se distanciar das dispersões urbanas para dedicar a vida à literatura. 

A Casa do Sol não significou um isolamento, mas um recolhimento criativo. O espaço sempre funcionou como ‘open house’, recebendo amigos, artistas e intelectuais, que faziam visitas, passavam temporadas e até moravam lá. Os escritores Jose Luis Mora Fuentes, Caio Fernando Abreu e Lygia Fagundes Telles figuraram nessa lista. Amante de Hilda durante um tempo e amigo pelo resto da vida, Mora Fuentes virou inquilino junto com a esposa, a artista plástica Olga Bilenky, e o filho Daniel Fuentes. 

Após a morte de Hilda, a Casa do Sol passou a sediar o IHH. Quando Mora faleceu, em 2009, Daniel assumiu o instituto e herdou os direitos autorias da escritora. O lugar abriga parte do acervo da autora e ainda funciona como residência criativa e espaço cultural. 

“As pessoas me perguntam se a casa está do jeito que Hilda deixou. É claro que não. As ausências transformam os lugares. Ela era uma figura muito exuberante. O que fazemos é lutar para manter o espaço vivo”, assevera Olga. A missão inclui manter o acolhimento de cães abandonados, que Hilda não parava de receber, chegando a ter 90 animais. Hoje, o número se restringe a 10. São vira-latas de muitas mestiçagens, mancos, cegos, com mandíbula defeituosa, mas que ajudam a manter a atmosfera do lugar. 

As visitas não escapam à curiosidade ruidosa dos bichos, que insistem em participar do convívio social. Sempre se abancam à sombra perto das rodas de conversa. “Hilda não quis ter filho com receio de que eles herdassem a esquizofrenia do avô (o poeta Apolônio de Almeida Prado Hilst). Por isso, exercitou a maternidade com os cães”, pondera Daniel.

Doada pela cineasta Gabriela Greeb, Balalaika é o xodó da casa. “Para ela vir correndo é só chamar assim: auuuuuuuuuu”, conta Olga, recebendo o carinho desajeitado da cachorra, que chega suja e molhada depois de uma fuga pela vizinhança. A musicista Renata Caldana, em temporada na casa, é responsável pelo banho coletivo dos cães e se diverte com a marotice da cachorrada. 

Além de espaço criativo, a Casa do Sol também era o lugar onde HH realizava suas experiências sobrenaturais. No jardim de 10 mil metros quadrados (idealizado por Mora), a escritora costumava tentar captar vozes de pessoas mortas. A área verde também é solo de uma centenária figueira, um dos motivos que fez a Senhora H escolher o terreno para construir a residência. Frequentadores da casa contam que ela costumava realizar rituais e fazer pedidos debaixo da “árvore sagrada”. 

REFORMA

Completando 10 anos, o IHH comemora a Ocupação Hilda Hilst, no Itaú Cultural, e a concessão de um patrocínio para a Casa do Sol. O Grupo Itaú está investindo R$ 800 mil para descupinizar o espaço, além de cadastrar e disponibilizar o acervo na internet. “O trabalho começou em janeiro e será concluído em 18 meses.

Apesar de Hilda ter vendido boa parte do seu acervo para a Unicamp, a Casa do Sol ainda abriga as “peças afetivas” da escritora. São 3.500 livros, 4.000 fotos, 150 minutos de gravação em Super 8, 300 horas de material de áudio e inúmeros manuscritos. “Ainda esperamos encontrar material inédito nesses rascunhos”, acredita Daniel. Ao final do trabalho de recuperação do acervo, será inaugurado um espaço batizado de Sala de Memória Casa do Sol, que vai funcionar no antigo quarto de Hilda.

 

Heudes Regis/JC Imagem
Casa do Sol, em Campinas (SP) - Heudes Regis/JC Imagem
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Casa do Sol, em Campinas (SP) - Heudes Regis/JC Imagem
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Casa do Sol, em Campinas (SP) - Heudes Regis/JC Imagem
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Casa do Sol, em Campinas (SP) - Heudes Regis/JC Imagem
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Daniel Fuentes, presidente do Instituto Hilda Hilst, na Casa do Sol - Heudes Regis/JC Imagem
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Figueira centenária é símbolo da Casa do Sol - Heudes Regis/JC Imagem
Casa do Sol, em Campinas (SP) -
Casa do Sol, em Campinas (SP), abriga hoje dez cachorros -
Frame do documentário/Divulgação
Imagem do documentário "Hilda Hilst pede contato" - Frame do documentário/Divulgação
Maurizi Mancioli/Divulgação
Equipe do documentário "Hilda Hilst pede contato" - Maurizi Mancioli/Divulgação

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