É uma industria florescente, mas que transita na fronteira da ilegalidade: as apostas online, com receitas de bilhões de dólares, explodem em popularidade na Rússia, que se prepara para sediar a Copa do Mundo.
Ninguém acredita que as apostas na internet possam ter qualquer influência sobre o desenvolvimento das partidas da Copa do Mundo. Mas esta febre causa sérios problemas para a Rússia, onde resultados manipulados fazem parte há anos do cenário esportivo. As autoridades ainda sofrem para regulamentar esta "zona cinzenta" da economia.
Para tentar cortar o mal pela raiz e acabar com os sites ilegais, o governo criou uma plataforma legal, o Tsoupis.
"O volume total do mercado de apostas legais online gira em torno de dois bilhões de dólares por ano", explicou à AFP o diretor do Tsoupis, Anton Rojkovski, com um porém: "70% do mercado é ilegal e offshore".
'Interesse colossal'
Os jogos de apostas explodiram em popularidade na Rússia após a queda da União Soviética, que resultou na abertura de salas de jogos pelos quatros cantos do país, de cassinos luxuosos a salas de máquinas caça-níqueis obscuras.
Em 2009, o governo tentou recolocar ordem no sistema ao proibir cassinos, mas ao mesmo tempo autorizando os 'bookmakers', os responsáveis por organizar as apostas e definir as cotações, a abrirem salas de jogo.
Com as mudanças, os apostadores foram migrando para a internet e uma multitude de sites aproveitaram o vazio jurídico para prosperar.
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O instituto de estudo dos bookmakers, uma entidade independente que analisa o mercado, estimava em maio de 2017 que o setor de apostas online movimentava um volume de negócios no valor de 11,8 bilhões de dólares, mais de dois terços oriundos de sites ilegais.
"Esperamos um interesse colossal pela Copa do Mundo", adiantou à AFP Aliona Cheianova, porta-voz de uma empresa legal de apostas online, a Leon, comemorando um desenvolvimento "fenomenal".
Parte visível do Iceberg
O Tsoupis recebeu sua primeira aposta online em fevereiro de 2016 e, atualmente, oferece os serviços de 15 bookmakers autorizados. Um deles é uma empresa australiana que conseguiu sua licença para operar na Rússia no ano passado, enquanto os bookmakers irlandeses e britânicos não têm permissão para atuar no país.
Mas os apostadores que escolhem usufruir de serviços legais precisam pagar uma taxa e esperar que sua identidades sejam controladas, um processo que pode demorar várias semanas, o que incita os usuários a migrar para sites ilegais.
"A maioria são pequenas empresas offshore instaladas nas Antilhas Holandesas, na Costa Rica ou em jurisdições europeias como Malta ou Gibraltar", explica Anton Rojkovski.
Os especialistas temem que esse dinheiro depositado em contas offshore incentive a manipulação de resultados, algo constante no futebol russo dos anos 1990. Na maioria das vezes, as partidas manipuladas envolviam equipes de pequeno porte que pertenciam a autoridades regionais ou empresários locais.
'Bookmakers de respeito'
Ex-goleiro das Copas do Mundo de 1966 e 1970, hoje com 77 anos, Anzor Kavazachvili tentou, como chefe de um comitê independente da Federação Russa de Futebol (RFR), combater a manipulação de resultados no futebol russo.
Foi em 2011 e "Michel Platini (na época presidente da Uefa) nos disse que eramos o único país da Europa sem agência reguladora de manipulação de jogos", explicou o ex-jogador à AFP.
As tentativas foram efêmeras. Um escândalo relacionado à uma decisão arbitral provocou em 2012 o fechamento do comitê independente. Com sarcasmo, Kavazachvili afirma que "nossos bookmakers de respeito" contribuíram para o caso, espalhando rumores para anular partidas que não foram manipuladas, mas nas quais perderam muito dinheiro.
Embora a situação na primeira divisão do futebol russo tenha mudado, na medida em que o futebol se torna cada vez mais um negócio em que "os novos proprietários não viam qualquer interesse em manipular resultados", segundo o jornalista esportivo Anton Orekh, da rádio independente Ekho Moskvy, a manipulação de resultados não desapareceu totalmente.
As divisões inferiores ainda escapam dos olhares das autoridades, apesar de representar um quinto do volume das apostas, um número expressivo.