O governo sírio retomou nesta sexta-feira (9) os bombardeios sobre a Guta Oriental, reduto rebelde perto de Damasco, em uma operação aérea que completa cinco dias com mais de 230 civis mortos, diante da impotência internacional frente a este conflito.
Após uma breve pausa, os bombardeios voltaram a atingir várias localidades na imensa região da Guta Oriental, onde se encontram cerca de 400 mil habitantes sitiados em péssimas condições, segundo correspondentes da AFP.
Desde segunda-feira (5), milhares de famílias se refugiaram em abrigos improvisados, enquanto médicos e socorristas estão sobrecarregados pelo grande fluxo de vítimas em meio aos balanços diários de dezenas de mortos e feridos. Entre as vítimas, há várias mulheres e crianças.
Apesar da violência devastadora, os membros do Conselho de Segurança da ONU não conseguiram, na quinta-feira, chegar a um acordo sobre uma possível trégua humanitária no país, reivindicada pelas agências do organismo, que estão bloqueadas sem poder prestar ajuda de emergência dada a situação crítica.
Nesta sexta-feira, o presidente francês, Emmanuel Macron, exortou seu contraparte russo, Vladimir Putin, a "fazer tudo o necessário" para que o governo sírio acabe com a "degradação insustentável" da situação humanitária e expressou sua preocupação ante o possível uso de cloro contra civis, indicou um comunicado da Presidência francesa.
Aproveitando uma calma que durou apenas algumas horas, habitantes de Duma e de Hammuriye saíram de suas casas para limpar as calçadas.
Outros tentaram salvar o que era possível, no meio da destruição. E alguns tentavam renovar os estoques de mantimentos em casa, comprando o que encontrassem nos mercados locais.
Mas logo, dos alto-falantes das mesquitas, começaram a lançar advertências dos ataques: "um avião no céu. Evacuem as ruas". Pouco depois, os bombardeios atingiram a localidade de Arbin, onde cerca de 20 civis morreram na véspera.
Desde segunda-feira, 235 civis, entre eles cerca de 60 crianças, morreram pelas bombas do governo contra Guta Oriental, indicou o Observatório Sírio de Direitos Humanos (OSDH). Outras centenas ficaram feridas.
'Catástrofe humanitária'
Segundo a ONG CARE International, os intensos ataques aéreos do governo sírio na Guta Oriental impedem as operações de socorro das organizações locais, que são vitais para seus habitantes.
"Nossos parceiros têm muita dificuldade de se deslocar no terreno. Então, como podem ter acesso às pessoas vulneráveis?", questionou Joelle Bassoul, responsável pela área de comunicação para a Síria nesta ONG.
"Se não houver um cessar-fogo, se tudo isso não for compreendido, não podemos imaginar a amplitude da catástrofe humanitária" que está por vir, completou.
A região da Guta faz parte das quatro zonas chamadas de "distensão", estabelecidas no ano passado em um acordo entre os principais atores internacionais para reduzir os combates e a violência no país.
No entanto, os bombardeios dos últimos dias, qualificados como os mais violentos desde o início da guerra pelos habitantes deste enclave, obrigaram as organizações humanitárias a lançar o sinal de alarme.
Segundo a ONG Save the Children, mais de 4.000 famílias na Guta Oriental vivem em porões e em bunkers. "As crianças estão famintas, bombardeadas e presas", advertiu.
O conflito na Síria começou em meados de 2011 pela repressão de manifestações a favor da democracia e se complicou progressivamente sobre um terreno cada vez mais fragmentado, onde morreram mais de 340 mil pessoas.
'Feito irreversível'
A multiplicação de protagonistas, as divisões internacionais e o aumento da potência dos extremistas minaram os esforços para encontrar uma solução a este conflito.
Os Estados Unidos, hostis ao governo de Bashar al-Assad, e a Rússia, aliada de Damasco, voltaram a manifestar suas diferenças no que se refere uma trégua humanitária: a favor, no caso dos EUA, e "irrealista", na visão de Moscou.
Para Nick Heras, analista do Center for New American Security, como Guta Oriental é a última área controlada pelos rebeldes perto de Damasco, o poder está mais determinado do que nunca a expulsar os insurgentes de lá.
"Essa estratégia de sitiar Guta é uma punição coletiva para fazer toda a população da região pagar o preço de sua escolha de se rebelar contra Bashar al-Assad e seu governo", explicou o especialista à AFP. Assad busca que "a derrubada da oposição na Guta seja um feito irreversível no terreno".