Os robôs que empilham vidro na Vivix, em Goiana, na Zona da Mata do Estado, trabalham 24 horas, sete dias por semana e não vão parar até atingir a vida útil prevista de quinze anos. Semelhantes a braços gigantes com capacidade de levantar até 450 quilos, trazem mais eficiência. “Os robôs têm seis articulações com movimentos simultâneos. A estimativa é que empilhamos 10 mil chapas de vidro por dia”, explica o gerente industrial, Sérgio Lemos.
Os robôs são apenas uma parte da fábrica construída sobre o conceito da indústria 4.0, que digitaliza o processo produtivo. Mas certamente é uma das mais interessantes para os leigos que vêem as máquinas ultrapassarem a capacidade humana. Hoje, a robotização está mais presente no setor industrial, que instala 1,5 mil robôs por ano. Em Pernambuco, a Vivix é apenas um exemplo de empresa que persegue a nova revolução industrial.
No País, cerca de 60% dos robôs estão na indústria automotiva. A fábrica mais moderna da FCA no mundo, em Goiana, garantiu ao Estado o status de marco da indústria 4.0 no Brasil. O Polo Automotivo Jeep já nasceu dentro do conceito. Só na parte de funilaria existem mais de 600 robôs.
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“A principal característica da indústria 4.0 é a integração. O pedido do cliente é enviado para a funilaria de forma com que os robôs produzam as peças do veículo, depois a carroceria vai para pintura, em que é imputada ao robô a cor escolhida pelo cliente, e segue para a montagem, onde temos mais trabalhos manuais. Cada carro nasce para um cliente. Por trás, tem um sistema que conduz tudo. Os robôs vieram para somar forças com os humanos”, explica o gestor de ICT, Thiego Oliveira.
Para o consultor de automação industrial da gerência de Inovação e Tecnologia do Senai Pernambuco, Oziel Alves, a quarta revolução industrial é uma forma de acirrar a concorrência. “A competitividade aumentou bastante, é preciso atender às normas e exigências do consumidor. Por isso, as empresas são forçadas a implantar tecnologia, como a robótica, para atender à demanda em grande escala”, explica. Quem não se atualizou fechou as portas.
Pesquisa do Senai mostra que a produtividade brasileira cresceu 9,1% entre 2012 e 2017 porque a proporção de unidades fabris menos produtivas diminuiu na composição total, entre outros motivos.
Passado o momento mais crítico da crise econômica, as empresas brasileiras voltam a fazer planos para estrear no universo da indústria 4.0. É o caso da Pamesa, fábrica instalada no Complexo de Suape. A empresa já ultrapassa os R$ 80 milhões em investimento em tecnologia e vai concluir este ano um aporte de R$ 8 milhões, iniciado em 2017.
O consumidor que escolhe uma cerâmica ou um porcelanato numa loja nem imagina a tecnologia por trás da “pedrinha”. Na Pamesa, da hora em que a matéria-prima chega à indústria até a saída do produto para o mercado, a mão humana quase não toca no produto. Na área da fábrica, apenas quatro operadores são vistos em meio a esteiras, prensas, fornos, impressoras digitais e robôs, como o LGV (veículos gerenciados por laser) e o Falcon. O diretor de Manutenção e Projetos da Pamesa, Dilson Magnus, diz que 95% da produção é automatizada. Diante disso, os 260 funcionários se concentram nas áreas de controle de produção, qualidade e manutenção. Enquanto isso, um LGV se move de lá para cá levando carrinhos vazios ou com produto, outro aponta defeitos nas peças ao longo da linha de produção e o Falcon retira as cerâmicas já embaladas das esteiras e arruma nos paletes.
Referência em automação entre as indústrias de pré-forma (tubo que depois de soprado se transforma em garrafa PET) na América Latina, a Frompet substituiu, em 2017, parte das tradicionais empilhadeiras por robôs LGV. “Quando uma máquina termina de encher uma caixa com pré-forma, o LGV recebe um aviso de que é hora de vir buscar e mover para outra área”, exemplifica o gerente industrial Geraldo Ferraz.
Quanto ao aumento da presença de robôs em indústrias, o presidente da Associação Brasileira da Internet Industrial e CEO da Pollux, José Rizzo, afirma que está otimista com a retomada do uso destas máquinas no País. “A partir de 2019 tem chance de retomar o crescimento e acredito que a robótica será fundamental para reaparelhar nossa indústria. Nossa expectativa é que o setor passe a instalar 5 mil robôs por ano”, diz.
SAÚDE
E se por um lado os robôs são a fronteira da inovação na manufatura, por outro começam a ficar mais próximos da vida das pessoas. Robôs-cirurgiões imprimem mais tecnologia ao setor de saúde. Hoje, o Da Vinci SI do Hospital Esperança Recife já realizou 400 cirurgias urológicas, bariátricas, ginecológicas e do aparelho digestivo em menos de dois anos de programa de cirurgia robótica do hospital, o mais completo do Norte e Nordeste do País.
O robô possui uma câmera, que dá visão 3D em alta definição do procedimento, e três braços. O cirurgião comanda tudo por meio de joysticks. A pinça robótica consegue fazer giro de 360 graus, o que dá acesso a estruturas mais difíceis. “Esse robô é o futuro que veio para ficar”, diz o cirurgião e coordenador do Programa de Cirurgia Robótica do Hospital Esperança, Hélio Calábria.
ROBÔS EMOTIVOS
Os filmes com previsões futuristas em realidades distantes mostram robôs humanoides, inteligentes e presentes no dia a dia das famílias. Na ficção, possuem diversas habilidades: ajudam nas tarefas de casa, falam diversas línguas, carregam peso. Este conceito de robótica voltada para resolver problemas reais das pessoas é chamada de social ou emotiva. No Centro de Estudos e Sistemas Avançados do Recife (Cesar), existe um grupo de pesquisa voltado para trazer à realidade tecnologias que, por enquanto, só existem na imaginação.
Atualmente, a linha de trabalho do núcleo é o Mars, um robô que está sendo desenvolvido para ser um companheiro das crianças. “Numa das aplicações que trabalhamos, o robô estará no quarto com a criança; se ela acordar à noite e falar com o robô, o Mars será capaz de responder, contar uma história. Durante o dia, ele estimulará a criança a fazer alguma atividade física”, explica o arquiteto de sistemas do Cesar, Fábio Maia. A ideia surgiu a partir de necessidades reais de pais que precisam trabalhar o dia todo e não querem que as crianças se sintam solitárias.
No futuro, o Mars pode evoluir para lidar com idosos. Mas inicialmente, o robô vai entrar na categoria de brinquedo. “Se quisermos fazer um produto para cuidar das pessoas, a complexidade é maior. Para diminuir a complexidade, estamos tentando aprender, fazendo primeiro um brinquedo”, diz Maia. Não há garantia, no entanto, que o Mars vá entrar no mercado. Isso poderia levar mais cinco anos. No entanto, várias empresas do exterior já demonstraram interesse no produto.
Um dos desafios para o desenvolvimento de robôs sociais é a interação máquina-humano. “Uma das dificuldades dessa interação é uma gama de informações que não são conceitos lógicos matemáticos ou objetivos. A emoção tem um peso muito grande na comunicação humana, a expressão do rosto ou o tom de voz”, explica Maia. Ele estima que a universalização de acesso a esses robôs, como nos filmes, deve demorar pelo menos dez anos.
TRABALHO
O relatório da Accenture “Building Latin America’s Skills for the Age of Intelligent Machines” (Construindo as Habilidades da América Latina para a Era das Máquinas Inteligentes, em tradução livre) mostra que os trabalhadores que realizam atividades “rotineiras” ou manuais são os mais propensos a ser substituidos por máquinas.
Atualmente, 30% dos funcionários da economia formal na América Latina desempenham funções repetitivas. O estudo identifica que pelo menos metade das posições em manufatura e construção, e quase quatro em dez trabalhos em grupos que incluem indústrias como transporte e telecomunicações podem estar vulneráveis à automação. Porém, não é possível estimar quantas pessoas vão perder os empregos por causa do avanço da tecnologia.
Por outro lado, a força de trabalho na América Latina pode sofrer grande impacto pela adoção da tecnologia por causa do nível de qualificação dos trabalhadores. Apenas 20% estão em trabalhos que demandam habilidades de alta complexidade. Trabalhadores mais qualificados não estão imunes, mas a possibilidade de serem substituídos é menor no curto prazo. No Brasil, apenas 22% dos trabalhadores são altamente qualificados. 78% se enquadra em médio ou baixa qualificação.
No caso do Hospital Esperança, a tecnologia transformou a profissão dos médicos e cirurgiões. A rede D´Or São Luiz investiu R$ 150 mil por cada capacitação dos 17 cirurgiões e três enfermeiras. A qualificação é dividida em seis etapas. Na última, os profissionais são enviados para Colômbia ou Estados Unidos para treinamento. Bárbara Carvalho trabalha há 18 anos no Esperança e foi escolhida para integrar o programa por causa da sua experiência. Hoje, ela é coordenadora dos Centros Operatórios e do programa de Cirurgia Robótica do Hospital Esperança Recife. "Eu sou apaixonada por essa tecnologia, o que me encantou foram os resultados proporcionados ao paciente. A gente tem que acompanhar a evolução das coisas, pra não ficar para trás", afirma.
Uma alternativa para evitar o desemprego é estimular o desenvolvimento de habilidades consideradas unicamente humanas, como a capacidade de criar e resolver problemas e aprender a aprender, por exemplo. São capacidades que são adquiridas através de experiência e podem ser requisitadas até mesmo em atividades técnicas e para profissões do futuro.
Para o diretor executivo da Accenture Strategy, Matthew Govier, é preciso desmitificar a ideia de que ao comprar uma máquina, um trabalhador será imediatamente demitido.
“A tecnologia tem impacto tanto em funções manuais quanto intelectuais. Os robôs e softwares estão facilitando e reduzindo a quantidade de trabalho rotineiro em determinadas funções. Porém, essa transformação é gradual. As empresas que adotam estas tecnologias conseguem ser mais produtivas com o mesmo número de pessoas. Ao longo do tempo, significa que, para aquelas funções específicas, talvez seja necessário contratar menos pessoas”, explica.
Líder do setor de empilhadeiras da Frompet, Wladimir Lins Cordeiro, 48, diz que os robôs se transformaram em aliados no processo produtivo. Desde o ano passado, a empresa substituiu parte das empilhadeiras por robôs LGV. “Antes deles, carregávamos até 12 carros por dia com produtos. Hoje eles conseguem fazer até 30 por dia. Isso sem falar na redução do trabalho pesado e nos erros ao longo do processo”, afirma. Ele destaca que a mudança também exigiu treinamento para acompanhar o processo produtivo.