O depoimento de João de Deus, neste domingo (16), que deveria ser mais um ato corriqueiro, como os investigadores já estão acostumados, foi, na verdade, uma sequência de ações não tão costumeiras com a rotina policial. De acordo com relatos de presentes, durante a oitiva do médium, além de teclado quebrado e fio queimado, o escrivão foi atropelado antes de chegar ao local. Os detalhes do depoimento foram apurados pelo jornal Folha de S. Paulo.
Tudo começou com um imprevisto. A oitiva estava marcada para ocorrer em Anápolis, cidade vizinha à capital goiana, mas um acidente no meio do trajeto tirou o escrivão de circulação. Ele foi atropelado na BR-060, a caminho da delegacia, e quebrou o braço.
O depoimento foi transferido para Goiânia. Mas, quando o médium começou a depor, o computador usado para registrar suas explicações não recebia os comandos no teclado. "Você apertava uma tecla e ela fazia OOOOOOOO...", disse a delegada Karla Fernandes, coordenadora da força-tarefa do caso na Polícia Civil.
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Ainda segundo a delegada relatou à reportagem da Folha de S. Paulo, estava calor e ela própria resolveu usar uma extensão para ligar o ar-condicionado. Pois, de acordo com o que ela contou, o fio queimou e, de quebra, quebrou o frigobar. "Todo mundo gritou dentro da sala", conta.
Após a sequência de sustos, e com as teclas do computador funcionando normalmente, foi possível concluir o interrogatório que durou mais de duas horas. Para a delegada, os episódios podem não ser só obra do acaso. "Estamos diante de uma situação que envolve crenças e energias".
Questionada se está com medo, ela reage: "Não, mas tenho respeito, até porque sou espiritualista". Ela classifica João de Deus como um homem que tem, de fato, "um poder". "Mas houve um desvio no meio do caminho", completa.
Depoimento
No depoimento que prestou à polícia, o médium negou qualquer tipo de culpa nos abusos sexuais dos quais é suspeito, e sua defesa tentou desqualificar as denunciantes. "Ele não admite [envolvimento]. Apresenta suas versões e cabe à polícia provar", afirmou o delegado-geral da Polícia Civil de Goiás, André Fernandes, que acompanhou a oitiva.
O advogado do médium, Alberto Toron, disse que terá de ser analisado com serenidade se as pessoas querem se aproveitar da situação para pedir dinheiro ao médium. "O fato de ter sido prostituta, por si só, não a descredibiliza, mas é preciso ver o contexto da vida dessa mulher para ver se ela tem crédito ou não. Isso não fizemos ainda", acrescentou.
O médium falou por mais de duas horas a duas delegadas. Segundo a delegada Karla, ele respondeu a todas as perguntas e se recordou de alguns atendimentos feitos a mulheres que o denunciaram.
O suspeito disse que a regra era recebê-las coletivamente, e não em recintos individuais, como consta dos relatos de supostas vítimas.
O delegado espera concluir os inquéritos sobre violências relatadas por 15 mulheres em 15 dias, quando será tomada a decisão sobre eventuais indiciamentos. Por ora, os crimes em apuração são os de estupro e posse sexual mediante fraude (usar a fé para obter sexo).
A delegada Karla disse que a prisão poderá aumentar o número de denúncias. Além dos 15 casos sob análise da polícia, o Ministério Público recebeu centenas de relatos de abusos. "Entendemos que, com a prisão, haverá o encorajamento de vítimas e isso pode levar a um aumento da procura", declarou.