A tragédia do incêndio no Museu Nacional do Rio de Janeiro ajudou a mostrar, tardiamente, a relevância de várias questões enfrentadas no tratamento do patrimônio cultural e histórico brasileiro: as condições de segurança e armazenamento precárias, os recursos cada vez menores, a dificuldade de conseguir apoio de instituições públicas e privadas. Um dos pontos amplamente discutidos nos últimos dias, muitas vezes mais com acusações e fugas de responsabilidade do que com discussões responsáveis, foi o da gestão cultural de museus.
O Museu Nacional estava sob responsabilidade de Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), vinculada ao Ministério da Educação (MEC). O orçamento destinado à universidade vem sendo reduzido desde 2016: era então de R$ 450 milhões, passou para R$ 420 milhões e, em 2018, ficou em R$ 388 milhões. O montante necessário para o funcionamento regular de toda a universidade seria, segundo a administração, R$ 460 milhões. Segundo o MEC, o total gasto com a UFRJ é de R$ 3,1 bilhões – a maior parte do valor, no entanto, não passa pelas mãos da administração do campus, porque é destinado a pagamento de funcionários.
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O desastre tem servido de motivação para se questionar a capacidade do estado de gerir museus e instituições semelhantes. Vale lembrar, no entanto, que o Museu da Língua Portuguesa, em São Paulo, gerido por uma Organização Social (OS), que atua como entidade privada, mas com fins públicos, também sofreu um incêndio em 2015. Lá fora, museus de história e de história natural tidos como referência têm formatos distintos: alguns são estatais, outros são público-privados e outros com gestão privada que recebe recursos públicos.
GOVERNANÇA
Para Eduardo Saron, diretor do Itaú Cultural, é necessário pensar a governança de museus como projetos a curto e médio prazo. “É preciso alavancar a capacidade das instituições de adquirir confiança junto à sociedade e de captar recursos. Um dos princípios é fazer um bom planejamento e garantir que ele seja seguido independentemente das mudanças de governo e das intempéries”, comenta o gestor. “A governança bem constituída, com planejamento e boas práticas, significa ter um museu hoje e também ter um museu no futuro.”
Segundo ele, as OS podem ser uma forma de aprofundar políticas públicas propostas em diálogo com o governo e a sociedade. “Elas não têm entraves de ser uma instituição pública, apesar de manterem a função pública. No caso das universidades, se elas captam recursos acima da meta, são obrigadas a devolver o montante para a união, para o Ministério do Planejamento”, aponta. Além disso, destaca que o sistema brasileiro incentiva pouco o mecenato: “Seria importante ter uma lei de endowment (fundo patrimoniais que garantem recursos constantes para uma instituição), que garantiria estabilidade a médio e longo prazo. As OS também precisam ser melhoradas. Precisamos de políticas de estado, e não de governo. Nos últimos três anos, R$ 1,8 bilhão provenientes das loterias deixaram de ser repassados para a cultura, por exemplo. Precisamos repensar muita coisa”.
PEQUENOS ORÇAMENTOS
O curador e ex-diretor do Museu de Arte Moderna Aloísio Magalhães (Mamam) Moacir dos Anjos aponta a situação de museus e instituições públicas de Pernambuco. “Ao olhar para o estado geral do Mamam, do Museu do Estado, do Museu de Arte Contemporânea de Olinda e do Murillo La Greca um pouco, vemos que as situações são próximas do um desastre tanto em termos físicos como em gerenciais. Não existe um quadro de funcionários capacitados e estáveis, alguns sequer têm curadores, o que é o básico numa instituição museológica”, analisa, ressaltando que não há ainda política coerente de aquisição e nem manutenção adequada em vários equipamentos.
Parte do motivo para o pouco investimento em instituições de arte e pesquisa no Recife, para ele, vem da lógica de grandes eventos da cidade. “Um show grande equivale ao dobro do orçamento anual do Mamam”, compara. Em um panorama geral, no entanto, ele lembra que simplesmente pensar em privatizar ou criar OS não é uma solução mágica e nem sempre necessária. “Alguns casos dão certo, como a Pinacoteca, e outros nem tanto, como o Cais do Sertão, que teve problemas. Mesmo com OS a questão do financiamento continua. A questão é mais ampla: qual o lugar dessas instituições no imaginário da nossa elite dirigente e econômica? Não é proibido fazer um museu, existem instituições boas, competentes desse tipo. Mas um museu é um acervo, é pesquisa, não é só uma máquina de gerar visitantes e reverberação de imagem”, finaliza o curador.