Detentor de poderosos e explosivos power moves, o cearense Bart, 20 anos, alçou seu voo mais alto na noite do último domingo (10). Ele é o campeão da 13ª edição do Red Bull BC One Cypher Brazil, campeonato de breakdance que elege o melhor b-boy nacional para disputar o mundial na Suíça, em 29 de setembro. Esta foi a primeira vez que o evento, realizado no Red Bull Station, em São Paulo, contou com uma categoria somente de b-girls. Quem levou o título de melhor dançarina de breaking do Brasil foi a paraense Mini Japa. Ela também irá representar o País na disputa global.
Pai aos 16, Bart - Mateus de Souza Melo na certidão - sustenta sua família com os street shows que faz no Mercado dos Peixes, na Beira Mar de Fortaleza. Com um estilo de dança marcado por impressionantes movimentos acrobáticos, ele saiu do Nordeste só pra participar da competição. Garantiu sua vaga na Cypher São Paulo, classificatória regional que contou com mais de 100 candidatos, no sábado (9), antes da final nacional. De todos, ficaram apenas 16. E desses, 12 se classificaram para a Cypher Brazil: os oito que foram até as quartas de final e mais quatro provenientes de uma repescagem.
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Bart não levou a melhor na regional, tendo sido eliminado já nas semifinais. Preferiu guardar toda sua força, rapidez e ousadia para a grande decisão. “Ter que vencer nos dois dias me deixou muito preocupado. Na primeira decisão eu não estava tão bem, mas passei, cheguei mais firme de psicológico e soltei tudo”, desabafa. Na Cypher Brazil, ele derrotou o b-boy Allef, do Maranhão, vencedor da regional Sul, disputada em Bento Gonçalves, no Rio Grande do Sul. “O Allef tem uma personalidade muito forte na dança. Ele é ele mesmo. Me passa uma energia boa”, comenta, numa demonstração de que a batalha acontece em um clima amigável e familiar, assim como rolam nos treinos com as crews.
Bart sustenta sua família com os street shows que faz no Mercado dos Peixes, em Fortaleza
Os finalistas foram avaliados por três jurados, grandes nomes da cena do breaking nacional e internacional. Os brasileiros Pelezinho, membro do time Red Bull BC One All Stars; e FaBgirl, a fundadora do BsBgirls, grupo de breakdance feminino e feminista; e o mexicano naturalizado norte-americano Roxrite, o campeão do BC One Mundial de 2011. Nenhum deles teve dúvida quanto ao resultado. “Bart tem um estilo muito avançado. Ele sabe separar bem as suas combinações. Isso é muito importante porque se um b-boy faz todos os movimentos que conhece em uma só rodada, a performance começa a ficar um pouco chata, repetitiva”, afirma Roxrite, dono de mais de 100 títulos na carreira. “O que ele faz dançando contém dificuldade e firmeza nos movimentos, além de um carisma próprio”, acrescenta Pelezinho, que já disputou quatro edições do mundial, enfatizando que a batalha deste ano teve um dos mais altos níveis que ele já viu.
Os critérios básicos observados pelos jurados transitam entre presença de palco, performance, originalidade e musicalidade. Apesar de Allef ter mostrado uma interpretação mais criativa da música, as habilidades de físicas do cearense não deram margem para erro. É o que pensa a jurada FaBgirl. “O Allef trabalha muito musicalidade. Ele tem uma dança mais cômica. Mas não foi difícil avaliar, pois Bart tinha mais o perfil do evento, que exige movimentos com um maior grau de dificuldade. Ele é o mais preparado neste momento”, pontua. Sem dúvidas, foi uma batalha mano-a-mano entre inventividade e precisão. Quem mostrou mais fôlego e potência, levou, levando a plateia, energética do começo ao fim da disputa, ao delírio.
MINAS CHEGAM COM MUITA GARRA NESTE CENÁRIO
É inegável que ainda há muito preconceito ligado à cultura hip-hop. Não é raro de se ouvir que “é coisa de vagabundo, de maloqueiro”. É preciso lembrar que esse movimento - que engloba o breakdance, o rap, o graffiti e o DJing -, nascido nos subúrbios negros e latinos de Nova York, em meados dos anos 1970, não é apenas um passatempo para milhares de jovens em contexto de exclusão social do mundo todo, mas também uma maneira de eles ganharem a vida profissionalmente.
E agora elas. Ainda há muito machismo envolvido na cena, mas as minas estão chegando com tudo para quebrar o tabu de que mulher não rima, de que mulher não é capaz de fazer “flips, flares e spins”. Em 2017, pela primeira vez uma b-girl, a japonesa Ayumi Fukushima, disputou o mundial do BC One. “Me apaixonei pelo breaking em 2001, quando fui convidada para participar de uma aula. De lá para cá, muitos homens tentaram me invalidar. Eu nunca desisti. Essa é a mensagem que tenho para passar para as meninas: se apoiem umas nas outras e não desistam", afirmou FaBgirl.
Combinando destreza, ritmo e fluidez na batalha, Mayara Colins, vulgo Mini Japa, é quem vai estrear em solo suíço pelo Brasil. “Mini Japa tem muitas coisas para trabalhar porque o nível internacional é muito alto, principalmente o das coreanas. É uma tarefa, com certeza, porém ela vai representar bem o Brasil”, opina a jurada. Assim que soube do resultado, a paraense se mostrou demasiado emocionada. De imediato ligou para sua mãe, que ficou em Belém, e disse: “A gente conseguiu”, chorando copiosamente. “Com a ajuda da minha mãe, consegui uma promoção de passagem e vim. Ela é responsável por isso, me apoia desde sempre”, afirma a campeã, dançarina há oito anos e integrante da AmazonCrew.
Quem levou o título de melhor b-girl do Brasil foi a paraense Mini Japa
Na estreia do Red Bull Francamente, batalha de MC’s que ocorreu no Red Bull Station na sexta-feira pré-BC One, a roda também se abriu para as minas. Dentre 16 jovens rappers, três eram garotas. E uma delas levou o título de primeira campeã da edição brasileira do evento, já consagrado em países de língua hispânica, com o nome Batalla de los Gallos.
Destilando rimas que dão voz às angústias e injustiças sociais entremeadas nas periferias brasileiras e gritam pela necessidade de um ativismo político, Toddy, de 18 anos, também venceu com unanimidade dos jurados, sendo aclamada em todas as rodadas, nas quais os MCs conheciam os temas na hora e partiam para o improviso. “Ela era a única que fazia rima no meio da rima. Botava um jogo de palavras no meio da construção de forma muito diferente. Dá pra sentir que ela tem uma fluência em fazer isso”, opina o rapper e jurado Max BO. “Ela manteve a sintonia. Foi numa linha reta desde o início do evento. Não teve uma batalha em que a gente tenha pensado ‘não, nessa ela deu mancada’. Acho que isso fez diferença na caminhada dela até a final”, completou o também MC e jurado Douglas Din.
Apesar de apresentar flow e consistência no que faz, Winnie Noelly, a Toddy, de Diadema (SP), há dois anos nem pensava em fazer rap. “Eu gosto de buscar sensações que nunca senti. Passei a minha vida buscando isso, de diversas formas. De formas erradas e certas. Até que eu encontrei essa que me faz sentir tudo o que amo: adrenalina, amor, energia e felicidade”, afirma a jovem MC, integrante do coletivo de rima no vagão de São Paulo, que “busca passar rimas mais politizadas sobre a verdade do País para as pessoas”.
A jovem MC Toddy busca passar rimas mais politizadas sobre o País
Quem atestou tudo de perto foi a dita recifense Karina Buhr. “Minha coisa com rima sempre foi sambada de maracatu, de coco, de repente, de viola. Nunca tive uma ligação com o rap, apesar de admirar. Eu via como uma coisa muito machista e perdi o interesse antes mesmo de achar qualquer coisa genial. Aqui em São Paulo comecei a chegar mais perto. Tem muito slam, muito sarau, muita batalha. Acho isso uma força muito grande”.