Pelos olhos de um público imberbe, a escritora Hilda Hilst sai da sombra e ganha holofotes sobre sua obra. O que diria HH se assistisse hoje à euforia de jovens tentando decifrá-la? Teria que abandonar a reclamação de uma trajetória literária inteira, de que não foi lida. Onze anos após sua morte, a obra de Hilda vive uma espécie de reavivamento. A fama de impenetrável vai se esvaindo com sua penetração cada vez mais crescente no mercado editorial e na academia. Na prateleira, novas edições de livros, títulos inéditos, filmes e peças de teatro tentam espantar o medo de Hilda Hilst.
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“Até a Globo Livros decidir editar a obra completa, os livros de HH tinham pouca circulação. Era uma obra quase marginal, editada artesanalmente por amigos e pequenas editoras”, observa Alcir Pécora, professor de Literatura da Universidade Estadual de Campinas e editor da obra de HH pela Globo Livros, entre 2001 e 2008. “Também faltava um vocabulário crítico competente, que ajudasse a introduzir o leitor no universo da autora. A edição de 20 volumes com sua produção completa (40 títulos) contribuiu para aumentar sua penetração na universidade, mudando o discurso dentro da literatura brasileira. Até então, a academia estava centrada no modernismo paulista. E a obra de Hilda não cabia nessa perspectiva porque ela é radical, anárquica e libertária.”
A sedução do leitor jovem também é explicada pelos temas obscenos, que estão presentes não só na trilogia pornográfica (O caderno rosa de Lori Lamby, Contos d’escárnio: textos grotescos e Cartas de um sedutor, mas também no núcleo da obra. “A página do Instituto Hilda Hilst (IHH) tem mais de 40 mil seguidores no Facebook. Entre eles, 70% são pessoas com menos de 30 anos e 65% são mulheres”, diz o presidente do IHH e herdeiro dos direitos autorais da escritora, Daniel Fuentes. No intervalo de um ano (de abril de 2013 a abril de 2014), a participação de HH no mercado editorial dobrou e as vendas saíram de um patamar de R$ 30 mil para R$ 100 mil por trimestre.
Nos anos 1990, Hilda anunciou que abandonaria a “literatura séria” e começaria a escrever pornografia para tentar se aproximar do público. Numa conversa provocativa com o professor Jorge Coli, ela brincou: “já que não consigo vender meus livros, quero escrever história de sacanagem para caminhoneiros baterem punheta”, disse, às gargalhadas. “Apesar desse discurso, a literatura dita pornográfica de Hilda também está repleta de erudição”, avalia Pécora. Os livros trazem intertextualidade com escritores como Georges Bataille e D.H. Lawrence, referências nas discussões sobre erotismo.
Polêmica quando foi lançada, a Trilogia obscena foi reeditada este ano no livro Pornô Chic, com selo da Biblioteca Azul. Também pelo mesmo selo saiu o livro de entrevistas Fico besta quando me entendem. Esses dois títulos fazem parte de um novo movimento de edição da obra de Hilda. O primeiro, com Alcir Pécora, serviu para tornar a obra disponível aos leitores.
“Quando sentimos que a missão estava cumprida, começamos a pensar em obras que chamassem mais público, que atraíssem leitores com ainda algum medo, mas também com curiosidade por Hilda. Assim, concebemos livros mais atraentes, ilustrados, divertidos”, destaca a editora responsável pelos livros de HH, Ana Lima Cecílio. E não vai parar por aí. Está no prelo o livro Cartas aos Pósteros, com previsão de lançamento para o segundo semestre. O título traz parte da correspondência trocada entre Hilda e o amigo e escritor espanhol, Jose Luis Mora Fuentes.
“Ainda estamos elaborando o livro, estudando as cartas. O processo é bastante delicado, desde a decifração das caligrafias até a escolha do que é interessante para o leitor. São cartas entre amigos muito próximos, que falam de banalidades, de sonhos, de criação literária”, adianta Ana. A previsão é que também seja lançada a primeira biografia da escritora, mas a editora mantém segredo.