Foi uma longa espera - não apenas os 15 anos entre o primeiro e o segundo disco, lançado também de surpresa, mas de gente que ficou em pé desde às 17h, horário em que houve a abertura dos portões, até o começo do show dos Tribalistas no Pavilhão do Centro de Convenções de Pernambuco. Com uma hora de atraso em relação ao anunciado, a apresentação começou às 22h da sexta. Mal soltaram, contudo, as vozes em uníssono na canção de abertura, um hino de apresentação, também batizada de Tribalistas, Marisa Monte, Arnaldo Antunes e Carlinhos Brown dissiparam não apenas as muitas reclamações e demonstrações de cansaço, como o próprio tempo ao redor. Ritual pop de primeira grandeza, o concerto dos três gigantes foi daquelas raras apresentações em que plateia e palco parecem, do início ao fim, flutuar juntos. Uma liturgia.
Sim, o show é mais do que previsível do começo ao fim, costurado por sucessos, mesmo nas canções mais novas, do segundo álbum. Sim, o som pode até soar pré-formatado, seguindo a fórmula sonora do primeiro Tribalistas que dividiu a história do pop brasuca entre antes e depois dele. Ainda há uma busca saudável e de grande frescor pueril por canções de amizade ou amor inaugurais. Temos ali compositores e intérpretes cinquentões e no auge de uma poética adolescente atemporal, arquetípica, como se o mundo, embora reconheça as misérias ao redor, devesse ser uma jornada lindamente existencial por férias de verão. Mas também mais maturidade e discernimento político.
Armados de um figurino alegoricamente multiétnico e identitariamente plural como os versos da canção Um só (Somos comunistas/E capitalistas/Somos anarquistas/Somos o patrão/Somos a justiça/Somos o ladrão/Somos da quadrilha/Viva São João...), os três surgem em cena como entidades neo-hippies - Marisa com um longo azul cravejado de estrelas reluzentes, coroa na cabeça, óculos coloridos, como uma Iemanjá pop e polifônica.
Embora a cantora, ao centro do palco, seja reverenciada pelos amigos como a estrela que é, solando em alguns números e trazendo temas de seu repertório particular, os três cantam o tempo quase todo juntos. Faz sentido: ali não estão apenas cada um, mas uma quarta e poderosa entidade quando se juntam.
Sim, o show foi lindamente previsível. E por isso funcionou para a catarse das cerca de 10 mil pessoas que encheceram, mas não lotaram, o pavilhão. Cada verso era repetido com fervor, mesmo pelas últimas fileiras de quem estava na pista e só tinha acesso à visão do telão, embalado pela massa sonora. O chamado front stage, de ingresso um pouco mais caro (R$ 220/R$ 190), ocupava mais da metade do pavilhão, deixando uma faixa vazia até o começo da pista encurralada para o fundo.
VELHA INFÂNCIA
Com uma banda poderosa, apesar da estética geral rock’n’rol, a sonoridade privilegiava menos guitarras em favor da sutileza das canções, do violão de Marisa (que puxou sambas de sua lavra dos discos gêmeos Universo ao Meu Redor e Infinito particular, de 2006, lindos e um tanto esquecidos, evidenciando, por tabela, seu DNA com a Portela) e da percussão atômica de Brown. Do repertório, tão óbvio como obrigatório e magnético, tanto pops-chiclete como "Já sei namorar"; mântricos, como "Velha infância", ou delicadíssimos, como "Vilarejo", tinham a cumplicidade e adesão do público reverente. Arnaldo Antunes, recitando a prosa de Eça de Queiroz em Amor, I Love You, acionou todas as temperaturas possíveis da plateia.
O videografismo do artista Batman Zavareze, propositivo, delicado, vertiginoso, fez do show uma profusão também áudio-visual - e muitas vezes, era tão prazeroso olhar para as projeções no cenário como para os músicos em cena. Pela demanda de público, um show que exigia arenas. Pelo turbilhão de delicadezas, um espetáculo que pode ser ainda mais imensamente melhor degustado se apresentado num teatro, como o Guararapes do qual Marisa tanto gosta. De qualquer forma, uma noite não menos que histórica a da última sexta.