Primeiro foi a seca, agora a quebradeira das empresas. A crise na bacia leiteira de Pernambuco parece não dar trégua. A estiagem puxada, que fez minguar a produção, dá lugar a uma superoferta de leite por falta de comprador. Empresas como a LBR - Lácteos Brasil (Garanhuns), Nutrir Produtos Lácteos (Gravatá) e Valedourado (Palmeira dos Índios/AL) diminuíram a recepção da matéria-prima ou simplesmente deixaram de produzir. Em dificuldades financeiras, as três indústrias entraram em processo de recuperação judicial e estão devendo a fornecedores no Estado, inclusive aos produtores de leite.
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Resultado da união entre a Bom Gosto e a LeitBom, a LBR comprou a antiga fábrica da Parmalat em Garanhuns por R$ 31 milhões, em 2009. Na época, o negócio foi apontado como a redenção da bacia leiteira, que sofria com a falência da italiana Parmalat. A dívida da LBR no Brasil é de R$ 647,3 milhões e ultrapassa R$ 3 milhões em Pernambuco. No plano de recuperação judicial, a empresa ACR Medical Logística fez uma oferta de R$ 50 milhões pela unidade pernambucana.
As outras 13 fábricas espalhadas pelo País receberam propostas de outras companhias, que somam aporte de R$ 481,4 milhões. Enquanto o nó da mudança do controle não é desatado, os credores esperam. No caso da bacia leiteira, a atividade definha.
A LBR é uma das maiores captadoras de leite da bacia, com capacidade para processar 595 mil litros por dia. A redução da oferta, provocada pela seca e pelos problemas de gestão, diminuíram a captação para 250 mil litros por dia. “Sem as grandes indústrias para comprar o produto, o preço despencou. Antes o litro estava na casa de R$ 1,25; mas desabou para R$ 0,80”, compara o presidente do Sindicato dos Produtores de Leite de Pernambuco (Sinproleite-PE), Saulo Malta. As sobras estão sendo vendidas para as queijarias.
“Essa Bom Gosto tá mais pra mau gosto. Levou 13 mil litros de leite da minha fazenda e nunca me pagou. Essa região depende do leite. Se acabarem com a atividade o que será de nós?”, questiona o produtor do município da Pedra (Agreste) Wildes da Costa Galindo, de 75 anos. A LBR ficou devendo R$ 14,3 mil ao pecuarista, que cobrou a dívida na Justiça. “O pior é que não dão nenhuma satisfação a gente. Aqui só ficam uns gerentes, que não resolvem nada”, completa. O JC esteve na LBR, em Garanhuns, mas os gerentes se esquivaram de responder a qualquer questionamento, fornecendo o contato da assessoria de comunicação da empresa, em São Paulo, que sequer retornou o pedido de entrevista.
O produtor Joaquim Almeida Macedo (conhecido na região por seu Zito) diz que um gerente da LBR esteve na sua casa para pedir que ele formasse um grupo de pecuaristas para fornecer 100 mil litros de leite por dia a empresa. “Eu estava colocando meu leite nas queijarias sem problema pra receber, mas tinha leite sobrando e às vezes nem os queijeiros conseguiam dar conta de comprar tudo. Aí resolvi vender pra eles e ficaram me devendo R$ 62 mil”, conta o pecuarista da Fazenda Poção, na Pedra.
A legião de produtores que levaram calote se espalha por toda a região. Em Água Belas, a LBR ficou devendo R$ 30,6 mil à Cooperativa Mista dos Agricultores Familiares do Vale do Ipanema (Coopanema). “Precisamos pegar dinheiro com agiota para não deixar os produtores na mão. Procuramos por eles, mas não recebemos informação sobre pagamento”, diz o presidente Francisco Justino.
Uma das cooperadas, Rita Nunes, diz que o produtor não aguenta mais sofrer. “Já penamos com a seca, tendo que gastar tudo o que tínhamos para salvar os animais e agora vem esse problema da baixa do leite com o preço muito ruim. Sem falar que o preço cai aqui, mas não baixa para o consumidor”, reclama. Enquanto o produtor recebe R$ 0,80 pelo litro, o consumidor paga entre R$ 3,40 e R$ 3,60 por uma caixa de longa vida. O mesmo acontece com o queijo coalho que no interior é vendido por R$ 9 e chega à cidade com valor entre R$ 22 e R$ 25 o quilo.
Com 16 anos de mercado, a gravataense Nutrir (conhecida do consumidor pernambucano pela marca Natural da Vaca) entrou em dificuldade financeira em 2012. “A baixa oferta de leite provocada pela seca, a consequente alta no preço e a escassez de crédito obrigou a empresa a pedir recuperação judicial”, diz o administrador judicial do processo, Sílvio Rolim. O passivo da empresa chegou a R$ 36 milhões. Desse total, R$ 3,5 milhões é a dívida com os produtores de leite.