Recebido na tarde desta quarta-feira (29) pela máxima instituição budista de Mianmar, o papa Francisco considerou "necessário superar todas as formas de incompreensão, de intolerância, de preconceito e de ódio".
O momento é especialmente delicado, em meio às críticas da comunidade internacional ao país por causa da crise dos rohingyas.
Convidado a discursar no comitê do Sangha Maha Nayaka (instituição nomeada pelo governo que regula o clero budista), o Papa evitou falar especificamente sobre a minoria muçulmana, a qual estaria sendo vítima de uma "limpeza étnica", segundo a ONU e os Estados Unidos.
As críticas ao Papa por não mencionar explicitamente os rohingyas teve uma resposta por parte de seu porta-voz, Greg Burke.
Segundo ele, o Papa não perdeu sua autoridade moral ao mostrar cautela diplomática.
"Não se pode esperar que as pessoas resolvam problemas impossíveis", acrescentou.
Nessa viagem inédita a um país de maioria budista, o sumo pontífice pediu unidade, afirmando que não é mais possível "permanecermos isolados uns dos outros".
"Como podemos fazer? As palavras do buda oferecem a cada um de nós um guia: 'Elimine o ódio com a ausência de ódio, vença o mal com a bondade, desfaça a avareza com a generosidade, vença a mentira com a verdade'", citou Francisco, nesse encontro com Sangha, a mais alta instância budista do país.
Na terça-feira, Francisco pediu "respeito a todos os grupos étnicos", mas evitou pronunciar a palavra "rohingya" e não fez menção direta ao êxodo para Bangladesh dessa minoria muçulmana vítima de perseguições.
Em um discurso pronunciado diante das autoridades civis do país na capital, Naypyidaw, o Papa também defendeu um "compromisso pela justiça e respeito aos direitos humanos".
No país, a xenofobia e o ódio dos muçulmanos ganham terreno, e boa parte da população considera os rohingyas imigrantes em situação ilegal.
O alto clero budista, que levou anos até banir o movimento dos monges extremistas de Wirathu responsável pela propagação do ódio do Islã, nunca se pronunciou a favor da minoria muçulmana discriminada.
Mais de meio milhão no país, os monges são uma força considerável e sempre participaram da política nacional. Na época da junta militar, estiveram com frequência na linha de frente nos protestos contra a ditadura.
Hoje mais visíveis e os únicos a se manifestarem no país, os mais virulentos descartaram esse apelo do papa à tolerância.
"Estamos felizes que ele não tenha pronunciado a palavra 'rohingya', mas quero sugerir a ele para ler o Corão para ver se ele vai continuar a achar que é uma religião de paz", comentou Sithu Myint, um militante nacionalista ligado aos monges radicais.
Multidão colorida para a missa
Em uma missa campal realizada esta manhã antes da reunião com Sangha, o papa recomendou "o perdão" aos cerca de 150 mil fiéis católicos que compareceram para vê-lo e ouvi-lo.
O papa considerou que chegou a hora de perdoar, "ainda que muitos carreguem as feridas da violência, sejam elas visíveis, ou invisíveis". Diante de multidão colorida e bastante contida, vestindo roupas étnicas e agitando um mar de bandeiras birmanesas e do Vaticano, o papa disse ter "vindo oferecer algumas palavras de esperança".
Muito emocionado com a primeira visita de um papa ao país, vários católicos passaram a noite no imenso campo onde aconteceria a missa, no centro de Yangun, capital econômica do país.
"Nunca sonhei com ver o papa ainda em vida!", comemorou Meo, de 81 anos, da minoria Akha.
Já Gregory Than Zaw, da etnia Karen, que chegou de ônibus junto com outras 90 pessoas, comentou que "nunca viu tantos católicos".
Na segunda parte de sua turnê, o papa desembarca nesta quinta no muçulmano Bangladesh, país onde mais de 900 mil refugiados rohingyas vivem em acampamentos de condições insalubres.
Francisco deve se reunir com membros dessa comunidade apátrida em Dacca.