PROTESTOS

Venezuela: com gás lacrimogêneo, tropa de choque dispersa opositores

O mês de protestos deixou até agora 28 mortos e centenas de feridos e detidos na Venezuela

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Publicado em 26/04/2017 às 18:40
Foto: JUAN BARRETO / AFP
O mês de protestos deixou até agora 28 mortos e centenas de feridos e detidos na Venezuela - FOTO: Foto: JUAN BARRETO / AFP
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Policiais da tropa de choque usaram bombas de gás lacrimogêneo para conter o avanço até o centro de Caracas de milhares de opositores que marcharam nesta quarta-feira (26) para exigir eleições gerais na Venezuela, em um novo desafio ao presidente Nicolás Maduro, apesar da violência que já deixou 28 mortos.

O prefeito do município de Chacao, Ramón Muchacho, denunciou no Twitter que um manifestante de 20 anos deu entrada "sem sinais vitais" em um centro médico da localidade e pediu "uma investigação que esclareça os fatos". O óbito, o 28º provocado pela violência vinculada aos protestos celebrados desde o início do mês, foi confirmado à AFP por uma fonte do Ministério Público. Mais cedo, a Procuradoria já tinha reportado a morte de um homem de 22 anos na noite passada após ter sido baleado na segunda (24) durante protesto em Valencia (centro-norte).

De volta às ruas nesta quarta-feira, um grupo de jovens com o rosto coberto por capuzes e tecidos, alguns com máscaras de gás, respondia à repressão das forças de segurança com pedras e outros objetos, na estratégica estrada Francisco Fajardo, no leste de Caracas.

A militarizada Guarda Nacional, que reforçou a polícia, também atirava balas de borracha e jatos d'água, além de uma chuva de gás lacrimogêneo. "Em frente", que as bombas não matam, gritou o vice-presidente do Parlamento, o opositor Freddy Guevara. "Quem somos? A Venezuela; O que queremos? Liberdade", "Urgente, urgente... um novo presidente", gritavam os jovens, entre a fumaça das bombas de gás. Algumas bombas caíam entre a multidão e na parte oeste da cidade, em Santa Mônica, os gases chegaram a afetar as crianças que estavam na escola. 

Um grupo de crianças chegou a ser evacuado de uma escola de Caracas por causa do gás. Em outras cidades, como em San Cristóbal, as forças de segurança também dispersaram os manifestantes da mesma maneira. Na capital, os opositores, vestidos de branco e carregando bandeiras da Venezuela, se concentraram em vários setores com o objetivo de chegar à sede da Defensoria Pública, no centro da cidade, considerado um reduto chavista, onde até agora não conseguiram entrar. "Quero morrer na Venezuela livre da ditadura. Estou há quase um mês protestando e vou continuar até que saiamos disto", declarou à AFP Elizabeth Freitas, de 77 anos, levando uma garrafa com bicarbonato para amenizar o efeito dos gases.

Sem ceder terreno, os seguidores do chavismo marcharam pelo centro da capital e se concentram nos arredores do Palácio presidencial de Miraflores, onde esperam por Maduro. "Estamos mobilizados pela revolução, por nosso presidente. Pedimos à oposição que saia deste caminho violento", declarou o jovem Freddy Gutiérrez, vestido com as cores da bandeira venezuelana. O mês de protestos deixou até agora 28 mortos e centenas de feridos e detidos.

Pressão internacional

A tensão na Venezuela segue gerando preocupação. A Organização dos Estados Americanos (OEA) se reuniu nesta quarta-feira, em Washington, para discutir um possível encontro de chanceleres para tratar o tema. O governo venezuelano, no entanto, anunciou através da Chancelaria, em Caracas, que desconhece qualquer iniciativa na OEA a respeito da crise no país. "A Venezuela não atenderá a nenhuma iniciativa no âmbito da OEA, que demonstrou ampla e publicamente seu teor intervencionista nos assuntos internos do nosso país", informou o ministério das Relações Exteriores.

Mais cedo, a ministra das Relações Exteriores, Delcy Rodríguez, havia advertido que, se for realizada uma reunião de chanceleres, a Venezuela iniciará "o procedimento de retirada" da OEA. A pedido de Caracas, a Comunidade dos Estados Latino-Americanos e Caribenhos (Celac) convocou uma reunião extraordinária para o dia 2 de maio. "Há uma pressão muito grande da comunidade internacional para uma negociação política da oposição com o governo, [mas] não creio que sejam possíveis eleições gerais", opinou o analista Carlos Raúl Hernández.

Os protestos explodiram há um mês depois que o Tribunal Supremo de Justiça (TSJ), acusado pelos opositores de servir ao chavismo, assumiu no fim de março as funções do Parlamento, único dos poderes que a oposição controla, mas recuou pela forte crítica internacional. A Anistia Internacional pediu nesta quarta-feira que o governo "pare" com a "perseguição" e com as "detenções arbitrárias" contra os opositores, enquanto a ONG Repórteres Sem Fronteiras declarou sua preocupação com o "forte controle" da imprensa.

Onde está a saída?

Para acalmar os ânimos, Maduro diz querer eleições, mas se refere às eleições regionais, que em 2016 foram postergadas e ainda não têm data para ocorrer, descartando um adiantamento, como pedem seus adversários, das presidenciais previstas para dezembro de 2018."Queremos votar em eleições livres e democráticas", disse o líder opositor Henrique Capriles, atingido pelas bombas de gás.

O presidente socialista também chamou ao diálogo e pediu o acompanhamento do papa Francisco. O diretor da página religiosa Il Sismografo, Luis Badilla, disse em Roma que o governo e a oposição "usam o papa e o Vaticano e são pouco confiáveis". "As eleições regionais são impostergáveis, mas isso não basta para aliviar a tensão. Deve-se recompor o tecido constitucional para solucionar esta crise", disse à AFP o ex-diretor do poder eleitoral Vicente Díaz.

Maduro, cujo mandato termina em janeiro de 2019, afirma que seus adversários têm um plano apoiado pelos Estados Unidos para derrubá-lo e propiciar uma intervenção estrangeira. Enquanto isso, a oposição classifica o governo de "ditadura" e vê como única saída para a profunda crise política e econômica do país petroleiro a saída de Maduro do poder. Mais de 70% dos venezuelanos, segundo pesquisas privadas, reprovam a gestão de Maduro, cansados da escassez de alimentos e remédios, e de uma inflação que segundo o FMI chegará a 720,5% neste ano, a mais alta do mundo.

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