A sociedade civil e a oposição da Tunísia manifestaram sua profunda preocupação com a transição democrática do único país sobrevivente da chamada "Primavera Árabe", após a adoção de uma polêmica lei de anistia de políticos envolvidos na corrupção sob a ditadura.
A aprovação da lei na quarta-feira (13), depois de um dia de intenso debate no Parlamento, ocorre na sequência de uma grande remodelação, na qual ex-ministros do ditador destituído Zine El Abidin Ben Ali entraram para o governo em cargos importantes.
A remodelação foi percebida como um reforço dos controles do presidente Béji Caid Essebsi sobre o governo com a aproximação das eleições (municipais, em dezembro; legislativas e presidencial, em 2019).
Quanto ao voto no Parlamento, é "uma enorme vitória simbólica para a impunidade. Sinal verde das instituições do Estado tunisiano para indivíduos envolvidos em casos de abuso de poder", estima a analista Monica Marks, doutoranda na Universidade de Oxford.
Apresentado pelo presidente Essebsi em meados de 2015, o projeto de lei prevê a anistia de certas pessoas - empresários, ex-membros do regime de Ben Ali e outros - processados ??por corrupção, em troca do reembolso ao Estado das somas adquiridas indevidamente e de uma penalidade financeira.
Frente ao clamor das ruas, o texto foi revisado para incluir apenas os funcionários acusados ??de estarem envolvidos em casos de corrupção administrativa e que não receberam propina.
Para defender a lei, a Presidência evocou a economia, dizendo querer "liberar as energias" da administração.
Cerca de 2.000 autoridades políticas "que não receberam suborno" seriam contempladas pela lei, de acordo com Selim Azzabi, chefe do gabinete do presidente.
Durante a ditadura, eles "receberam instruções e as aplicaram sem obter benefícios", justificou.
Azzabi assegurou ainda que a lei pode "levar a um crescimento de mais de 1,2% da economia". Esse argumento é rejeitado pela oposição e pela sociedade civil, com a alegação de que a legislação encoraja a impunidade em meio a uma corrupção considerada endêmica.
A lei "corre o risco de perpetuar práticas herdadas do antigo regime" e coloca a jovem democracia, nascida no levante de 2011, em "uma inclinação ruim", adverte Amna Guellali, chefe da Human Rights Watch na Tunísia.
"As pessoas devem ser vigilantes, porque, amanhã, aqueles que cometeram crimes, que roubaram dinheiro, ocuparão os cargos mais altos, como se a Revolução não tivesse existido", alertou o deputado de esquerda Ahmed Seddik.
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Mudanças
"Essa lei precisa ser alterada!", clamou a ONG Transparência Internacional, enquanto o ex-presidente Moncef Marzouki advertiu que o país "corre em direção a um grande perigo".
"Nós não fizemos a Revolução para passar de uma ditadura corrupta para uma democracia corrupta", afirmou Marzouki, em uma coletiva de imprensa.
Vencedor das últimas eleições, o partido Nidaa Tounès, que possui membros do antigo regime, comemorou a aprovação da lei, que "prepara o caminho para uma nova etapa na história da Tunísia: a de reconciliação e união".
Já o partido islâmico Ennahdha, que domina com Nidaa Tounès junto com o Parlamento e participa do governo, disse que votou favoravelmente em nome do "interesse nacional".
Programada para esta quinta-feira à noite, uma nova manifestação contra a lei convocada pelo coletivo cidadão "Manich Msamah" ("Não perdoo", em árabe) foi adiada para sábado (16).