O italiano Cesare Battisti, militante de esquerda de passado polêmico que passou a viver de seu trabalho como escritor, há 35 anos se vê obrigado a viver em fuga, marcada por vários momentos na prisão e batalhas diplomáticas para evitar a extradição para a Itália.
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Na última quinta-feira (12), ele foi detido em Embu das Artes (SP), onde vive há onze anos, e agora que foi libertado, aguarda o veredito sobre sua expulsão ou permanência no país.
Battisti foi condenado à revelia pela Justiça italiana, em 1993, por dois "homicídios qualificados" cometidos em 1978 e 1979 e cumplicidade em assassinatos. O ex-militante de extrema-esquerda afirma que "reconhece esse período histórico", mas ao mesmo tempo diz que é inocente. "É possível ter um olhar crítico sobre o próprio passado e não se arrepender", afirmou certa vez.
"É uma estupidez tentar mudar a sociedade através das armas. Mas admitamos, na época todo mundo pegava em armas! Havia guerrilheiros no mundo inteiro, e a Itália vivia uma situação pré-revolucionária", afirmou ele, em 2011, durante uma das poucas entrevistas dadas à imprensa.
"Faz 30 anos que não me considero mais um militante político, mas alguém que milita pela literatura", acrescentou.
Trajetória de Battisti: prisões e fugas, seis livros escritos
Poliglota e polemista, de voz suave com discurso às vezes incendiário, Cesare Battisti nasceu em 18 de dezembro de 1954, ao sul de Roma, em uma família comunista de origem católica. Após breves períodos na prisão por delitos comuns, no final da década de 1970 ele entrou para a luta armada, tendo participado dos chamados "anos de chumbo", marcados por atentados de extrema-direita e de extrema-esquerda.
Em junho de 1979, Battisti ficou detido em Milão devido à investigação por um dos homicídios. Dois anos depois, ele foi condenado a doze anos de prisão por "participação em grupo armado" e "ocultamento de armas".
Então, ele conseguiu fugir da prisão de Frosinone, próxima a Roma, e viajar até França e México. Em seguida, Battisti retornou à França.
Na França, ficou refugiado entre 1990 e 2004, graças à proteção do presidente socialista François Mitterrand, que se comprometeu a não extraditar um único membro da extrema-esquerda que tivesse renunciado à luta armada. Assim como uma centena de ativistas italianos nos anos '70, refez sua vida em Paris.
Trabalhando como porteiro, o ex-membro do grupo Proletários Armados pelo Comunismo (PAC) começou a escrever romances policiais, permeados pelos temas do passado que não passa, da redenção e do exílio.
De certa maneira, os títulos de seus livros são eloquentes: "Os vestidos de sombra", "Nunca mais sem fuzil", "Avenida Revolução", "Minha fuga sem fim", "Ao pé do muro" e "Ser bambu".
"Quero me reconciliar com o povo italiano"
Em 2004, a Justiça francesa decidiu por fim à "jurisprudência Mitterrand". O então presidente francês Jacques Chirac disse que precisava responder "favoravelmente a um pedido de extradição".
Inúmeras personalidades francesas, entre as quais a romancista Fred Vargas, que escreveu um livro chamado "A verdade sobre Cesare Battisti", o filósofo Bernard-Henri Levy e o abade Pierre, fundador dos Companheiros de Emaús, expressaram sua oposição à decisão de Chirac. Bertrand Delanoë, então prefeito de Paris, e a Câmara dos Vereadores aprovaram uma moção de apoio ao escritor.
Diante do risco de ser extraditado, em agosto de 2004 Battisti driblou o controle judicial que lhe foi imposto e, segundo ele próprio admitiu, fugiu para o Brasil com a ajuda dos serviços secretos franceses e portando uma identidade falsa.
Passados três anos na clandestinidade, acabou novamente detido, agora no Rio de Janeiro, e preso até que se decidisse em definitivo a respeito de seu destino. A Justiça italiana, então, pediu sua extradição, contra o que Cesare Battisti iniciou uma greve de fome. Battisti afirmou que preferia "morrer no Brasil a voltar para a Itália", onde considerava que sua vida correria perigo.
Em 2009, o Supremo Tribunal Federal (STF) autorizou que ele fosse extraditado, mas deixou que o presidente Lula desse a palavra final. No ano seguinte, Lula se recusou a extraditá-lo, e o governo italiano reagiu ao chamar de volta a Roma o embaixador lotado em Brasília.
Desde então, Battisti vivia discretamente em Cananéia (SP), onde continuava a escrever.
"O que eu quero", disse em 2011, "é uma reconciliação com o povo italiano. É necessário que se faça uma anistia, outros países já o fizeram".