Se a realidade é sempre maior e mais urgente que a ficção, a ficção sempre nos parecerá mais sedutora no ponto em que o real, esta força nem sempre lógica, quase nunca caberá na forma que mais gostamos de empreender nossas narrativas. Tão logo se propôs a biografar a artista Tereza Costa Rêgo, 19 anos atrás, o jornalista e escritor Inácio França percebeu: a realidade seria pouco para dar conta de uma vida cheia de capítulos tão romanescos.
“Em Olinda, eu passei a conviver mais com Tereza, e percebi que, entre as histórias que ela me contava e a verdade, as histórias eram muito melhores que a realidade. Tinha feito algumas entrevistas e gravações com o propósito de escrever o perfil biográfico de Tereza Costa Rêgo e decidi não usar”, diz o escritor que, dois anos depois de começar a se debruçar com mais disciplina sobre as memórias da artista, as reprocessa e recria no romance curto Terezas (Editora Confraria do Vento), que é lançado hoje, às 19h, na Casa 12, em Casa Forte.
Em cerca de 144 páginas, o autor solta a mão para recriar, como acha de deveria ou poderia ter sido, alguns dos capítulos mais contundentes da vida de Tereza Costa Rêgo do período imediatamente anterior ao golpe militar de 1964 até a anistia de 1979 – o ano em que a artista volta do exílio para viver com o também ex-exilado Diógenes Arruda e, numa curva inesperada da vida, é obrigada a se reinventar.
“A novela nasceu porque reduzir suas narrativas a um material jornalístico não daria conta da intensidade e multiplicidade de sua vida”, diz França, leitor entusiasmado e, agora, produtor de romance curto. “De dois anos para cá, com estímulo de Samarone Lima e Raimundo Carrero, eu comecei a escrever e já pensava nesse formato de romance curto, de novela. Nessa sociedade midiática e da internet ultrarresponsiva, se você quiser ganhar alguem para te ler, tem que ser com coisas mais curtas. É um formato que não sacia, não cansa. O leitor vai sair do livro com vontade de mais. De querer, por exemplo, ler o livro de Bruno Albertim”, diz França (nota da redação: este repórter do JC finaliza um livro biográfico sobre Tereza Costa Rêgo que deve ser lançado em breve pela Cepe Editora).
Quando se encontrava com sua personagem, Inácio França acabava por trocar o gravador por uma garrafa de vinho, uma espécie de catalizador para que as memórias e impressões do autor e da perfilada se confundissem. A partir daí, surgiram novos nomes, situações, personagens. “Recriei ou imaginei vários momentos da vida delas, como os anos vividos em Paris, as viagens à China e mesmo o momento de abertura do livro, quando Tereza decide se tornar a mulher que virou”, conta o autor.
HISTÓRICA
Com um estilo ágil, iluminado por alguns lances poéticos, Inácio França não se prende ao didatismo jornalístico, mas não deixa de oferecer informação biográfica e histórica. Quando como, por exemplo, descreve como o comunista Diógenes Arruda morrera ao lado de Tereza justamente quando ambos se dirigiam a uma recepção pública a João Amazonas recém-chegado do exílio. A partir daí, eles organizariam, finalmente, a vida a dois em liberdade, de novo, no Brasil.
Leia Também
“No momento do primeiro contato com aqueles que ficaram no Brasil, era de bom tom que o lendário dirigente não parecesse antipático, já bastava ser tão escasso de sorrisos. Esta última tarefa, Arruda não cumpriria. O infarto o matou ali mesmo, enquanto esperava a única mala que havia levado do Rio para São Paulo”, escreve Inácio, sobre a morte do líder político que deixou a política brasileira perplexa e transformou de vez a vida de Tereza. Subitamente viúva, ela decidiu: a partir dali, seria apenas ela, uma mulher e sua arte.
Lançamento de Terezas – hoje, às 19h, na Casa 12 (Rua Silvino Lopes, 12, Casa Forte). Preço de capa: R$ 45.