Lançamento

Novo disco de Criolo reflete sobre temas atuais

Foram mais de duas décadas de correria no rap um papel fundamental na criação da Rinha dos MCs

Giovanna Torreão
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Giovanna Torreão
Publicado em 04/11/2014 às 9:53
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Foram mais de duas décadas de correria no rap um papel fundamental na criação da Rinha dos MCs - FOTO: Foto: Reprodução/Internet
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“Chega o Natal, mas não chega o dia 3 de novembro, moleque.” Embora fale com muita serenidade sobre seu novo álbum, ouvido pelo jornal O Estado de S.Paulo em primeira mão, Criolo deixa transparecer certa ansiedade em relação a Convoque Seu Buda, lançado na noite dessa segunda-feira, 3, em três formatos, CD, LP e digital pelo selo independente Oloko Records.

Expectativa natural, se levada em conta a trajetória de Kleber Gomes, de 39 anos. Foram mais de duas décadas de correria no rap um papel fundamental na criação da Rinha dos MCs, uma quase desistência da carreira antes de lançar o primeiro disco, Ainda Há Tempo (2006), com pouca repercussão para além de amantes do rap, até o lançamento do segundo álbum, Nó na Orelha (2010).

O disco, produzido por Daniel Ganjaman e Marcelo Cabral, teve mais de um milhão de downloads oficiais (mais outros milhões de visualizações no YouTube) e projetou Criolo nacional e internacionalmente, com mais de 400 shows, turnês pelo exterior e prêmios. Além disso, fez com que ele fosse abraçado por grandes nomes da chamada MPB, como Chico, Caetano, Ney Matogrosso, Tom Zé e Milton Nascimento, e a lenda do jazz, Mulatu Astatke.

Gravado entre julho e setembro no estúdio El Rocha, em Pinheiros mixado por Mario Caldato Jr. e masterizado por Robert Carranza, em Los Angeles, Convoque Seu Buda contou novamente com a produção de Ganjaman e Cabral. O álbum foi realizado com apoio do Programa de Ação Cultural da Secretaria de Estado da Cultura e teve patrocínio da Petrobrás. Além de sair no Brasil, o disco será lançado simultaneamente na Europa (Sterns Music) e nos EUA (Circular Moves). 

Com direção de arte por Denis Cisma e projeto gráfico de Lucas Rampazzo, o álbum tem na capa uma colagem criada com base em obras do museu holandês Rijksmuseum, que disponibilizou mais de 125 mil trabalhos em licença Creative Commons.

Pelo acontecimento que foi Nó na Orelha, as comparações entre o disco de 2010 e o mais recente são inevitáveis. Naturalmente, há algumas similaridades entre os dois álbuns, mas o amálgama formado pelos textos de Criolo, as proposições musicais de Cabral e Ganjaman, a interpretação e a liberdade criativa da banda resultam ainda mais “redondos” e maduros em Convoque Seu Buda.

“Essa convocação é por enxergar que todas as pessoas carregam algo positivo. Chama essa boa energia porque a vida está difícil”, diz Criolo sobre o título do disco. “Vai chegar num ponto em que não vai ter volta, e vai ser guerra, mais ainda do que já tá rolando.”

O disco traz novamente uma diversidade de gêneros, sempre com o rap como eixo central. Há, outra vez, um reggae, Pé de Breque, feito antes mesmo de Nó na Orelha, e um samba, Fermento pra Massa, sobre uma manifestação que fez com que a cidade parasse e o padeiro não conseguisse chegar ao trabalho.

Assim como em Fermento pra Massa, com participação de Verônica Ferriani no coro, (e em todo Nó na Orelha), Criolo usa seu vasto repertório de analogias e citações/referências (Black Alien, Ferréz, Sartre, Nietzsche, Sabotage, Rodrigo Ogi, Perrenoud, Piaget, Padre Cícero, Edi Rock, entre outros) para versar sobre temas extremamente atuais.

Na faixa que abre e batiza o disco, ele fala sobre as desocupações no centro de São Paulo (“Convoque seu buda, o clima tá tenso/ Mandaram avisar que vão torrar o Centro”), sobre manifestações (“Uns cara que cola pra ver se cata mina/ Umas minas que cola e atrapalha ativista”) e sobre um ativismo de apartamento (“Mudar o mundo do sofá da sala, postar no Insta/ E se a maconha for da boa, que se f... ideologia”).

“Se você pegar como referência sonhos, tá todo mundo vivendo de migalha, para um ou outro existe uma energia cósmica que auxilia mas ele também sabe que tem que ser pra todo mundo. Como assim alguém tem que nascer pra ser oprimido? Nasceram as crianças, você vai olhando: esse aqui nasceu pra ser opressor, esse aqui nasceu pra ser oprimido, está quase faltando colocar isso na fitinha lá quando a criança nasce”, critica Criolo.

Ao longo do álbum, outros temas são abordados, como “Em frente a shoppings marcar rolezinz/ Debater sobre cotas, copas e afins”. O estímulo a uma sociedade consumista, por exemplo, é criticado em Esquiva da Esgrima (“Hoje não tem boca pra se beijar/ Não tem alma pra se lavar/ Não tem vida pra se viver/ Mas tem dinheiro para se contar”) e na ironia fina de Cartão de Visita (“O governo estimula e o consumo acontece/ Mamãe de todo mal, a ignorância só cresce/ FGV me ajude nessa prece/ O salário mínimo com base no Dieese”).

Nesta faixa, que tem participação de Tulipa Ruiz no refrão, Criolo cita jovens que souberam se destacar na atual geração alimentada pelo consumismo, como MC Lon, expoente do funk ostentação, e Thassia, it girl que tem um blog de moda teen. Mais: na mesma canção, Criolo emenda os seguintes versos “A alma flutua leite, a criança quer beber/ Lázaro, alguém nos ajude a entender”, em referência a uma entrevista dada por ele ao apresentador e ator Lázaro Ramos e que virou meme na internet com piadas sobre o discurso intrincado de Criolo.

Outra canção, Casa de Papelão, critica a expulsão de moradores de rua e viciados em crack no centro de SP para dar lugar à expansão imobiliária (“Prédios vão se erguer/ E o glamour vai colher corpos na multidão”). Outros destaques do disco são Plano de Voo, com a participação do rapper Neto, do projeto Síntese, e Fio de Prumo, com voz de Juçara Marçal na canção Padê Onã, de Douglas Germano.

O disco, que será lançado em shows em SP (13, 14, 15 e 16/11), Rio (21/11), Belo Horizonte (22/11), Porto Alegre (3 e 4/12), Caxias do Sul (5/12), Curitiba (6/12) e Cuiabá (20/12), teve participação em três faixas de Thiago França, que ainda assinou os arranjos de metais de Casa de Papelão. Convoque Seu Buda teve ainda participação de Money Mark (clavinete), produtor colaborador dos Beastie Boys, na faixa Fio de Prumo.

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