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Os 90 anos de Gabriel García Márquez por seus leitores-escritores

Prêmio Nobel de Literatura, Gabriel García Márquez lançava há 50 anos o clássico Cem Anos de Solidão

Marcelo Pereira
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Marcelo Pereira
Publicado em 05/03/2017 às 10:41
AFP
Prêmio Nobel de Literatura, Gabriel García Márquez lançava há 50 anos o clássico Cem Anos de Solidão - FOTO: AFP
Leitura:

Muitos anos depois, diante da exigência de se evocar a efeméride de 90 anos de nascimento de Gabriel José García Márquez, naquela ainda então desconhecida Aracataca, no departamento de Magdalena, Colômbia, os leitores das aventuras do Coronel Aureliano Buendía haviam de recordar aquela tarde, ou seria manhã ou noite remota, em que eles leram pela primeira vez os encantos de Cem Anos de Solidão, obra que consagrou o homenageado.

Foram convocados nove autores pernambucanos natos ou convertidos, quase todos eles dedicados à prosa, independente de gênero, e poetas à sua maneira de escrever poeticamente. Eles revelam suas leituras de Gabo e a importância de Cem Anos de Solidão, cujo cinquentenário se comemora neste 2017 para suas formações como escritores.

García Márquez, Gabo ou Gabito, como era chamado na infância, viu o mundo com uma lente de aumento do realismo fantástico em suas obras de ficção, mas tinha o olhar arguto do jornalista militante e a coragem do ativista que não tinha medo de assumir suas posições políticas. Ao ganhar o Prêmio Nobel de Literatura em 1982, Gabo já era uma das maiores expressões da literatura em língua espanhola e da América Latina. Além do clássico Cem Anos de Solidão, havia escrito Ninguém Escreve ao Coronel, Outono do Patriarca, Olhos de Cão Azul e Crônica de uma Morte Anunciada. Daria ainda aos leitores, depois do Nobel, O Amor nos Tempos do Cólera e O General em seu Labirinto, entre outras.

"Escrevo para que meus amigos me amem ainda mais", dizia Gabo, um escritor que acreditava que "a técnica e a linguagem são instrumentos determinados pelo tema de um livro". García Márquez morreu aos 87 anos, na Cidade do México, vítima de câncer.

MACONDO

“Macondo já era um pavoroso redemoinho de poeira e escombros centrifugados pela cólera do furacão bíblico quando Aureliano pulou onze páginas para não perder tempo em fatos demasiado conhecidos e começou a decifrar a última página dos pergaminhos, como se estivesse se vendo num espelho falado. Então deu outro salto para se antecipar às predições e averiguar a data e as circunstâncias de sua morte. Porém, antes de chegar ao verso final já havia compreendido que não sairia jamais daquele quarto, pois estava previsto que a cidade dos espelhos (ou das miragens) seria arrasada pelo vento e desterrada da memória dos homens no instante em que Aureliano Babilônia acabasse de decifrar os pergaminhos, e que tudo estava escrito neles era irrepetível desde sempre e para sempre, porque as estirpes condenadas a cem anos de solidão não tinham uma segunda chance sobre a terra”  

Cem anos de Solidão, Gabriel García Márquez, tradução Eric Nepomuceno

GABO PELOS SEUS LEITORES-ESCRITORES

Pablo Neruda sentenciou: “Cem anos de Solidão”, de Gabriel Garcia Marquez, é o livro mais importante depois do “Dom Quixote”, de Cervantes . Esta declaração caiu como um terremoto sobre a literatura universal no final dos anos sessenta. O autor, conhecido apenas dos intelectuais de esquerda na América Latina, atraiu a atenção da crítica e das academias do mundo inteiro, debruçando-se sobre o romance que, a princípio, seria apenas a narrativa  de Gabo sobre sua família e que se transformou na  mais aguda reflexão sobre O Continente, além das imensas qualidades técnicas. 

Raimundo Carrero, vencedor do Prêmio Machado de Assis e do Prêmio São Paulo de Literatura 2010, por Minha Alma é Irmã de Deus

 

Começo meu curso citando “Cem Anos...”: e mostro o quanto, já no primeiro parágrafo, estamos diante do limite humano: a guerra, o fim. Mas lá está Buendía, para sempre diante do pelotão, pensando no gelo, no pai – e não na morte. A partir daí, só o abismo do pasfutupresentetorosado, aonde nos empurra GGM, nessa sua ainda não superada mitologia, que serve para ele, para nós, para toda a América Latina: “O mundo era tão recente que muitas coisas careciam de nome e para mencioná-las havia que apontá-las com o dedo.” As colunas dessa cosmogonia são crimes (com e sem culpas), paixões (e isso descamba para sexo, incestos, e há poesia nisso, quando se lê), História e, sobretudo, imaginação – o que murchou nos escritores de hoje –, essa força colossal que há em GGM,e por isso ele faz falta. Calma. Estamos ainda nas dez primeiras páginas. Siga lendo. Não falo em lições de literatura, que isso é bobagem. “Cem anos...” é sobre a vida. E não sobre a morte. Por isso o Aureliano Buendía ignora os carrascos. E este final, meu deus: o único possível: aqui se descobre o quanto os Buendía, nem ninguém, pode fugir a seu destino. “Cem anos...” é sobre a vida, que devia ter sido – e foi. Eis a tragédia humana. Nada pode nos salvar dessa tão devastadora solidão.

Sidney Rocha, vencedor do  Prêmio Jabuti 2011, por O Destino das Metáforas

 

Macondo é o mundo, a América Latina empobrecida de Aureliano e Úrsula. Nessa história que vai do pequeno ao grande e, por isso, universal, a atmosfera mítica revela o real através do mágico. A chuva é uma entre mil referências da bíblia, e esse dilúvio que não cessa, torna a tudo impreciso, como uma boa história requer. A solidão é do tamanho do Sertão de Guimarães Rosa; são metáforas do humano. São imensos, inescrutáveis.  Como um livro tão bom, pode vender tanto? Isso me faz pensar em Mozart, na complexidade que não é hermetismo. Cem Anos de Solidão se inscreve entre aqueles livros que nos contaram uma grande história, que lemos durante a vida toda e sempre é um clássico a nos dizer algo novo e a também nos dizer que o leitor é inteligente e cabe a ele relevância no processo criativo.

Micheliny Verunschk, escritora:

Li García Márquez ali entre os 18, 20 anos. Foi uma descoberta, um encontro. Me impressionou que o real maravilhoso, aquele vivido e ouvido no cotidiano, pudesse sair da vida e entrar na página. É um dos autores fundamentais para a compreensão dos territórios barrocos e mestiços da América Latina. Destaco Cem Anos de Solidão e Do Amor e seus Demônios, este último (junto com Os Funerais de Mamãe Grande) foi imprescindível para mim na composição do meu primeiro romance, Nossa Teresa - Vida e Morte de uma Santa Suicida, e da minha tese de doutorado em Comunicação e Semiótica.

Nivaldo Tenório, autor de Dias de Febre na Cabeça

Conheci "Pedro Páramo" antes de "Cem anos de solidão". Enveredo por Macondo (e 'há cem anos chove em Macondo'), impregnado dá secura de Comala. Não chego ao Gabo como tiete, portanto; chego reticente. E que surpresa! Esfacelou a desconfiança. Admiro o pacto que García Márquez estabelece com o leitor -- a beleza mesmo de sua prosa, a delícia de sua escrita. Há ali um imenso contador de histórias, um sedutor de leitores. A mescla perfeita de emoção e reflexão: é o que se espera da Literatura: a alta.

Mário Rodrigues, vencedor do Prêmio Sesc de Literatura 2015, por Receita para se Fazer um Monstro

 

 

Para quem busca a literatura via o jornalismo na América Latina, García Márquez é inspiração dupla, pela biografia e produção literária. Em tempos sombrios como os atuais, um norte para os que através do ofício da arte, têm o dever de fazer política, pois a liberdade não é um exercício apenas de prosa ou poesia, mas da vida real. Esteticamente, o realismo fantástico de Gabo e da geração dele contaminou o jeito que venho escrevendo, pois só a fantasia pode dar conta da aridez do real.

Renata Pimentel, poeta:

Sobre o senhor Gabo e eu? Comecei o fascínio ainda adolescente, pelo que deste escritor colombiano se falava, demasiado, sem o haver lido ainda, mas já tomada pelo hábito de ler iniciado desde muito infante nas visitas regulares das manhãs de sábado à livraria Livro 7, espaço lendário/ verdadeiro templo de escritores, estudantes, leitores de toda sorte na cidade de Recife... E só se falava no romance Cem Anos de Solidão... Só que minha mania era ir lendo vários títulos até um me atingir em cheio na intriga. E foi Olhos de Cão Azul, então, minha primeira experiência de leitura de Gabriel García Marques. Uma coletânea de contos, mas já muito engenhosamente interligados, produção dos tempos de juventude do autor (entre 1947 e 1955) – quando ainda não célebre – e que versam todos sobre o tema da morte. Aqui encontrei um escritor lunar, um tanto melancólico mas muito poético que já se imprimiu em meu DNA... Em seguida, li Crônica de uma Morte Anunciada, que me fascinou de tão visual e cinematográfico, em sua escrita de trás pra frente e cheia de antecipações... Comecei a ver um Gabo dramaturgo, roteirista, poeta de imagens em prosa. Enfim, chegou a vez de ler o tão recomendado Cem Anos de Solidão. Julgava já estar um pouco preparada para esta suposta obra-prima, por ter lido outros dois produtos deste escritor. E foi novo alumbramento, de fato, encontrar aquela saga de um espaço mítico/místico, uma Macondo onde eu reencontrava Lewis Carroll e sua Alice, onde eu reconhecia laivos das minhas constantes leituras das aventuras lobateanas do Sítio do Picapau Amarelo, reconectando real e fantasia na saga dos Buendía. Tornou-se leitura à qual retornei/retorno por diversas vezes... E seguiram-se tantos outros títulos: Ninguém Escreve ao Coronel; O Amor nos Tempos do Cólera... Enfim, Gabo, de fato, desde sua entrada em meu imaginário de leitora e ser vivente ecoa e ecoou imagens, poesia, espaço onírico e lucidez em uma América Latina que nos irmana barrocamente.


Álvaro Filho, vencedor do prêmio Pernambuco 2016, por Curso de Escrita de Romance - nível 2

 

"Ouvi o italiano Maurizio Maggianni dizer, um dia, que havia desistido da Literatura por causa das exigências engessantes da crítica acadêmica, mas que voltou a escrever quando leu a tradução de 'Grande Sertão: Veredas'. A obra de Rosa e o 'Cem anos de solidão' são marcos da literatura livre das amarras dos delírios teóricos, capazes de alcançar o dificílimo equilíbrio entre alta realização estética e sedução do leitor. É mais fácil agradar o stablishment. Gabo foi importante sobretudo por devolver-nos o prazer de ler."    

Homero Fonseca, autor de Roliúde, tema do enredo da Escola de Samba Colorado do Brás, de São Paulo

 

"Precisamos parar de uma vez por todas com essa história de dizer que o Garcia Marques inventou o Realismo Mágico, que Kafka introduziu o absurdo na Literatura porque tudo começou, de fato, na Bíblia, com a cobra falante; pois se uma cobra pode falar então tudo é possível; isso também é citado pelo Murilo Rubião e para mim é o que realmente faz sentido; mas decerto Cem Anos de Solidão, assim como o Avalovara, de Osman Lins, são criações absolutamente geniais e imprescindíveis, não superadas até hoje.

Walther Moreira Santos, vencedor do Prêmio Pernambuco de Literatura 2016 (Contos, Zona da Mata), por Todas as Coisas Sem Nome


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