Entre as características mais potentes do pop, destaca-se sua capacidade de unir diferentes grupos, promover a celebração – e a catarse – na pista de dança. Esse espaço de segurança (nem que seja pelos poucos minutos de uma canção) guardam algo de sagrado, especialmente para os socialmente marginalizados, que encontram na música um refúgio. No dia 22 de maio de 2017, essa redoma foi brutalmente violada com um ataque terrorista em Manchester, na Inglaterra, logo após o show de Ariana Grande, que vitimou 23 pessoas e deixou outras 500 feridas, muitas delas crianças. Sweetener, quarto disco da artista, lançado sexta-feira, é atravessado pela tragédia, se colocando como um manifesto de resistência diante da crueldade e da fragilidade da vida.
Em uma entrevista recente à Beats 1 Radio, nos EUA, Ariana falou sobre a experiência do atentado e como ela mudou sua vida. Ela afirmou que a decisão de continuar a turnê após a tragédia veio da necessidade de não ceder ao medo.
“Foi para dar um exemplo aos meus fãs que são destemidos o bastante para aparecer nos shows. Você quer não ter medo porque, é claro, é isso que eles querem e se você lhes der isso, então eles venceram (...) Não quero ceder ao medo, mas ele está lá”, disse.
Como uma contraposição a esse temor, ela adotou uma postura de positividade que, no entanto, passa longe de uma Pollyana. Ela lamenta, por exemplo não ter mais a mesma tranquilidade de andar sem seguranças ou ainda precisar colocar detectores de metais na entrada de seus shows.
Essa dualidade e mudança de perspectiva na vida da artista, hoje com 25 anos está bem representada em No Tears Left To Cry (Não há mais lágrimas, em português), o primeiro single do álbum. A canção, um dance pop com toques disco, traz uma mensagem positiva sobre se reerguer diante das adversidades e seguir em frente com o coração aberto.
É um conceito que, aliás, norteia o trabalho. O próprio título Sweetener (adoçante, em português), remete à ideia de adicionar elementos que tirem o amargor da vida. Com toques r&b (e um quê de k-pop), a minimalista The Light Is Coming declara: “A luz está vindo para devolver tudo que a escuridão roubou”. Com participação de Nicki Minaj, a faixa tem toques experimentais, com elementos eletrônicos que remetem a jogos de videogames.
As referências mais diretas ao atentado de Manchester aparecem na abertura, Raindrops (An Angel Cried), em que, a capella, Ariana canta breves estrofes sobre perda. A última faixa, Get Well Soon, é uma mensagem de incentivo ao cuidado com o corpo e à saúde mental. Apesar do conteúdo de autoajuda, a canção não soa piegas.
Para a cantora, a composição tem ainda outras camadas: seu noivo, o ator Pete Davidson, já falou publicamente sobre sua convivência com doenças psicológicas e constantes pensamentos suicidas.
A reflexão sobre a resiliência aparece ainda em Breathin, uma das melhores faixas do disco e que deve se tornar um fenômeno nas pistas de dança.
NA LINHA DE FRENTE
Entre suas contemporâneas, Ariana Grande é considerada a grande voz. Se no começo da carreira as comparações com Mariah Carey eram constantes (de fato, muito do primeiro álbum, Yours Truly (2013), lembra o trabalho da intérprete de My All), ela chega ao quarto disco com uma identidade bem desenhada.
Seus outros dois discos, My Everything (2014) e Dangerous Woman (2016), deixaram mais de lado o r&b e ecos da Motown para abraçar as pistas de dança, produzindo hits globais como Break Free, One Last Time, Side To Side e Into You. No Sweetener, ela encontra um equilíbrio entre o pop chiclete, o soul e a experimentação.
O disco não é de tão fácil digestão quanto a dos antecessores, o que não torna sua audição menos agradável. Aliás, é interessante observar em Ariana um movimento que difere em partes da fórmula do gênero no que diz respeito à reinvenção. Se Madonna, Janet e, posteriormente, Christina Aguilera e Beyoncé estabeleceram que, para cada novo lançamento, era preciso uma mudança radical (também ligada à estética), no caso de Ariana, ela é gradativa, mas constante.
Mas, que não se enganem: Ariana também sabe, assim como suas antecessoras, provocar com sucesso. Prova disso é God Is a Woman (Deus é uma mulher, em português). Escolhida como segundo single, a faixa fala sobre o poder feminino e mostra a artista em uma de suas interpretações mais confiantes. O clipe, uma superprodução, reproduz cenas clássicas, como a pintura A Criação de Adão, de Michelangelo, sob uma perspectiva feminista, e conta com monólogo de Madonna. Ela também é feliz nas parcerias escolhidas, como a da icônica rapper Missy Elliot, em Borderline.
AMORES EXPLOSIVOS
Outro espectro que ronda as novas composições da americana são o fim do seu relacionamento com o rapper Mac Miller, em maio deste ano, após dois anos juntos, e o seu noivado relâmpago com Pete Davidson, menos de um mês depois.
Para Miller, ela compôs Everytime, sobre um relacionamento abusivo, marcado pelos excessos. “Toda vez que acho que estou livre/ Você fica chapado e me liga sem parar/ Eu fico fraca e caio como uma adolescente/ Eu fico bêbada e finjo que já superei/ Me auto-destruo e apareço como uma idiota”, canta.
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Já para o seu novo amado, ela dedica até uma canção, que leva o nome dele, exaltando a felicidade recém-encontrada. As solares Sweetener e Blazed, com Pharell, também são endereçadas a ele.
Em seu quarto disco, Ariana canta a dor e felicidade sem colocá-las em extremos. Elas estão muito próximas e a fragilidade da vida e das relações aparecem como parte do processo e não como processos a serem evitados.