Com um dos mais curtos – e mais famosos – poemas do modernismo brasileira é que começa o icônico e raro livro Primeiro Caderno do Alumno de Poesia Oswald de Andrade: “Amor/ Humor”. Pode parecer um rompimento corriqueiro hoje, na época das piadas em tuítes, mas era uma verdadeira declaração de princípios (e de guerra) em uma época da poesia empolada, com os resquícios do parnasianismo e modernismo.
Publicado em 1927, Primeiro Caderno era mais do que um volume da poesia anárquica, séria no seu princípio de desmontar a seriedade. Com desenhos do próprio autor e projeto gráfico e capa de Tarsila do Amaral, foi uma pequena preciosidade gráfica, com 299 exemplares de tiragem. O livro está nas obras completas de Oswald, mas agora a Companhia das Letras produziu uma bonita edição fac-símile da obra, acrescida com textos críticos de Augusto de Campos e Manuel da Costa Pinto.
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A deliciosa poética de Oswald está lá, em uma visão (só aparentemente) ingênua da infância e da formação do Brasil. Os versos, aqui, se confundem com o humor porque é da potência da comicidade que o autor paulista está falando, como em Velhice: “O netinho jogou os óculos/ Na latrina”. No icônico poema Brasil, Zé Pereira desce de uma caravela, encontra um guarani e um negro, e: “Canhem Babá Canhem Babá Cum Cum!/ E fizeram o Carnaval”.
AUGUSTO DE CAMPOS
Para Augusto de Campos, Primeiro Caderno é ainda mais importante do que o primeiro livro de Oswald, Pau Brasil, porque traz um novo aspecto. É, segundo ele, “possivelmente o mais belo livro de poesia de nosso modernismo”. “O mais belo enquanto conjunto coerente de poemas, enquanto risco e ousadia de linguagem, enquanto concepção plástica e material do livro”, continua.
É esse pioneirismo da junção da ilustração com a poesia, em uma espécie de livro de artista antes do tempo, que o fascina. Sua definição é a de que se trata de um “livro livre”. Não é só isso, no entanto: os poemas aparentemente bobos e cômicos de Primeiro Caderno são uma “deslavagem cerebral”, um “grau zero da escrita”.
Manuel da Costa Pinto ressalta o caleidoscópio de ready-made que é o livro, uma construção poética da “infância do sujeito lírico e do país”, repleta do método antimétodo de Oswald. O crítico aponta que ele “condensa imagens contrastantes de inocência e despudor, sentimentalismo nativista e calculismo pecuniário, idílio racial e degradação colonial – ironizando assim a ingenuidade cifrada na dicção infantil e na patriotada de poemas que anunciam (mas não entregam) temas cívicos”. Para inventar o seu Brasil, Oswald precisava ser aberto para tudo, mas a ingenuidade é uma ilusão: como bom antropófago, ele só está preparando o bote para engolir tudo e se transformar em algo diferente, singular.