“Em Cajueiro parece que todo dia é domingo. Você só escuta os grilos”, diz Daniel Silva, feliz com o silêncio do bairro da Zona Norte do Recife. Ele vive com a esposa e o filho pequeno em um charmoso duplex. Quem passa em frente nem imagina que está diante de um fábrica de hits. É em um estúdio montado num quartinho daquela casa que nascem alguns dos maiores sucessos do brega pernambucano e que fazem milhares de pessoas dançar todos os fins de semana.
Daniel Joaquim da Silva é Dany Bala, um dos produtores musicais mais conhecidos do brega e um dos mais procurados do Recife. Aos 30 anos, ele acumula, só em seu canal, 184 mil visualizações e já gravou mais de 2 mil músicas – do brega ao gospel, passando até por músicas infantis.
Multi-instrumentista, Daniel começou a carreira tocando em bandas bem conhecidas na região, como Swing do Pará, Frutos do Amor, Tsunami e Vício Louco. Aos poucos, foi se arriscando na produção, aprendendo mais sobre software de áudio. “Comecei a gravar no computador antigo, com aquelas telas de tubo, na casa de um amigo meu”, conta. Em 2009, fez a primeira música: Ingratidão, da banda Vida Louca – uma versão de Halo, de Beyoncé.
Fixou-se como produtor tempos depois, quando um amigo que trabalhava num estúdio de Santo Amaro o chamou para concluir a gravação de duas músicas, uma do MC Ninja e outra de Metal e Cego. “Eu trabalhava como locutor no Hiper Bompreço, mas fui demitido porque não sabia pronunciar o nome dos produtos em inglês. Cheguei em casa e minha mãe ficou reclamando: ‘Você perdeu o emprego, você perdeu o emprego!’. Aí o cara que trabalhava lá no estúdio me disse que tinha as músicas para terminar, porque o menino que estava fazendo deixou elas no meio”. Só tinha um problema: os MCs já haviam pago a gravação. Daniel teve que trabalhar de graça. “Eu não tava fazendo nada mesmo, era melhor do que ficar em casa escutando grito”, ri.
Mesmo sem receber, valeu a pena. Daquelas gravações saiu Hidromassagem, um hit de Metal e Cego. Satisfeitos com o resultado, a dupla de MCs retornou a Daniel com uma nova música: Posição da Rã, que estourou em todo o Nordeste em 2011 e causou uma reviravolta na vida do produtor iniciante.
“Aí pronto: boom! Foi um monte de neguinho doido, indo no estúdio. Eu dormia pra trabalhar e acordava pra trabalhar”, relembra. “Essa música foi pro Gugu, foi pro Faustão, pra tudo que você imaginar de rede nacional. Na época, Reginho tava fazendo sucesso com aquela Minha Mulher Não Deixa, Não e tava virado nos programas nacionais. E ele regravou a música”, explica. A faixa também entrou no repertório de bandas de forró como Aviões e os carrinhos de CD pirata tocavam Posição da Rã em todos os cantos da cidade.
Daniel então ficou conhecido no meio como Daniel do Estúdio e passou a colecionar hits com os MCs Metal e Troia (Bebê Sem Touca), Dread e Afala e Case (Vem Com o Peito), Dadá Boladão (Joga Sujo e Revoltada), MCs Menor e Tocha (Devassa). Às vezes “tira uma braba” cantando, como em Ado Ado, com os MCs Vertinho e Meta Safadão. Também já integrou a banda de quase todos estes MCs – atualmente ele toca teclado na banda de Sheldon Férrer. O apelido lhe foi dado pelo MC Shevchenko, da dupla com Elloco. “A gente tava no estúdio gravando e ele falou: ‘É Dany Bala, boy! Só solta bala!’. E assim ficou Dany Bala”.
Há 15 anos vivendo do brega, o som que Dany Bala gosta, curiosamente, não tem nada a ver com o estilo. “Trabalho com brega e acabei me fazendo nele, mas não é algo que eu paro para escutar em casa. Quando comecei a aprender violão, foi escutando MPB e rock nacional”, diz, citando Queen, Coldplay, Ira!, Engenheiros do Hawaii, Ultraje a Rigor e Legião Urbana entre suas preferências. “Um lugar que eu ia muito, que rolava rock, era no Recife Antigo, o Sushi Digital, só que um belo dia eu fui lá e tava rolando DJ Val com as melhores do brega antigo”.
O gosto pelo rock só transpareceu no seu trabalho uma vez: Ela se Achou, de Shevchenko e Elloco com Os Abusados. É um brega hiperacelerado que sampleia o icônico riff de (I Can’t Get No) Satisfaction e ainda tem uma inusitada levada de forró. “Você tem que ser criativo. Já misturei brega com rap, com funk, com forró, com axé. Muitas músicas que gravei de Shevchenko e Elloco, Metal e Cego. Teve música que misturei brega com pé de serra”, diz mencionando Dose Dupla, dos MCs Afala e Case.
Dany Bala faz questão de salientar que é um produtor musical, e não DJ. Ele cobra R$ 300 por música e faz duas delas por dia numa rotina de trabalho que vai de segunda a sexta-feira, além dos shows com Sheldon no fim de semana, onde recebe R$ 3 mil por mês. É uma realidade bem diferente dos badalados funkeiros de São Paulo e Rio de Janeiro. Conhecido por Deu Onda (MC G15) e Tumbalatum (MC Kevinho), o DJ Jorgin, por exemplo, cobra até R$ 3 mil por uma só faixa. “O funk é só isso, ó”, diz Bala, mostrando uma batida arquetípica do gênero em seu teclado. “É só isso. Agora que eles estão começando a botar um swing, misturar com as coisas que a gente tem aqui. Queria eu estar nesse mercado. Quanto o DJ Perera ganha?”.
Para ele, o brega é o som da periferia e não morrerá, mesmo que MCs sigam novas tendências – como Troinha e Tocha, que estão experimentando as batidas do arrocha. “Não tem como o brega acabar. A gente teve aqui época de samba, aqueles pagodinho, swingueira... E o brega sempre teve ali, ele nunca acaba. É um movimento que abraça tanto. Não precisa de muito pra você entrar. Agora tem arrocha, tá todo mundo voltado pro arrocha. Só que isso daqui a pouco vai embora. E o brega tá ali, ele não para. Às vezes tem gente de banda que reclama que deturparam o brega, que o brega não é isso, que o brega é aquele romantismo. Só que é importante a gente lembrar que desde sempre tinha o romântico e o tecnobrega. O tecnobrega sumiu e entrou o bregafunk. Só fez trocar. O bregafunk só fez acelerar a batida de brega antiga”.
Enquanto nos recebia, Dany Bala trabalhava na música de Gabi, MC de 18 anos que estava em busca de preencher um espaço do bregafunk: “Tem pouca mulher”, comenta. Aquela era sua primeira gravação. Após um teste para aquecer, gravou a música em um único take. Sob recomendação do produtor, só precisou regravar a sua vinheta (“É a Gabi, intensamente assim”).
Foram cerca de cinco horas fazendo os arranjos e cinco minutos para matar os vocais. “Eu trabalho como se tivesse vendo as mulheres dançando. Não faço mais música pensando em batida, não faço mais pensando em letra. O cara colocou a voz guia ali, eu tô pensando só nelas dançando, pra ver elas fazendo passinho. O que a gente vê no Instagram é só isso, as bichinhas dançando”. Gabi elogia: “Ele é o melhor que tem”.
Bala faz os últimos ajustes, põe uns efeitos e masteriza. A música está pronta. A mãe de Gabi paga os R$ 300 da sessão, Bala anota no caderno de contas e envia a música e o respectivo playback para a cliente através do WhatsApp. Daqui a alguns meses, este pode ser o novo sucesso da cena musical mais popular do Estado.
'BREGA É CULTURA, SIM!
“De 10 shows que eu faço com Sheldon, nove são na Zona Sul. Semana retrasada a gente tocou numa festa de 15 anos. Era gente rica! Rica! Cantavam todas as músicas. Todas!”, diz Bala, enfatizando que o brega rompeu barreiras sociais.
Mas e o preconceito? “O preconceito não é com o ritmo. É de onde ele vem, quem faz, quem pratica. O preconceito não é com o brega, é com o bregueiro. Talvez por ter vindo da periferia”, argumenta.
Bala estava na sessão da Assembleia Legislativa que aprovou, em primeira discussão, a lei que torna o brega expressão genuinamente pernambucana. A proposta incluiria o ritmo em grandes eventos culturais contratados pelo Estado. Mas ele não tem uma visão tão otimista da proposta. “Não muda nada. Sabe o que vai acontecer? Vai chegar época de festa e o máximo de brega que vou ver lá no Marco Zero é Musa. Sei que não vou ver nenhum dos MCs e nenhuma banda pequena tocando. Então é por obrigação, porque é lei? Era pra ir por reconhecimento. A gente não quer nada a pulso. O que é que impede o brega de entrar lá sem ser por lei? É cultura, é do povo, criado e consumido aqui. Então o que impede? Claro que o brega é manifestação cultural! O que não é no Carnaval você colocar Leonardo pra tocar. Colocar Sandy e Jr., Zezé di Camargo & Luciano, O Rappa, Titãs. Isso aí não é cultura”, critica.
“Maloqueiro por maloqueiro, eu tava lá no show de Titãs e tinha meio mundo de maconheiro brigando, fazendo roda. E tava tocando Titãs. Não importa quem tá no palco, quando eu chegar lá vai estar a turma dos Coelhos, a turma do Coque, tudo brigando, jogando lata. A maconha rolando no centro, pó, lolô e tudo mais. E não foram os MCs que levaram”, completa.
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