20 ANOS PRIVATIZAÇÃO

Privatização da Telebrás não foi suficiente para universalizar internet

Em meio às brechas deixadas pelo processo de desestatização, 51% das residências do internet seguem desconectadas

Lucas Moraes
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Lucas Moraes
Publicado em 29/07/2018 às 7:10
Foto: Bruno Fortuna/Fotos Públicas
Em meio às brechas deixadas pelo processo de desestatização, 51% das residências do internet seguem desconectadas - FOTO: Foto: Bruno Fortuna/Fotos Públicas
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O primeiro acesso à internet do analista de suporte técnico Walax Jorge de Moura, 50 anos, foi num computador com sistema Windows 3.11, via conexão discada. “Era uma velocidade baixíssima. A internet só chegava a pouco mais de 50 quilobits por segundo (kbps) e eu pagava cerca de R$ 150”, diz. O valor pago antes para ter acesso de baixa qualidade à internet, hoje equivale ao da contratação de um pacote com pelo menos 25 mbps, que permite em segundos o download de vídeos e imagens. Morador do bairro de Peixinhos, em Olinda, Região Metropolitana do Recife, o analista reside em um dos 38,8 milhões de lares conectados do País em áreas urbanas e que foram beneficiados com o aumento da comercialização da internet a partir da privatização da Telebrás.

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Apesar do avanço, a realidade de Walax ainda não é compartilhada por boa parte da população, especialmente no Nordeste. Em meio às brechas deixadas pelo processo de desestatização, 51% das residências da Região ainda estão desconectadas, segundo dados da pesquisa TIC Domicílios 2017, divulgada na última terça-feira (24) pelo Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br). O estudo aponta ainda que as desigualdades por classe socioeconômica e por áreas urbanas e rurais persistem: o acesso à internet está presente em 30% dos domicílios de classe D/E e 34% das residências da área rural em todo o País. Já nas classes A e B, as proporções atingem, respectivamente, 99% e 93%.

Além disso, 19% (13,4 milhões) dos domicílios conectados não possuem computador, acessando a internet exclusivamente por dispositivos móveis. “A internet foi de fato popularizada, mas com a lógica de desigualdade muito evidente. Enquanto no Sudeste 61% dos domicílios estão conectados, no Norte a taxa é de 48% e no Nordeste, 49%. Na região nordestina, o custo para ter conexão à internet é apontado como principal impeditivo, assim como no resto do País.”

De acordo com a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), a expansão do acesso para áreas mais distantes dos grandes centros ainda não é realidade, porque as empresas, por lei, não estão obrigadas a universalizar o serviço. “A Lei Geral de Telecomunicações (LGT) previa na época da privatização a universalização do serviço de telefonia fixa como obrigatoriedade na concessão da operação. Isso aconteceu. Mas o serviço evoluiu para banda larga fixa e móvel, e a legislação ainda mantém o caráter obrigatório apenas para a universalização do telefone fixo”, conta o gerente de universalização e ampliação do acesso da Anatel, Eduardo Jacomassi. Segundo ele, a agência tem atuado para garantir cobertura pelo menos na telefonia móvel. “Até 2019, todos as sedes de municípios terão que contar com cobertura 3G. A questão é que para áreas mais distantes, sem obrigatoriedades, quando não há retorno econômico, a dificuldade para as operadoras atenderem é maior”, complementa Jacomassi.

Para o presidente do Sindicato dos Trabalhadores em Telecomunicações de Pernambuco (Sinttel-PE), Marcelo Beltrão, o sistema também tem outras distorções, como a criação de postos de trabalhos precários na telefonia, com uso excessivo de mão de obra terceirizada. A desnacionalização de um setor tão estratégico, na visão dele, comprometeu o papel social das telecomunicações no País. “Tirando a operadora Oi, que tem capital nacional, todas as demais são estrangeiras. Isso não acontece em nenhum outro grande país. O Programa Nacional de Banda Larga foi criado em 2010 justamente para atender a essa demanda, mas acabou sendo esvaziado sem atingir suas metas”, diz.

HISTÓRICO

Era 1994, quando a internet finalmente saiu do nicho acadêmico e passou a ser comercializada para o público em geral, a Embratel – que até então era responsável por garantir as linhas de ligação a longa distância no Brasil – lançou o Serviço Internet Comercial em caráter experimental e com conexão internacional de 256 Kbps. Cinco mil usuários foram escolhidos para testar o serviço. Um ano depois, a ampliação da oferta já parecia ser algo inevitável, com o surgimento de inúmeros provedores e a procura cada vez maior das classes A e B pela internet.

Com a privatização da Telebrás, um mercado de maior concorrência foi criado pelas empresas que passaram a atuar no País, gerando mais opções ao consumidor e ampliando a malha de conexão. “O governo primeiro resolveu que a comercialização da internet seria feita de forma separada, com empresas específicas para prover a internet e empresas de comunicação provendo apenas a telefonia, isso na época da internet discada. Depois, com o avanço da banda larga, as empresas passaram a comercializar os dois serviços e quem estava atento aos avanços tecnológicos naturalmente se deu melhor”, explica o presidente da Associação Brasileira de Provedores de Internet e Telecomunicações (Abrint), Basílio Perez.

A partir da conexão discada, a evolução para a internet via rádio, banda larga até a atual conexão via fibra óptica – que confere ainda mais velocidade ao tráfego de dados – não demorou muito para acontecer. “A privatização fez com que o Brasil se alinhasse às novidades do mercado global. Com a presença de empresas multinacionais tomando conta do mercado nacional. O que acontecia lá fora era trazido de forma muito rápida para o Brasil”, assegura o diretor-executivo do Sindicato Nacional das Empresas de Telefonia e de Serviço Móvel Celular e Pessoal (SindeteleBrasil), Carlos Duprat.  O que falta é garantir a todo, independente de localização geográfica e classe social, o mesmo direito a essa conexão.

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