Chove nas alturas, a água desce dos morros como serpentes gigantes de lama, matando pessoas e destruindo cidades. A história se repete a cada uma ou duas décadas. Acaba de acontecer na Colômbia e agora no Peru. De quem é a culpa?
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Trata-se da inclemência da natureza, ou é o ser humano que a desafia irresponsavelmente? "A responsabilidade é metade de cada um. Com a precisão de que a natureza sempre foi assim. O homem antigo entendia a natureza melhor que o de hoje. Prova disso são os sítios arqueológicos que ainda estão conservados, protegidos das quedas de água", explica à AFP o arquiteto peruano Augusto Ortíz de Zevallos.
Desmatamento e aquecimento global
O corte de árvores para dar lugar a terrenos para a agricultura e a pecuária faz com que as florestas percam sua contenção natural, como ocorreu com Mocoa. "Uma condição de coberturas em florestas protegidas pela Reserva Florestal tinha permitido uma relação harmoniosa entre a cidade e sua paisagem circundante", escreveu o ambientalista colombiano Rodrigo Botero na revista Semana. "No entanto, de uns anos pra cá, se intensificou o processo de desmatamento. Durante vários anos, percorrendo a bacia alta do rio Mocoa e propondo medidas de mitigação ambiental (...), observei como a pressão do desmatamento aumentava em todo o seu percurso", detalha.
O diretor de Prognósticos e Alertas do Instituto de Hidrologia, Meteorologia e Estudos Ambientais (Ideam) da Colômbia, Christian Euscátegui, disse ao jornal El Tiempo que "durante (o fenômeno meteorológico) La Niña de 2010-2011 (...), 71% das inundações ocorreram em zonas de pastagens que tinham perdido suas árvores".
Na Colômbia, o desmatamento diminuiu 12% em 2015 em relação ao ano anterior, mas ainda assim 124.035 hectares de floresta registraram cortes de árvores, segundo o Ideam.
O derretimento de geleiras no planeta, provocado pelo aquecimento global, também contribui para este cenário. "As mudanças climáticas geram umas dinâmicas e vemos resultados tremendos do ponto de vista da intensidade, da frequência e da magnitude destes efeitos naturais", disse à AFP o chefe da ONU Colômbia, Martín Santiago.
A natureza não perdoa
A pobreza, o deslocamento forçado por situações de violência e a migração em busca de melhores oportunidades levaram a um crescimento desordenado das cidades, segundo os especialistas. "O centralismo faz com que as pessoas busquem se instalar perto das cidades, onde for, sem se importar se por ali antes passou um rio ou se é uma quebrada por onde desce o que se acumula das chuvas. Isto requer uma revisão integral", diz Ortíz de Zevallos.
No caso de Mocoa, "a cidade foi vítima da falta de planejamento urbano, que é comum em quase todas as regiões da Colômbia", explicou Botero. O prefeito de Mocoa, José Antonio Castro, disse ao jornal El Espectador que a cidade, fundada em 1563, "é atravessada por cerca de 10 rios e isso indica que não é o lugar em que uma população deveria se situar". Um relatório do departamento de Planejamento Nacional de 2016 e outro de 1989, citados pela imprensa local, previram que as chuvas poderiam causar esta tragédia na Colômbia. "Fizemos obras de mitigação, mas mesmo se tivéssemos colocado uma muralha chinesa não teríamos detido esta cheia. Não é fácil com as comunidades", disse o prefeito à Radio Caracol. Para o geólogo da Universidade Nacional da Colômbia Germán Vargas, Mocoa se localiza de forma inadequada sobre o corredor natural do rio de mesmo nome e a confluência de correntes torrenciais de montanha.
Em Lima, para justificar a queda de uma ponte após a cheia do rio Rímac, o prefeito Luis Castañeda disse que "a natureza superou a engenharia". O arquiteto Ortiz de Zevallos lembrou, no entanto, que "a engenharia consiste em entender a natureza", como fizeram os incas. "Deus perdoa sempre, o homem perdoa às vezes, mas a natureza não perdoa", respondeu o bispo de Mocoa, Luis Maldonado, quando lhe perguntaram se Deus havia abandona seus fiéis nessa cidade.