As forças de segurança da Venezuela recorreram a bombas de gás lacrimogêneo, nesta quarta-feira (3), para dispersar uma manifestação que reuniu milhares de opositores contrários à convocação de uma Assembleia Constituinte feita pelo governo Nicolás Maduro.
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Apoiados por caminhões blindados, militares e policiais pressionaram a multidão, com gás e com jatos d'água, na autoestrada Francisco Fajardo, no leste de Caracas. Jovens, alguns encapuzados, reagiram com pedras e com barricadas em chamas. Várias pessoas ficaram feridas, incluindo dois deputados da oposição.
No centro da capital, cujo acesso é bloqueado aos opositores, Maduro liderava um ato para milhares de seguidores, depois de entregar ao Conselho Nacional Eleitoral (CNE) o decreto para instaurar a Assembleia Constituinte. Por meio dele, o Executivo espera conseguir fazer alterações na Constituição de 1999.
"Convoco uma Assembleia Nacional Constituinte cidadã e de profunda participação popular para que nosso povo, como depositário do Poder Constituinte originário, possa, com sua voz, decidir o destino da Pátria", disse o presidente no CNE.
Maduro garante que a eleição dos 500 constituintes será feita "livremente, pelo voto universal, direto e secreto", nas "próximas semanas", em setores da sociedade e dos municípios. Metade deles deverá ser escolhida por setores sociais, nos quais o governo tem influência.
Segundo seus adversários e na visão de especialistas constitucionalistas, isso significa uma eleição "fraudulenta", e "não universal".
"É uma fraude madurista. Como não podem ganhar eleições, querem impor o modelo eleitoral cubano para se perpetuar no poder", garantiu o líder da oposição Henrique Capriles, convocando seus correligionários nas ruas.
"Todas as ditaduras caem. Esta pantomima que deseja convocar não pode tirar nossa maior força: o povo na rua", declarou o vice-presidente do Parlamento, Freddy Guevara.
Nova explosão de violência
Encurralados pelos agentes e em meio a uma nuvem de gás lacrimogêneo, a multidão gritava "malditos" e "assassinos", nos fortes confrontos registrados esta tarde em Altamira, leste da capital. "Constituinte, sim, 'guarimaba' [protesto violento], não", gritou Maduro para seus seguidores.
No ato, ele foi acompanhado da presidente do CNE, Tibisay Lucena, acusada pela oposição de servir ao governo. Em discurso, Lucena declarou que a Constituinte "trará paz ao país".
Para Maduro, uma "insurgência armada" surgiu da oposição, com o objetivo de derrubá-lo com um "golpe de Estado". Por esse motivo, justificou, decidiu convocar a Constituinte.
"Surgiu das fileiras da oposição uma insurgência armada fascista, antipopular, que levantou suas armas contra a República, e a República tem direito de se defender contra o terrorismo", declarou no comício no centro de Caracas. Em seu discurso, o presidente disse ter "ordenado que se ativem operações de busca dos grupos armados". Enquanto Maduro falava, milhares de opositores tentaram chegar ao Legislativo, mas foram dispersados por policiais e militares com bombas lacrimogêneas.
O presidente socialista garantiu que sua proposta de Constituinte "cidadã e popular" busca promover a paz. "Enquanto eles convocam a violência, eu convoco a Constituinte. Enquanto ativam grupos violentos, eu convoco o povo (...) Estamos derrotando o golpe fascista", indicou. "Nas próximas semanas, teremos eleições. Queriam eleições? Querem votar? Vamos votar. Queriam diálogo? Tomem Constituinte", disparou Maduro.
Uma Constituinte de paz
Trinta e uma pessoas morreram, e centenas ficaram feridas, em incidentes violentos vinculados aos protestos, como os confrontos entre manifestantes e forças de segurança, tiroteios e saques. Governo e oposição se acusam mutuamente.
"A oposição decidiu ir para o extremismo. Hoje, estão na fase de passar para uma insurgência armada e, ante esta grave circunstância, o único caminho para garantir a paz é uma Assembleia Nacional Constituinte", disse Maduro na noite de terça-feira (2).
O líder socialista disse ter feito tudo por um diálogo, mas os opositores "se negaram mil vezes".
"Estendo a eles uma mão salvadora para que venham à Constituinte da paz", acrescentou.
Para alguns analistas, porém, a convocação de Maduro pode piorar o conflito, que já desperta grande preocupação na comunidade internacional.
Argentina, Chile e Estados Unidos consideraram que a Constituinte agravará a crise. O Brasil a classificou de "golpe", e o secretário-geral da Organização dos Estados Americanos (OEA), Luis Almagro, viu a saída anunciada por Maduro como "fraudulenta".
Hoje, um grupo bipartidário de senadores americanos apresentou um projeto de lei que prevê sanções com funcionários venezuelanos acusados de minar a democracia.
O papa Francisco ofereceu ajuda para um "diálogo", mas com "condições claras". Na terça-feira, os países da Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (Celac) apoiaram, em reunião em San Salvador, uma saída negociada para a crise.