O presidente Nicolás Maduro, pressionado por protestos que exigem eleições gerais, convocou uma Assembleia Constituinte "popular" para mudar a Carta Magna. O que busca? Como impactará a crise venezuelana?
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Voto universal ou não?
A iniciativa - rejeitada pela oposição - tem como particularidade que a metade dos 500 constituintes serão eleitos de forma setorial, por sindicatos, organizações camponesas ou minorias sexuais. Os demais serão selecionados nas circunscrições regionais.
"Se sou trabalhador, a organização dos trabalhadores postula, mas o ato de votar é universal, direto, secreto e democrático", disse o constitucionalista Hermann Escarrá, integrante da comissão presidencial que promove o processo.
Mas juristas como Enrique Sánchez consideram que não há o tal do voto universal, que envolva o total dos eleitores, com o governo "manipulando a eleição" dos constituintes.
Desta forma, haverá uma Assembleia "integrada fundamentalmente por setores do governo", cujas decisões permitirão sua permanência no poder, opina Sánchez.
Maduro entregará o Poder Eleitoral às bases para eleger os constituintes. Mas não está claro quando serão escolhidos e que método será aplicado para tal.
"Eleger por setores significa que serão vozes destes setores que escolherão os constituintes e isto contraria o que estabelece o caráter direto da Constituição", disse Sánchez.
Eleições no limbo
Escarrá garante que não se trata de uma "Assembleia concedida" a Maduro, cujo governo é rejeitado por sete a cada dez venezuelanos em meio à severa crise econômica que abala o país. Mas apesar da perda de apoio, o governo ainda exerce influência sobre as comunidades beneficiadas por seus programas sociais.
Maduro "não pode ganhar eleições gerais e então faz uma eleição deste tipo, uma convocação Frankenstein" com a qual ignora o Parlamento, único poder controlado pela oposição, destaca o analista Luis Vicente León.
"Enquanto se convoca este processo, estão suspensas as eleições municipais, estaduais e presidenciais em 2017 e 2018, com o qual o governo pretende conjurar seu maior perigo".
Parlamento de mãos amarradas
Reforma ou emenda deveria ser aprovada pelo Legislativo, algo impensável diante do duro choque de poderes que se registra desde que a oposição assumiu o controle do Parlamento, em 2015, acabando com 17 anos de hegemonia chavista.
Desde que perdeu o Parlamento, Maduro fixou sua trincheira no Poder Judiciário, que anulou todas as decisões da Assembleia alegando desacato dos deputados.
Exatamente as decisões do Tribunal Supremo de Justiça de assumir as funções do Parlamento e retirar a imunidade dos deputados deflagraram a atual onda de protestos contra o "golpe de Estado".
As duas decisões foram anuladas parcialmente.
Com a Constituinte, o Legislativo ficaria ainda mais de mãos amarradas, pois a Constituição assinala que nenhum poder público pode impedir as decisões da Constituinte, a estar subordinado a este suprapoder.
Maduro afirma que o objetivo da Constituinte é a "paz" e que sua convocação é uma resposta à "arremetida golpista" da oposição, que se nega a retomar o diálogo para superar a crise.
Vícios
Entre os vícios de ilegalidade, alguns especialistas assinalam que o presidente tem apenas a faculdade de propor a Constituinte, que precisa ser aprovada pelos cidadãos, em referendo. Assim ocorreu com a Constituição de 1999, por iniciativa do finado Hugo Chávez (1999-2013).
O Parlamento poderia, inclusive, "ativar um referendo consultivo" caso o Poder Eleitoral não o faça", advertiu o constitucionalista Juan Carlos Apitz.
Esta situação promete aumentar o conflito, adverte León, estimando que a oposição será obrigada a aumentar a pressão nas ruas e que serão instaurados mecanismos para "controlar a democracia real" com a desculpa da "democracia direta".
Ao firmar o decreto para a Constituinte, Maduro, que defende um "Estado comunal", disse que um de seus objetivos é o estabelecimento de "novas formas de democracia direta".
*Por Alexander MARTINEZ, da AFP - Caracas