ANÁLISE

A hora de pensar nos ajustes após destruição do Museu Nacional

As áreas de pesquisa, educação e cultura estão entre as mais afetadas por cortes no orçamento

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Publicado em 04/09/2018 às 16:27
Foto: MAURO PIMENTEL / AFP
As áreas de pesquisa, educação e cultura estão entre as mais afetadas por cortes no orçamento - FOTO: Foto: MAURO PIMENTEL / AFP
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"Cortes na verba da educação = fogo", dizia o cartaz de um manifestante em frente ao Museu Nacional do Rio de Janeiro devastado por um incêndio no domingo, uma "tragédia anunciada" que representa bem a dramática falta de investimento no Brasil em setores como ciência, pesquisa e educação.

Enquanto as chamas reduziam a cinzas os 200 anos de História no majestoso palácio imperial, muitas vozes se elevaram nesta terça-feira, faltando cinco semanas para a eleição presidencial, criticando os cortes e ajustes impostos pelo governo do presidente Michel Temer.

Outros lamentavam que esta tragédia tenha ocorrido em uma cidade onde bilhões foram investidos para a organização da Copa do Mundo de 2014 e os Jogos Olímpicos de 2016. 

Por exemplo, o site Uol recordou que apenas o custo de reforma do estádio Maracanã teria sido suficiente para pagar a manutenção do museu por 2.400 anos.

Prioridade à dívida 

No final de 2016, enquanto o país estava mergulhado em uma recessão histórica, o presidente Temer aprovou o congelamento dos gastos públicos, com cortes pesados ??nos orçamentos de vários ministérios. 

As áreas de pesquisa, educação e cultura estão entre as mais afetadas.

Quase metade (44%) do orçamento do ano passado destinado a ciência e tecnologia foi congelado. Em alguns laboratórios de pesquisa, os pesquisadores são forçados a comprar material com dinheiro próprio para continuar seu trabalho.

"Essa é a consequência das políticas neoliberais do governo, que privilegia o pagamento da dívida", explica à AFP o economista Felipe Queiroz.

"A situação é catastrófica. Estamos perdendo nosso passado e sacrificando nosso futuro", acrescenta.

É assim que o Museu Nacional, considerado o maior museu de história natural da América Latina, com mais de 20 milhões de peças de valor, viu seus subsídios serem reduzidos a uma gota.

Segundo a ONG Contas Abertas, o museu, gerido pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), viu o seu financiamento passar de 979.000 reais em 2013 para 643.000 em 2017.

Em 2018, apenas 98.115 reais foram pagos até 31 de agosto. 

"O valor é ínfimo e pode ser comparado a um único contrato deste ano da Câmara dos Deputados para lavar 83 veículos (R$ 563,3 mil), ou às despesas do Senado para trocar o carpete azul royal (R$ 549,7 mil), em 2015", explicou à AFP Gil Castello Branco, diretor da ONG Contas Abertas.

Bicentenário amargo 

Esses cortes drásticos forçaram a administração do museu a fechar muitas salas ao público e a colocar os problemas de manutenção do Museu em segundo plano.

Os detectores de fumaça não funcionaram e o prédio - cujas instalações estavam em estado precário, incluindo muitos fios elétricos expostos e danificados - não tinha seguro contra incêndios.

Problemas que a imprensa local e a administração do museu vêm apontando há vários anos.

Em junho, por ocasião do bicentenário do museu, a UFRJ obteve R$ 21,7 milhões do banco público BNDES para restaurar o palácio imperial, mas esse valor ainda não foi pago.

Os cortes orçamentários em pesquisa e educação também têm outra consequência dramática para o Brasil: a fuga de cérebros.

Marcelo Viana, diretor do Instituto de Matemática Pura e Aplicada (Impa), que em julho passado organizou o congresso internacional em que as medalhas Fields são entregues, no Rio, fala de uma "geração perdida".

"Em alguns países, é em tempos de crise que o orçamento em pesquisa aumenta para criar novas fontes de prosperidade para a economia. Aqui, no Brasil, o governo preferiu a austeridade, não tem sentido", conclui o matemático.

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